Maravilhosa Graça

Você sabe que possui uma alma imortal. Todos sabemos. Ainda que você asfixie esse conhecimento natural, sua própria consciência testemunha de que a sua existência não se extinguirá depois que o seu corpo se for. É uma perturbadora e constante idéia diante da qual nem eu, nem você, nem ninguém permanece impassível. E é uma idéia da qual não podemos fugir: pois quando olhamos ao nosso redor, o Infinito nos dá seu testemunho. Lá está o céu sem fim, cujas alturas se estendem além das trevas exteriores; lá está o interminável mar, seus abismos inexploráveis, suas águas há longos milênios sobre a terra; lá estão as incontáveis estrelas, com seus segredos imemoráveis. Em cada uma dessas obras o Infinito aguça ainda mais nosso desejo pelo que é Eterno, a cada um desses chamados a imortalidade da sua alma responde com júbilo. Contudo, qual o exato destino de sua alma imortal quando seu corpo descer à sepultura? Estar incerto quanto a isto, não te faz estremecer quando pensa a respeito da infindável eternidade que te aguarda? A Escritura diz “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração [Eclesiastes 7:2]. É proveitoso pensar na morte, no fim de todos os homens. Sua alma é imortal, mas seu corpo não; por isso consideremos o inevitável crepúsculo, porque nem eu, nem você, poderemos fugir disto. E a questão necessariamente incluída neste pensamento é aquela que já nos fizemos, ainda há pouco: após a morte, pelo longo tempo no futuro sem fim, onde estará a minha alma imortal? Mais dia, menos dia, você terá de encarar esta questão e, peço ao Senhor, que Ele te conduza a fazê-lo agora, em minha companhia, pois, se deixarmos para fazê-lo depois, o súbito fim da existência pode te apanhar antes de ter lidado com esta questão da maneira como se deve lidar. Vamos, juntos, ouvir do Senhor o que Ele pode nos ensinar a este respeito. O que Ele diz que nos acontecerá depois da morte? Um Julgamento. Cada homem morre “uma só vez”, “uma vez para sempre” ao que se segue o Juízo [Hebreus 9:27-28]. Quando morrer, você se apresentará diante de Deus, o Justo Juiz dos vivos e dos mortos [Salmo 7:11, Atos 10:42]. Será que isto é bom? O Senhor nos diz que não será bom para todos. Na verdade, estar diante de Deus será terrível para muitos [Mateus 22:12-14, 2 Coríntios 5:9-11]. Por quê? Porque só terá descanso o homem que, quando se apresentar diante de Deus, já estiver em paz com Ele, já estiver sob Seu favor – este homem receberá sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa e habitará com Deus para sempre. Porém, a pessoa que se apresentar diante dEle sem estar sob o Seu favor, receberá sua parte no Lago de Fogo e tormento eterno [Apocalipse 22:14-19, 20:14,15]. Portanto, devemos nos perguntar, com temor e preocupação: Como conseguir o favor de Deus? Como estaremos prontos para nos apresentarmos ao Senhor, no dia do Juízo? A surpreendente resposta é: Deus está oferecendo gratuitamente o Seu favor e a Sua paz. Ele está oferecendo-os neste momento a mim, a você e a todos quantos quiserem. Ele está oferecendo-os em Cristo.

Ouçamos a Sua voz a chamar: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” [Isaías 55:1] “Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” [Apocalipse 22:17].

Gratuitamente Ele nos chama, não há necessidade de pagamento ou de permuta, o favor de Deus é gratuito para todo aquele que crê. “Crê no Senhor Jesus e serás Salvo” [Atos 16.31].

Veja que há boas razões para ser assim. Dar-te-ei apenas três motivos:

1)“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais” [Atos 17.24,25] – Deus não é servido como se de alguma coisa precisasse – Ele é completo em Si mesmo, não há nada que você possua que possa acrescentar algo ao Senhor;

2) “O Salário do pecado é a Morte” [Romanos 6:23] - Por causa dos seus pecados, tudo o que você merece de Deus é a Morte.

3)O preço suficiente para te redimir e te dar o favor de Deus já foi pago [1 Coríntios 6:20, 7:23].O único que poderia agradar ao Senhor, o único Justo, Cristo Jesus, viveu uma vida reta e morreu uma morte que não merecia, para comprar Salvação para os que nEle crêem.

Agora, venha e compre sem dinheiro, venha e receba a paga pelo trabalho de Cristo. “Ora ao que trabalha, o salário não é considerado como favor e sim como dívida.” [Romanos 4:4] Se você tenta ganhar a salvação pelas suas obras, mas labuta também o pecado, o salário que te é devido é a morte por causa do pecado [Romanos 6.23]. A Palavra nos diz que “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” [1 João 1:8], donde entendemos que não há homem algum isento de culpa, que todos nós, com maior ou menor malignidade, com maior ou menor dolo, pecamos. Sim, é isso mesmo que a Escritura nos diz: “todos pecaram e carecem da glória de Deus” [Romanos 3:23, cf. Salmo 51:5]. Assim, se todos temos algum pecado, todos receberemos o salário do pecado, que é a morte. Simplesmente não há saída para o pecador, nenhuma de nossas boas ações podem nos livrar da escravidão do pecado [João 8:34, Romanos 6:20] e de, por conseqüência disto, herdar o inferno. Por isso, tentar adquirir a Salvação e o favor de Deus como recompensa por nossas boas obras é inútil [Romanos 3:20, Gálatas 2:16]. É impossível aos homens adquirirem a Salvação para si mesmos [Marcos 10:27, Mateus 19:26].

Se somos tão miseráveis e estamos tão certamente condenados, como receberemos o favor de Deus? Simples: confiando no trabalho e na retidão de Deus e não em nada que provém de nós mesmos.“Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” [Romanos 4:5] Abra seus olhos e veja! Eis aqui a Maravilhosa Graça de Deus! Eis o sentido daquele chamado que ouvimos antes, eis o significado da voz do Salvador que diz: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” [Isaías 55:1]. Por isso você pode vir, por isso você pode comprar sem dinheiro: porque aquele que não trabalha para alcançar o favor de Deus, mas crê em Cristo Jesus, receberá o salário pelo trabalho de Cristo Jesus e será visto por Deus como Justo! O Senhor Cristo Jesus, Filho de Deus, viveu em perfeita santidade, sendo tão rico em retidão e merecedor de tão excelente favor de Deus que pode tomar da Sua retidão e entregá-la a Deus no lugar das imundas obras do pecador. Sim, repito: Nós, que somos pecadores, se crermos que Cristo é a nossa Justiça, receberemos o salário devido a Cristo pela retidão dEle e não o salário que era nosso pelo nosso pecado. Cristo já pagou o débito de todos os que crerão nEle! Venha e receba o que Ele comprou, o tesouro precioso de Salvação e da abundante vida com Deus - Ele o comprou com Seu preciso Sangue, para todo aquele que nEle crer.

Ouçamos ao Senhor Jesus Cristo mesmo, que nos ensina sobre tal maravilhoso convite da Graça por meio da parábola do Fariseu e do Publicano:

“Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.

O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.” [Lucas 18:10-14]

Que o Senhor tenha misericórdia de nós e não permita que sejamos cegos para a hipocrisia e altivez que espreita nossas almas! Veja que o fariseu orava para si mesmo, para obscurecer a consciência de sua dívida, confiado em sua religiosidade e em suas boas obras; por isso ele adentrou o templo sob a Ira de Deus, e sob a Ira de Deus desceu para sua casa. Nenhuma das suas boas ações, nem a sua dedicação religiosa, nem seus jejuns, nem sua obediência externa à Lei, nem seus dízimos - nada do que fez pôde torná-lo verdadeiramente Santo e Justo. E Deus não exige nada menos do que santidade absoluta e perfeita justiça para estar sob Seu Favor. “Sede santos porque Eu sou Santo” [1 Pedro 1:16] diz o Senhor; Ele mesmo é o padrão da santidade que Ele exige: “Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? Aquele que anda sinceramente, e pratica a justiça, e fala a verdade no seu coração; Aquele que não difama com a língua, nem faz mal ao próximo” [Salmo 15:1-3] e “Nela [Nova Jerusalém] nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira” [Apocalipse 21.27]. Assim, o fariseu não obteve o favor de Deus; antes, a Sua Ira porque, por mais que se esforçasse em seus deveres, jamais alcançaria perfeita justiça; e pior, por considerar que a mínima retidão que possuía era digna do favor de Deus, ele menosprezou a santidade do Senhor e imaginou um falso deus, muito menor e mais débil que o Santo, Santo, Santo Deus Altíssimo e Eterno. O fariseu permaneceu nas suas injustiças, cego em seus pecados, porque quis alcançar ao Senhor com sua própria força, pela sua própria obediência. Mas ninguém será justificado por obras [Romanos 3:20, Gálatas 2:16]. Agora atentemos para o que Jesus Cristo nos ensina acerca do ocorrido com o publicano. Ora, o pecador publicano, tão ciente de sua miséria a ponto de nem levantar os olhos aos céus, ofereceu apenas seus pecados ao Senhor; não ostentou pretensas boas ações, mas clamou por Sua misericórdia. E o que ocorreu? Ele foi declarado justo! Deus o perdoou e o enxergou como justo, pela retidão que há em Cristo, onde reside toda Misericórdia e Graça. O coração do publicano estava cheio de genuíno arrependimento, seu espírito sinceramente quebrantado diante do Altíssimo, sua mente tomada por ódio aos seus pecados e vergonha de sua miséria. Ele conhecia sua necessidade de perdão e conversão; ele sabia que só Deus podia dar-lhe um coração novo em Cristo. Ele se humilhou, ele implorou. E o publicano desceu para sua casa justificado.

Eis, sobre todos os povos, bendito Eternamente, o Deus que perdoa pecadores e converte os caminhos destes para o bem! Eis o Deus que está perto de cada um de nós, Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. E é em Cristo, pela Sua perfeita justiça, que Ele pode ouvir seu clamor; em Cristo Ele pode receber sua fé e no Sangue de Seu Sacrifício, você pode ser lavado de suas iniqüidades; Sim! No Precioso e Santo sangue derramado na Cruz.

Desista de toda sua justiça, desista de buscar méritos em si mesmo, desista de comprar o favor de Deus com o seu trabalho. Cristo nos ensina, e toda a Escritura nos fala o mesmo: Não é o seu esforço, nem sua caridade; não são cerimônias religiosas e sacrifícios próprios, não é nenhuma “lei cármica” ou princípio de “evolução interior”; enfim, nada disso liberta o homem e dá o favor de Deus. Todas estas coisas são falsas, umas são fábulas e outras nada são por si mesmas. Todas estas coisas, se consideradas como caminho de justiça, apenas farão de você um escravo e demonstrarão sua condenação nos sofrimentos causados pelos seus próprios pecados. Elas não têm nenhum poder contra as vontades malignas da carne, nem nenhum poder para Salvação. Porque Deus pôs uma pedra de tropeço para todos que tentem chegar a Ele pela sua própria força. E esta pedra é a consumação da Graça da Salvação na Cruz de Cristo. “Está consumado!” [João 19:30] disse o Cristo na Cruz. Está finalizada a obra da Salvação de todos que, por fé, olham para Jesus como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” [João 1;29], e como autor do sacrifício na Cruz que cancela o escrito de dívida, que era contra nós [Colossenses 2:14]. A obra da Salvação já foi feita, fora de nós, sem a nossa participação! Agora Deus nos anuncia estas Boas Novas, e aguarda apenas que todos os que haverão de se salvar, creiam! Sim, nossa Salvação vem de Deus,“não de obras, para que ninguém se glorie” [Efésios 2:9].

Quão humilhante isto é para o homem que crê poder construir o próprio caminho para o estado eterno! Quão difícil para todos os soberbos e hipócritas que desejam fazer de si mesmos seus próprios deuses! Mas igualmente quão maravilhoso é para os fracos, quão maravilhoso para os cansados e pecadores! Ouça-me o cansado, ouça-me o aflito, ouça-me o pobre de espírito, ouça o chamado da Graça que proclamo: há esperança para o pior dos pecadores, pois Cristo não veio para os sãos, mas para os doentes; não para chamar os que se consideram justos, mas para chamar os pecadores ao arrependimento [Mateus 9:12-13]. A Salvação de todo o que crer já foi feita, o Senhor Jesus Cristo já completou-a no Calvário, pendurado no madeiro, tomando sobre Si as nossas dores e recebendo a paga pelos nossos pecados. Sim, “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus. Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” [2 Coríntios 5:21]. Oh, como é doce e suave a promessa de nosso Celeste Rei! Quão próxima e acessível está a estreita porta que leva ao estreito caminho para a morada eterna na Jerusalém Celestial! Que imensa liberdade recebem os que crêem em Cristo: são libertos dos seus pecados e das pesadas exigências dos ensinos dos homens! Que fardo terrível cai de nossas costas ao sabermos que o Senhor já comprou nossa Salvação e que somente precisamos crer para sermos salvos! Que grande peso podemos deixar aos pés da Cruz! Quão grandes são a sabedoria e o amor de Deus, pois Ele escolheu a pureza e a simplicidade do arrependimento e da fé verdadeiros para trazerem sobre o pecador o Seu perdão e favor eternos.

Que o Senhor nos leve a curvarmos nossas cabeças em submissão e arrependimento; que o Senhor nos leve a abandonarmos nossa justiça própria e confessarmos nEle que o Cristo morto por nós e ressurreto para a Glória, é o Senhor de nossa Salvação; que nEle foi consumada a nossa morte por causa de nossos pecados e que somente nEle está toda retidão que precisamos oferecer a Deus. Confessemos nossa necessidade, nossa pecaminosidade e incapacidade, e busquemos-nO com coração quebrantado e arrependimento verdadeiro. Somente assim receberemos dEle a bênção de sermos feitos Seus Filhos, de sermos aceitos como justos diante dEle, de termos Seu favor, de termos Seu Espírito habitando em nós e, por isso, seguramente esperaremos o dia em que nossa alma imortal, em um corpo ressurreto e glorificado, habitará com o Senhor, na Jerusalém Celestial, para sempre e sempre.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 1

Esta nova série de artigos do Jardim Clonal tratará da Esperança da Igreja em Tempos de Apostasia. Serão apresentados, em várias edições, estudos em escatologia (comparando o que os textos da Epístola de São Paulo aos Romanos capítulo 11, do Livro do Profeta Daniel Capítulos 9, 11 e 12, do Evangelho de São Mateus capítulo 24, das Epístolas de São Paulo aos Tessalonicenses, da Epístola aos Hebreus e do Livro de Jeremias podem nos ensinar sobre a decadência da Falsa Igreja, a Apóstata que se deita com a Mãe de Todas as Abominações - bem como sobre a vitória e progresso da Verdadeira Igreja, a Pura Noiva de nosso Senhor Jesus Cristo). Oremos para que o Senhor nos abençoe nestes estudos, para que Sua Palavra seja apresentada aqui pura e límpida, sendo refrigério para nossas almas em tempos trabalhosos e fonte perene de esperança e forças levando-nos a conhecermos, pela Graça de Cristo, o poder das palavras do Apóstolo Paulo quando diz: já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim [Gálatas 2:20].

A Fé e a Piedade dos Puritanos

Algumas vezes, nos círculos teológicos da Internet, a Igreja Congregacional Kalleyana tem sido chamada de Igreja Congregacional Puritana. A razão disto é que Robert Reid Kalley tinha todas as características de um Puritano do século XIX, características as quais temos lutado para resgatar em nosso meio desde que iniciamos o processo de Reforma em nossas congregações. Processo este que, pela Graça de nosso Senhor, deu à luz a nossa denominação. A este respeito, o tema número 32 de um de nossos Símbolos de Fé (chamado Reflexões Bíblicas) diz que “o Puritanismo pode ser considerado um dos mais sublimes e santos modelos de vida cristã de todos os tempos”. Esta afirmativa não é, em nada, exagerada. Portanto, ainda nos falta muito para sermos realmente uma Igreja Puritana. Contudo, peço ao Senhor que não nos permita esmorecer, mas que nos dê, pela Fé em Cristo, uma porção do Seu Espírito como a que foi derramada sobre aqueles Santos homens do passado.

A teologia e a piedade Puritanas encontram poucos pares em toda história da Igreja. Como um movimento, o Puritanismo teve mais influência sobre a história do Protestantismo do que qualquer outro grupo isolado. A sua teologia moldou-lhes uma atitude ante o mundo que é a perfeita expressão da doutrina calvinista da Soberania de Deus. Eles realmente viviam como quem crê em um Deus que é Todo-Poderoso e ordena todas as coisas para o bem daqueles que amam ao Senhor, daqueles que são chamados segundo o seu propósito [cf. Romanos 8:28]. Um de seus lemas - vincit qui patitur (o que persevera no sofrimento, conquista) – demonstra quão firme era a expressão de sua Fé. Uma firme crença no cuidado e nas promessas de Deus, a qual é visível:

  • Na dedicação com que escreviam seus longos livros - plenos de conhecimento teológico e de devoção pessoal;
  • Na forma como pregavam – escravos do texto Bíblico, porém entregues com todo o seu ser ao sermão que proferiam;
  • Nas suas batalhas no Parlamento - para que a Lei do Estado fosse a mais próxima expressão da Lei de Deus;
  • E nas suas lutas nos campos de batalha - para que os monarcas tiranos e corruptos não dominassem sobre o povo e sobre a Igreja.

É verdade que muitas dessas vitórias foram transitórias, contudo, como podemos ver na história do Reverendo Puritano Robert Kalley, aquelas poucas vitórias que não são transitórias colaboram para o progresso do Evangelho de tal maneira que obscurecem até as inúmeras derrotas que os Puritanos usualmente sofriam. Porque, no sacrifício amoroso que esses homens fizeram por Cristo, gerações e gerações foram beneficiadas: dos ensinos dos Puritanos ingleses do século XVI surgiu a bela obra do Rev. Jonathan Edwards no século XVIII, renomado como um dos três maiores teólogos da Igreja, ao lado de João Calvino e de John Owen. E nas obras de Jonathan Edwards e John Owen nos foi legado o precioso entendimento da soberana obra do Espírito de Deus, que em tempos de apostasia, opera três grandes obras da Graça - preserva um remanescente para Glória de Deus, reaviva o povo de Cristo e fomenta a Reforma da Igreja e do mundo. E todas estas operações do Senhor por meio desses servos encontra impulso na firme crença Puritana de que nem todos os sínodos do inferno em conjunto podem prevalescer contra a Igreja de Cristo [cf. Mateus 16:18]. Foi esta firme Fé que preparou o coração dos grandes missionários do século XVII em diante e que deu força às palavras de grandes pregadores do século XIX, como William Wilberforce, que comumente instruía aos Cristãos, pela Palavra, a não ver o mundo como um navio naufragando e do qual as almas dos homens têm de escapar, mas como propriedade adquirida de Cristo, a cujo reino a terra e sua plenitude pertencem [cf. Mateus 28:18, Atos 2:34-35].

Como examinamos mais detidamente em um texto passado do Jardim Clonal, aquilo que cremos molda nossa moral - nossa prática de vida é um reflexo de nossas doutrinas. Pois a Palavra de Deus e a alma humana formam um conjunto perfeito, uma vez que a alma foi criada para que a Palavra habitasse nela. Portanto, qualquer distorção na Palavra, qualquer falha na pregação do inteiro conselho de Deus, gerará uma falha na alma. Ora, as doutrinas Cristãs pregadas desde os tempos Apostólicos sofreram terríveis ataques no século XX, e, com isto, a esperança e a vida Cristãs foram terrivelmente afetadas – e, portanto, a alma Cristã foi terrivelmente afetada. O Dispensacionalismo, por exemplo, é uma doutrina que inexistia até o século XIX; é oriunda de pretensos arroubos proféticos e pesadelos - forjada aos pés do herético fundador de seitas chamado Edward Irving. Antes de prosseguir, lembremo-nos de que Satanás é astuto e muito ardiloso em suas armadilhas. Digo isto porque costumamos pensar que uma vez refutada a falta de bases bíblicas- que é a divisão arbitrária das dispensações deste falso ensinamento - e uma vez refutado o absurdo a respeito das múltiplas voltas de Cristo e ressurreições, esta heresia está eliminada. Pensemos no que, comumente, dizem as Escrituras, ao provarmos por elas que:

1) uma só promessa (ou seja, um só plano de redenção em Cristo) para a qual todas as Alianças (ou Testamentos) de Deus apontam [cf. Efésios 2:12] - em lugar da errônea visão Dispensacionalista que propõe vários pequenos sistemas com promessas próprias e dois grandes planos (um para Igreja e um para Israel) com promessas diferentes;

2) um só povo de Deus, pois a Igreja sempre subexistiu oculta em Israel e, uma vez tendo sido revelada, é anunciada como parte da mesma Oliveira à qual tantas profecias do Velho Testamento se referiam e que era tida como símbolo do verdadeiro Israel - porque nem todos de Israel eram verdadeiros Israelitas, e nem todos filhos de Abraão segundo a carne eram filhos de Abraão segundo a promessa [cf. Romanos 9:6-8; 11:17-24; Gálatas 6:16];

3) muita inconsistência nas afirmações dispensacionalistas. Por exemplo, na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, Capítulo 15, versículos 51 a 53, o Apóstolo nos diz que todos seremos transformados ao ressoar da última trombeta. Os dispensacionalistas dizem que esta trombeta é a do “arrebatamento secreto”. Porém, o Evangelho de São Mateus no Capítluo 24, versículo 31, nos fala de outra trombeta que soará durante uma Grande Tribulação em Jerusalém. Para o dispensacionalista, a trombeta de Mateus soará sete anos depois da última trombeta, a qual Paulo se referiu. É obviamente um absurdo que haja uma outra trombeta depois da última.

4) somente uma segunda vinda de Cristo, segundo a Escritura. Este evento pode ser chamado de parousia, epifania ou revelação, o que é claramente compreendido pela comparação dos textos parelelos sobre este acontecimento, e onde podemos notar, pela ordem e descrição, que tratam de um único evento [ cf. Mateus 24:3; 1 Coríntios 15:23; 1 Tessalonicenses 3:13, 4:15,16 e 5:23; 2 Tessalonicenses 2:1,8; Tiago 5:7; 2 Pedro 3:4 e 1 João 2:28]. Há ainda, a afirmação clara do versículo 28 do Capítulo 9 da Epístola aos Hebreus, onde está escrito que Cristo aparecerá uma segunda vez. Não que nosso Senhor aparecerá uma segunda e uma terceira vezes, mas apenas uma segunda vez. Aparição esta que não é em nada secreta, mas com voz de arcanjo e com a trombeta do Senhor, todo olho o verá, sendo esta parousia também chamada de o dia do Senhor, dia tantas vezes citado na Escritura [cf. 2 Tessalonicenses 2:1,2; Apocalipse 1:7, Atos 1:11] o que contraria mais uma invenção dispensacionalista. Igualmente, a Escritura nos fala de só uma ressurreição,de ímpios e justos, exatamente no dia do Senhor [cf. João 6:39-40, 44, 54; 11:24; Mateus 13:30].

Então, todo o fermento dispensacionalista estaria eliminado. Porém, isto não é verdade. O maior estrago que o Dispensacionalismo fez foi também o mais sutil: contaminou a posição escatológica histórica da Igreja com um injustificável fatalismo. O Dispensacionalismo transformou o Reino de Cristo revelado na Nova Aliança que, segundo o profeta Daniel, é como uma rocha que despadaça os outros reinos e cresce, se tornando uma montanha até tomar todo o mundo [cf. Daniel 2:35], em um reles plano B de um deus frustrado em seus planos de transformar Israel em uma potência teocrática mundial. O Dispensacionalismo transformou a esperança Cristã de cumprir a Grande Comissão e de ver uma Igreja como a dos Puritanos – perseguida, porém capaz de transtornar o mundo pela Santidade, Poder e Palavra de Deus - em uma esperança de ser como que repentinamente resgatado de uma igreja derrotada pelo mal. A influência dispensacionalista habituou os homens à acomodação. Ao contrário do que este falso ensino diz, a Escritura nos mostra que o Senhor Jesus já é o Rei dos Reis cujo reino já chegou [cf. Marcos 1:15; Atos 17:7; Apocalipse 1:5], cujos inimigos estão sendo pouco a pouco derrotados e postos por Seu estrado [cf. Atos 2:33-36] e cuja parousia, para a qual devemos estar sempre preparados, não deve ser esperada para logo [cf. Mateus 25:1-9; Lucas 19:13; 2 Pedro 3:1-15] como se a batalha pela manifestação da Glória de Deus na terra não merecesse nossos esforços. Devemos expurgar de nossas mentes as influências do falso ensino e nos aprofundarmos nesta mesma Fé que os Puritanos e Reformadores receberam da Bíblia, pelo Espírito de Deus. Está escrito na Reflexão número 53, do Símbolo de Fé Kalleyano, que: “o Reino de Deus é o domínio da Sua Vontade em todos os setores desta vida, e é promovido pela expansão da Igreja em todo o mundo”; portanto, em humildade e contrição, com orações e súplicas, temos o dever de alargar os limites da nossa esperança no progresso da Igreja, ainda que cientes de que o joio crescerá no meio do trigo no campo do mundo até o fim dos tempos. O já citado grande Teólogo e Puritano congregacional John Owen, (cujas obras foram as primeiras a serem traduzidas pelo Rev. Kalley para o Português, enquanto ele ainda encontrava-se na Ilha da Madeira), disse a respeito da esperança da Igreja, em um de seus sermões: Ainda que a apostasia se mostre ao nosso redor, nossa causa permanecerá tão verdadeira, certa, e infalivelmente vitoriosa, quanto é verdadeiro o trono de Cristo à mão direita de Deus. O Evangelho sempre será vitorioso. Este grande conforto refrigera minha alma.” Este sentimento e certeza, que foram contaminados pelas heresias do último século, precisam retornar à Igreja, precisam retornar à cada um de nós. Porque, se tivéssemos ao menos um vislumbre da Glória futura da Igreja segundo as promessas da Escritura, então um grande conforto e um grande poder para ação habitariam nossas almas, tendo em vista que a certeza de fé inpira a operosidade. A Escritura promete que as fiéis testemunhas conservadas pelo Senhor em meio à apostasia e à perseguição, quando aparentemente derrotados, ressuscitarão dos mortos [cf. Apocalipse 11:3-13]. Necessitamos crer no chamado e eleição dos quais a Igreja é alvo, porque a face do Senhor resplandece sobre nós, e a habitação do Seu Espírito nos dá a certeza da eficácia de quem opera o nosso querer e efetuar. Então, as profecias da Escritura deixariam de ser um jeito de advinhar as notícias do jornal de amanhã e se tornariam uma rica fonte das promessas e conhecimento da Aliança de Deus conosco. Lamentemos, amados irmãos, lamentemos nossa ignorância quanto à Palavra do Senhor, pranteemos nossa falta de fé, nossa negligência e falta de dedicação, arrependamo-nos da mente carnal com que temos lidado com este assunto e do modo como temos nos deixado levar pelas sutilezas de Satanás. Quão pecaminoso é clamar Maranatha – vem, Senhor Jesus! sem, na verdade, dedicarmo-nos a submeter o mundo ao Evangelho, de modo que a Noiva esteja completa e preparada para receber seu Amado. Ah, se o Senhor nos levasse à contínua oração e obediência, e à clamar pelo mesmo conhecimento das promessas da Escritura, os quais aqueles Puritanos do passado tiveram! Ah, se o Espírito de Deus nos fizesse recuperar o senso da proeminência da Glória do Senhor e da preeminência de Cristo em todas as coisas! Então entenderíamos que o Senhor não se deixa escarnecer e que, portanto, nunca desamparará a Igreja - porque Ele ama ao próprio Nome! Quanto precisamos, arrependidos, nos humilharmos e prantearmos por tudo o que a Igreja perdeu! E nos purificarmos de todo erro e impiedade. Só assim veremos o Senhor operar novamente no nosso meio aquela firme Fé dos Puritanos e todo aquele ardor em lutar para encher toda a terra do conhecimento de Deus e na batalha pela Glória do Nome de Deus em todas as nações.