Na última edição, observamos que a Escritura nos dá três sinais principais que precederão a volta de Cristo, e que, portanto, este evento escatológico não é iminente. Os três sinais são:
1) A Evangelização dos Gentios;
2) A Evangelização dos Judeus;
3) A Ira de Satanás.
Foi apresentado, como prova para a não iminência, alguns versículos destacadamente da Segunda Epístola Universal de São Pedro e textos do Discurso Escatológico de Cristo, nos Evangelhos. Iremos, a partir desta edição, deixar que o texto destas porções da Escritura falem por si mesmos e sejam expostos em seus devidos contextos, conforme o Espírito de Deus, que os inspirou, igualmente determinou que fossem entregues aos seus primeiros destinatários na Igreja Primitiva. Esta, conforme o entendimento dos Puritanos e Reformados, é a forma ideal de aprendermos da Escritura e evitarmos que idéias pré-concebidas contaminem nossa leitura do texto. Iniciemos, pois, com a Segunda Epístola Universal de São Pedro.
O Contexto da Carta e o Primeiro Capítulo
Esta epístola foi escrita pelo Santo Apóstolo Pedro, provavelmente não de próprio punho, mas com o auxílio de seus discípulos, já no fim de sua vida [2 Pedro 1:14]. Como tal, a intenção de Pedro é legar à Igreja uma forte arma para exortar-la à prática da piedade e para forte condenação dos falsos mestres [2 Pedro 1:15]. O Apóstolo concentra-se aqui em um tipo especial de falso ensino: aquele que se baseia na Graça e Soberania de Deus para buscar escusa para pecar. Não é, entretanto, esta a única intenção da carta. Mas, provavelmente pela insistência destes hereges, São Pedro combate repetidamente estes libertinos, exaltando a completude do dom de Deus para Salvação – os eleitos do Senhor, quando chamados pela pregação do Evangelho, confirmam a veracidade de sua eleição Eterna através da diligente obediência a Cristo [2 Pedro 1:10]. Com isto o Apóstolo demonstra que os hipócritas, cuja profissão de fé é falsa e superficial, enfrentarão a mais terrível ira de Deus.
O Apóstolo expande a visão deste conflito entre os falsos mestres ímpios e os santos de Deus, eleitos e chamados, demonstrando a crescente intrusão das Eternas Perfeições de Deus na pecaminosa realidade temporal humana e, centralizado na Redenção em Cristo, São Pedro descreve este agir de Deus na História.
A certeza do Evangelho é confirmada, segundo o Apóstolo, por esta constante ação de Deus sobre o mundo. Primeiro, na comprovação da promessa da Velha Aliança por Cristo, através do testemunho da Glória revelada nEle no Monte da Transfiguração [2 Pedro 1:17], depois, na Palavra da Escritura que eternamente testemunha a revelação de Cristo – sendo, portanto, a mais completa, perfeita e derradeira Profecia [2 Pedro 1:19]. A Escritura, portanto, confirma o testemunho dos Apóstolos e permanece na Igreja após a morte deles [2 Pedro 1:14] como firme fundamento para a esperança que São Pedro anuncia ser a base do impulso Cristão de negação do mundo – a esperança da volta de Cristo - vividamente representada na transfiguração que o Apóstolo testemunhara e da qual a Escritura testemunhará perpetuamente. Além disto, a suficiência e perfeição da Escritura, bem como o anúncio da Eterna Glória dado no Monte da Transfiguração, apontam para a presente realidade da Igreja, onde Cristo já habita em Glória, e onde Sua futura parousia já é vivida [1 Pedro 1:3,4].
Os destinatários originais desta Epístola escrita pelo Apóstolo da Circuncisão [Gálatas 2:8] são os Cristãos Judeus na dispersão [1 Pedro 1:1]. São chamados, no prefácio da Primeira Epístola, de estrangeiros, pois verdadeiramente o são, uma vez não estão na própria terra. Com isto, o Apóstolo intenta também fazê-los recordar o estado de todos os Cristãos – estrangeiros nesta vida, peregrinando rumo à Jerusalém Celestial. O fato da presente ordem ser temporária é usado como ponto de partida para incentivar o dever de meditar-se e desejar-se aquilo que é Eterno e de desapegar-se daquilo que é temporal e corrupto [1 Pedro 1:14;2:5;3:7-17]. É nisto que os Cristãos Judeus deviam se apoiar para suportar as perseguições e tentações às quais eles estavam constante e excesivamente expostos. É importante compreender a situação destes Cristãos Judeus, que enfrentavam, em crescente grau:
1) a perseguição por parte do Império Romano, por serem Cristãos;
2) a perseguição por parte dos seus próprios parentes e dos poderes políticos judaicos por terem “desertado” da nacionalismo religioso dos Judeus;
3) as tentações das seitas judaizantes que, fingindo-se discípulos do Apóstolo Pedro, diziam oferecer a reconciliação entre os Judeus e o Cristianismo (quanto a doutrina que pregavam, era a heresia de que os sacramentos do Velho Testamento e as superstições judaicas eram parte do Evangelho);
4) as tentações das seitas libertinas que, fingindo-se discípulos do Apóstolos Paulo, diziam oferecer a reconciliação entre os costumes gentios e o Cristianismo (pregando a heresia de que, como a Salvação é pela Soberana Graça de Deus, o homem salvo poderia ser indulgente e cometer diversos pecados sem, com isto, ofender ao Senhor).
Assim, este era um tempo trabalhoso para estes Cristãos, de tão maior tribulação quanto a que podemos imaginar.
O Capítulo Três
A completude do dom de Deus em Cristo, na perfeição da Escritura e na Santificação do Crente (conforme anunciado no Capítulo Um) é aplicado, no Capítulo Dois, para explicar que os falsos mestres nunca foram verdadeiramente Cristãos e, como a natureza deles jamais foi mudada, seus pecados os escravizavam ainda agora [2 Pedro 2:22]. A habitação do pecado nos falsos mestres, trará sobre eles o salário do pecado, que é a morte [Romanos 6:23], com repentina destruição, da mesma maneira como Deus já fizera com os falsos profetas e os anjos caídos. Então, a carta atinge o clímax ao tocar a realidade escatológica no Capítulo Três. Nos primeiros versículos deste capítulo, o Santo Apóstolo Pedro novamente exalta a necessidade de se ter uma impressão mental vívida das palavras da Escritura. Ele novamente evoca os Profetas e os Apóstolos e faz referência aos Evangelhos [2 Pedro 3:2] evidenciando, claramente, o conjunto do Cânon da Escritura que, então, Deus estava providencialmente completando para a fundação de Sua Igreja.
Admiremos e imitemos a alta estima que o Espírito inspira São Pedro a expressar acerca da Palavra de Deus! Ela é exaltada sobre o extinto ofício de profeta [cf. 2 Pedro 1:1,19;3:2]; ela é honrada como fiel ensino dos Apóstolos; ela é a portadora das Palavras de Cristo Jesus; ela é o único guia a se recorrer para que a fidelidade da promessa do Senhor seja preservada quando o falso ensino ataca a congregação. Enquanto o bom servo de Cristo recorre às Escrituras, os malditos e escarnecedores recorrem aos seus próprios desejos [cf. 2 Pedro 3:3]. Esta evocação à toda a Escritura feita no Versículo Dois do presente capítulo, evocação do Velho e Novo Testamentos em conjunto, mostra também o cuidado de Pedro ao se aproximar de um tema complexo. É como se ele estivesse dizendo: Perseverai nestas coisas com vigilância e oração, pois são coisas difíceis de entender, para as quais devemos ter o conhecimento da Escritura e a sabedoria que o Espírito de Deus pode nos conceder. Tirai a sandalha de vossos pés, humilhai-vos em vosso espírito e não torçais o que Palavra nos diz. Ao assim procederem, podereis resistir ante as mentiras dos falsos mestres que perturbam a paz em vosso meio.
Temos, antes de prosseguir, de ter cuidadosa atenção (conforme recomendada pelo amado Apóstolo) e de compreender duas questões que nos darão a chave para a última porção deste Capítulo, onde somos instruídos quanto aos temas que temos abordado neste periódico:
1) O que são os últimos dias, referidos no Versículo Três?
2) A quem se refere a citação feita de escarnecedores com o seus escárnios?
Passemos, então, a analisar estas duas questões:
Os Últimos Dias
Na Primeira Epístola Universal de São Pedro, Capítulo Um, Versículo Vinte, podemos ler a seguinte afirmação: “[o sangue de Cristo], conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”. Podemos entender, portanto, que Cristo foi manifestado ao mundo no fim dos tempos. O Santo Apóstolo Pedro nos confirma que é exatamente este o seu pensamento, quando, na ocasião do Pentecostes, cita a profecia do Livro de Joel, aplicando-a ao Pentecostes, profecia esta que diz: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne” [Atos 2:17]. Portanto, para São Pedro, a manifestação de Cristo define o que são os últimos dias e o fim dos tempos. Como pode a manifestação de Cristo ser um sinal dos últimos dias? Exatamente porque o que se tem em vista nesta expressão, usualmente, é que os últimos dias são um julgamento que Deus perpetra. Podemos perceber isto no contexto do Capítulo Dois do Livro do Profeta Joel, onde o derramar do Espírito é seguido por sangue, fogo e colunas de fumaça e pelo sol se convertendo em trevas, e a lua, em sangue ao que se seguirá o grande e terrível Dia do SENHOR [Joel 2:30,31]. Por isto, em outras partes, o período dos últimos dias também é chamado o fim ou a consumação dos séculos [1 Coríntios 10:11, Hebreus 9:26] e é usado em oposição aos dias da Velha Aliança, como exortação para que os Cristãos percebam que aquela época em que eles viviam eram os últimos dias [1 João 2:18; Judas 18; 1 Coríntios 10:11]. Por isso nos é dito no Evangelho:“E, por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito a meu filho” [Mateus 21:37]. Deus enviou por último, nos últimos dias, Seu próprio Filho, como última chance de redenção aos maus lavradores de Sua vinha [Mateus 21:33]. Porém, eles O mataram. “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Dizem-lhe eles: Dará afrontosa morte aos maus, e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo Lhe dêem os frutos” [Mateus 21:40,41]. Assim Deus executou um julgamento sobre Jerusalém, pondo fim aos dias da Velha Aliança e entregando a vinha a lavradores que Lhe dêem os frutos. Portanto, o julgamento sobre Jerusalém é também o fim dos dias do paganismo, pois todas as nações da terra são agora a vinha do Senhor, todas as nações são chamadas no Evangelho para serem lavradores da vinha [Isaías 2:2]. É este mesmo o fim do tempo
Desdobramentos desta compreensão
Ao olharmos para o aspecto realizado da escatologia, conforme começamos a evidenciar no contexto da Segunda Epístola de São Pedro, então o propósito de Deus na História se torna mais claro para nós, assim como a verdadeira natureza da Igreja. Nosso Senhor e Salvador Cristo Jesus deixou a Glória inefável dos ceús e suportou a humilhação na terra, Ele sofreu as dores que eram nossas e morreu na Cruz pelos nossos pecados [Filipenses 1:5-8; Isaías 53:5-7]; e o SENHOR se agradou de moê-lO pois a vontade do SENHOR prosperará nas Suas mãos [Isaías 53:10] – este Sacrifício único e inigualável, o sangue Santo do Filho de Deus, como só Ele é digno, venceu o poder do reino das trevas. A hora do julgamento deste mundo e da expulsão do seu príncipe [cf. João 12:31] se fez presente no advento de Cristo e agora, pela Cruz, Ele atrairá todos os povos para Si [cf. João 12:32; Gênesis 49:10]. Nosso Senhor completou o penoso trabalho de Sua alma, para justificar a muitos com o Seu conhecimento [Isaías 53:11] e, de então até o final da História, todas as coisas cooperarão para a Glória dEle, para provê-lO daquilo que Ele comprou com Seu Sangue, a saber: a Sua Igreja [cf. Atos 20:28; 1 Coríntios 6:20]. A cada novo ato da justiça Divina, mais e mais glória é dada ao Senhor: tanto mais glória Ele recebeu quando Jerusalém foi julgada pelo sangue dos profetas; tanto mais glória Ele recebeu quando o Império Romano foi julgado pelo sangue dos mártires; tanto mais glória Ele recebeu quando a Igreja Romana foi abalada pela Reforma Protestante, e quanto mais glória Ele receberá quando Sua Igreja, segundo o Espírito deseja e opera, conquistar-Lhe homens de toda raça, tribo, povo e nação! Povo de Deus, atentai para o que somos, atentai para o que Cristo comprou para Si, atentai para o infinitamente alto preço que pagou! Vivamos conforme a veracidade de nosso chamado, conforme a eleição de que fomos alvo, glorificando ao Senhor diligentemente com o testemunho de nosso amor pelo Evangelho, para que todos os povos da terra conheçam que a mão do SENHOR é forte [Josué 4:24] e que a Cristo Jesus, nosso Senhor, já foi dado todo o poder e autoridade no céu e na terra, para fazer discípulos de todas as nações! [cf. Mateus 28:18].
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