Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 5



Na última edição, iniciamos nosso estudo da Segunda Epístola Universal de São Pedro, pela qual vimos, dentre outras questões, que a expressão últimos dias, na Escritura, refere-se a tempos de julgamento quando Deus desfere um poderoso golpe na ordem corrupta e pecaminosa então presente, e revela a Glória de Seu Filho de forma cada vez mais clara. Quanto aos contextos examinados, os últimos dias são uma referência ao evento escatológico mais importante de toda a História, os dias da encarnação, morte e ressurreição de Cristo e do estabelecimento de Sua Igreja. De certa forma todos os julgamentos contra as nações ímpias são uma sombra deste julgamento, da mesma forma como todas as libertações que o povo de Deus recebe são uma sombra da liberdade conquistada na Cruz. Isto não significa que cada texto da Escritura tenha mais de um sentido verdadeiro (o que seria uma violação da hermenêutica, ou seja da regra de interpretação bíblica, explicada na Edição 17), mas que, muitas vezes (especialmente nas profecias) o Espírito Santo inspira o escritor a usar elementos verdadeiros da cultura e história próximas ao seu tempo para falar sobre um evento futuro que não poderia ser plenamente compreendido nem pelo próprio profeta [cf. 1 Pedro 1:12]. Esta linguagem e perspectiva profética nos ensina que Deus age de maneira ordenada sobre Sua Criação, regendo a História de uma forma regular e compreensível – e nisto há grande consolo para todos os Filhos Seus, pois é através desta filosofia da história bíblica que compreendemos que não importam quão negras as trevas da impiedade pareçam, nem quão atrozes e enganadores sejam os anticristos a atacar a Igreja - o Senhor permanece para sempre sobre o trono e o dia da vingança não tarda a vir sobre os ímpios. É por este motivo que o fim da História no Segundo Advento de nosso Senhor é profeticamente próximo e, muitas vezes, até sobreposto ao Primeiro Advento nas profecias do Velho e do Novo Testamentos.

Prosseguiremos agora com a parte do estudo que outrora realizávamos.

E nos Últimos Dias virão escarnecedores...

Como foi comentado na abertura desta edição, há um paralelo notável entre as diversas profecias que falam do Primeiro e do Segundo Adventos de nosso Senhor. Encontramos este paralelo, por exemplo, dentro da seção da Segunda Epístola de São Pedro e dentro do Discurso Escatológico de nosso Senhor Cristo Jesus nos Evangelhos. Tanto a Epístola de São Pedro, quanto o Discurso Escatológico, tratam dos mesmos temas, usam as mesmas figuras e profetizam os mesmos eventos (as conseqüências da Primeira e da Segunda Vindas). Infelizmente, muita confusão foi lançada sobre a interpretação do Discurso Escatológico, e, por isto, na Edição 22 iremos analisá-lo em seus pormenores dentro de uma Harmonia dos Evangelhos que será aqui apresentada. Parte desta confusão é devida à disseminação de intérpretes futuristas e dispensacionalistas, que consideram os textos contidos no Evangelho de São Mateus, Capítulo vinte e quatro; no Evangelho de São Lucas, Capítulo vinte e um; e no Evangelho de São Marcos, Capítulo treze como referindo-se apenas a eventos futuros. No entanto, quando olhamos para a História da Igreja, desde São Policarpo no século I até João Calvino e John Owen nos séculos XVI e XVII, vemos que a posição destes homens era outra. Estes textos escatológicos eram vistos como, em parte falando especificamente da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., (o que para nós é passado), e, em parte, falando especificamente da volta de Cristo (um evento futuro). Há, no entanto, certa controvérsia quanto a quais partes dizem respeito especificamente a quais eventos, ainda que haja concordância quanto ao fato de que mesmo as partes passadas são valorosas para nós quanto ao conhecimento da Providência de Deus e de Seu cuidado, e como instrução para Cristãos que enfrentem situações semelhates. É importante, contudo, ter-se cuidado ao extrair os ideais e aplicações destes textos - relembrem-se sempre daquelas pequenas regras da Edição 17 para evitar ler no texto algo que seu autor original jamais intencionou.

Prosseguindo a exposição destes textos, notemos as palavras, simples e diretas, de nosso Mestre no Evangelho de São Mateus: e esta geração não passará até que se cumpram todas estas coisas [cf. Mateus 24:34]. Aquela presente geração, os homens vivos daquela época, presenciariam “todas estas coisas” - o fim dos tempos da Velha Aliança, a destruição terrível que caiu sobre Jerusalém, o nascimento da Igreja e a ascensão de Cristo. É para seus discípulos que Cristo faz o discurso no Monte das Oliveiras e é também para eles que nosso Senhor adverte:

Acautelai-vos, que ninguém vos engane; Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos... Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.... Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que estiverem no meio da cidade, saiam; e os que estão nos campos não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. Mas ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias! Porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem... Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.” [Mateus 24:4-5,24; Lucas 21:20-24]

Portanto, como se pode claramente notar, tanto o cerco de Jerusalém, quanto a fuga para os montes, bem como os falsos cristos e falsos profetas, são sinais para aquela geração. Conquanto não possamos agora examiná-los aqui (espero fazê-lo, como disse, ao terminar a exposição da Epístola de São Pedro) isto já é o bastante para compreendermos a referência e o modo de interpretar o que o Apóstolo Pedro escreveu pois, igualmente, o foco principal de seu texto é o julgamento de Jerusalém e os falsos cristos e falsos profetas que serão abundantes nesta época – enganados por estes falsos mestres e enganadores com eles, frios em seu amor pela Palavra, ali estão os escarnecedores que perturbam os Cristãos Judeus da dispersão, conforme preditos por Cristo Jesus.

Os textos do Antigo Testamento

Como já citei, esta presente exposição está longe de ser uma novidade teológica, ao passo que é filha dos trabalhos dos primeiros reformadores e de grandes Puritanos como o já citado John Owen. Faremos agora como estes homens (que eram profundamente conhecedores da Escritura e possuíam uma acurada capacidade de interpretá-la e explicá-la) nos ensinaram a fazer, e uma vez mais, buscaremos que a própria Escritura fale sobre seus textos mais difíceis através dos seus textos mais claros. Como há um paralelo entre o Discurso Escatológico e o texto de São Pedro, há também uma continuidade entre as profecias messiânicas do Velho Testamento e estes textos proféticos do Novo. Invariavelmente, quando um autor neotestamentário fala de algum aspecto do Reino Messiânico ainda não plenamente apreendido pelos seus leitores, ele o faz usando um texto do Velho Testamento. Quanto a nossa busca por identificar os escarnecedores citados na Segunda Epístola de São Pedro, ele nos diz que devem ser identificados tanto no ensino de Cristo Jesus quanto nos profetas [2 Pedro 3:2]. Há uma referência no livro do Profeta Isaías que é citada no Novo Testamento duas vezes pelo Apóstolo Pedro [Atos 4:11; 1 Pedro 2:6] e que avisa sobre a existência de notáveis escanecedores no Tempo do Fim. É o Capítulo 28 do livro do referido profeta Isaías, onde podemos ler nos versículos 14 até 16 que homens escarnecedores dominariam sobre o povo que está em Jerusalém no tempo em que Deus enviaria uma pedra preciosa, angular, na qual tropeçariam e pela qual seriam derrubados. Estes escarnecedores pregariam a mentira [Isaías 28:15] e escravizariam os judeus com preceitos sobre preceitos [Isaías 28:13]. Eles seriam advertidos (conforme ocorreu do tempo do Pentecostes até a execução do Juízo na destruição de Jerusalém) por línguas estranhas [Isaías 28:11], mas mesmo assim não temeriam e se considerariam seguros, pensando que a ira de Deus anunciada por Cristo não viria sobre eles [Isaías 28:15]. A admoestação final deste trecho de Isaías é uma base clara da profecia de São Pedro: Agora, pois, não mais escarneçais, para que os vossos grilhões não se façam mair fortes; porque já do Senhor, o SENHOR dos Exércitos, ouvi falar de uma destruição, e esta já está determinada sobre toda a terra [Isaías 28:22]. No início desta edição foi explicado como os profetas usualmente falam de algo que é verdadeiro sobre seu tempo ou sobre um tempo próximo do seu quando, porém, o Espírito lhes revela algo de um tempo ainda bastante distante. Chamamos isto de tipo, uma prefiguração de um evento cósmico vindouro na História da Redenção. Esta profecia do Livro de Isaías é um excelente exemplo disto: o que é dito aqui é verdadeiro a respeito do ataque dos Assírios à Israel, que ocorreria em 740 a.C., porém, como vemos a partir do uso que os Apóstolos fazem do texto [cf. 1 Coríntios 3:11;14:21-22; Romanos 9:33;10:11; Efésios 2:20; 1 Pedro 2:4-8] o que está sendo especificamente profetizado aqui é a Vinda do Cristo Jesus, o conseqüente juízo contra a escarnecedora Israel Apóstata e a revelação da Israel Espiritual na Igreja Neotestamentária através da Nova Aliança. Exatamente o mesmo tema que o Apóstolo Pedro trata em sua Segunda Epístola. Até mesmo a linguagem é semelhante: veja que o profeta Isaías prediz a destruição que virá sobre toda a terra. O Apóstolo igualmente fala de uma destruição vinda sobre toda a terra. Em nenhum dos dois casos a referência específica é o mundo inteiro, mas sim toda a terra de Jerusalém. Isto fica óbvio se olhamos para o tipo realizado da profecia – o exército Assírio não destruiu a criação inteira, mas somente a Terra de Israel. O próprio Apóstolo dá mais uma evidência disto quando, sobre o dilúvio, diz: pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água [2 Pedro 3:6]. Sabemos que não foi a criação inteira que pereceu no dilúvio, mas somente a geração má e adúltera que recusou a pregação de Noé, pregação esta que o Apóstolo considerou ser ação do próprio Cristo, em Espírito [1 Pedro 3:19-20] .

Sejamos nisto admoestados para que ouçamos ao Senhor que nos fala e nos chama a obedecê-lO. Se grande foi a Sua Ira contra o povo da época de Noé, e grande foi a Sua Ira contra o povo de Israel, porque recusaram a ouvir quem, divinamente, os advertia – muito menos nós, sobre quem veio tão grande Graça e tão maravilhosa e clara Revelação em Cristo Jesus, devemos nos desviar dAquele que, pela Escritura, desde os céus nos adverte [cf. Hebreus 12:25]. Temamos e tremamos ante o poder de Deus e ante o Seu chamado que temos recebido, para sermos Santos e Irrepreensíveis nEle, em Amor.

0 comentários: