Estivemos observando, nas Edições passadas, a maneira como o Dia do Senhor, anúncios de grande destruição e da chegada dos últimos dias estão conectados nas profecias do Velho Testamento e são aplicadas pelos autores inspirados do Novo Testamento em relação aos seus próprios dias [Joel 2:1; Atos 2:17; Deuteronômio 32:22; Hebreus 12:26; Isaías 65:17; Isaías 66:21,22; 2 Pedro 3:13]. Observamos também que o cumprimento especifico destas profecias se deu nos dias dos Apóstolos, mas que as conseqüências dos maravilhosos eventos daqueles dias não foram ainda totalmente manifestas. É como quando uma grande bomba explode: primeiro a luz é percebida, então o impacto da massa de ar deslocada é sentido, depois o calor e a energia em si atinge os arredores e, por último, após o assentar da poeira, pode-se perceber qual foi a conseqüência daquele ataque. Nosso Senhor ao adentrar a História (ainda sendo Eterno); ao nascer (permanecendo sem começo); ao sofrer (mesmo Todo-Poderoso); ao morrer (contudo sustentando tudo o que vive); ao ressuscitar em Glória (contudo habitando sempre em Glória inefável) e ao enviar Seu Espírito Santo (para chamar para si pecadores) - nosso Senhor, ao assim revelar-se (no seu Ser Incompreensível) causou um impacto tão poderoso na Criação que toda a história da Igreja até hoje não foi mais do que o vislumbrar da luz e o sentir dos primeiros impactos da explosão. Ainda havemos de esperar que todo o efeito da primeira Vinda de Cristo seja visível para que, no abaixar da poeira, contemplemos plenamente o que já foi feito e já nos foi dado nEle.
E é neste ponto que retomamos nossa exposição da Segunda Epístola Universal de São Pedro.
De volta ao Capítulo três da Segunda Epístola de São Pedro
No início da Edição 19, vimos que os Cristãos Judeus enfrentavam muitas e árduas dificuldades. Dois dos quatro pontos que listei tinham uma origem em comum, e os outros dois tinham um pilar em comum. Ocorre que esta origem e este pilar eram, na verdade, uma mesma causa: o Judaismo anti-Cristão (as seitas dos judaizantes e dos libertinos - dentre os quais havia tanto herodianos, quanto helenistas diversos e, até mesmo, um grupo de zelotes - além dos seus próprios parentes, fariseus, saduceus e de outras seitas judaicas, em conjunto com as forças políticas de Jerusalém pressionavam os Cristãos Judeus para que estes deixassem a Cristo e voltassem a religião tradicional da sua etnia). Sim, por mais estranho que possa parecer para nós, os libertinos e até mesmo os guerrilheiros eram bem tolerados entre a nação de Israel, enquanto os Cristãos sofriam todo tipo de sanção e vexame, principalmente por parte dos poderes farisaicos e herodianos. Na Epístola aos Hebreus vemos esta perseguição, estas sanções e todas as alegações dos Judeus: eles acusavam os Cristãos de não terem templo, de não terem sacerdócio, de não terem nação. Em face a todos estes enfrentamentos os Cristãos advertiam - conforme a própria Epístola aos Hebreus anuncia - que Cristo Jesus iria tomar vingança e dar a paga a iniquidade de Israel, assim como Ele voltaria para tornar visível a Sua Glória em todo o mundo e dar fim à História [Hebreus 6:1-12;10:25-39;9:28]. Esta é a origem da zombaria de que nos fala o Apóstolo Pedro. Os Judeus - libertinos, judaizantes, zelotes, fariseus e herodianos - que governavam a religião e o Estado na Judéia, desafiavam os Cristãos dizendo que a vingança sobre Jerusalém e a volta de Cristo eram apenas fábulas, e que Cristo, portanto, não era Salvador suficiente para suas almas; note que a insistência do Santo Apóstolo a respeito de relembrar as Palavras de Cristo e dos Profetas se justifica também nisto: que o conhecimento do Discurso Escatológico de Cristo e das Profecias veterotestamentárias nas quais ele estava baseado era necessário para desfazer esta confusão entre a expectativa de um reino visível de um messias político e o reino invisível do Messias espiritual. Os escarnecedores diziam: já passou muito tempo e estamos no ano 68; os primeiros Cristãos, os pais desta seita, já morreram e o Judaismo tem progredido, o Templo continua de pé, pedra sobre pedra, e seu Cristo não voltou para reinar! Tudo permanece como desde o início da Criação, e as nações continuam na sua impiedade! Onde está o reino do Messias, onde está o cumprimento das Profecias? [2 Pedro 3:4] O Santo Apóstolo porém, nos ensina que este escárnio é fruto do amor pelas trevas que jaz no coração dos ímpios e que os faz forçosamente ignorar o Poder e a Soberania do Deus Todo-Poderoso, que pela Palavra, que é Cristo, criou os céus e a terra, assim como os fez perecer [2 Pedro 3:5,6]. O Senhor os advertiu pela pregação de Noé, mas os ímpios de seu tempo amaram os pecados e a terra em que viviam, recusando-se a deixar tudo e adentrar, pela Fé, à arca. Esta mesma obstinação e ignorância repousava agora sobre Jerusalém, onde o pecado estava sendo abundante, mas a expectação do Dia do Juízo que estava por vir [2 Pedro 2:9], ausente. Atentemos mais uma vez para o modo como o Apóstolo emprega suas palavras: há um contraste entre o céu e a terra ... daquele tempo (o tempo de Noé) [2 Pedro 3:5,6] e os céus que agora existem [2 Pedro 2:7]. Sabemos que não houve destruição ou mudança nos elementos constitutivos do céu ou da terra por causa do Dilúvio (não algo que possa ser comparado com a mudança que imaginamos ser causada pelo fogo [2 Pedro 3:7] com a qual efetivamente é comparada por São Pedro). O motivo de tal coisa é que aqui não está em vista a destruição da matéria do céu ou da terra, mas um julgamento de Deus para destruição dos homens ímpios e para fazer calar os judeus inconversos [2 Pedro 3:7], como se fora mais um Dia do Juízo tal houve sobre Sodoma e Gomorra, e de maneira semelhante à destruição da ordem social e religiosa, corrupta, libertina, hipócrita, que zombava da pregação de Noé [2 Pedro 2:9;3:7] . Um grande e único Juízo viria sobre Jerusalém, um evento de grande importância na História da Redenção, a saber, a retribuição de Deus sobre o povo que mata os profetas e apedreja os que o Senhor lhe enviara [Mateus 23:37], Jerusalém corrupta que espiritualmente se chama Sodoma e Egito [Apocalipse 11:8].
O Senhor não retarda a Sua promessa
Há aqui uma pausa no desenvolvimento do raciocínio do Apóstolo. Uma lição sobre a maneira como Deus rege seus julgamentos deve ser dada antes que ele prossiga. O intuito desta lição é prevenir os leitores da soberba; pois a soberba, como terrível mal da alma, pode tomar ocasião da bondade de Deus para fazê-los pecar. O pecado é excessivamente maligno e constantemente nos tenta a torcer as Escrituras para glorificar os ídolos do Velho Homem. Por isso, antes de prosseguir, o Santo Apóstolo exalta a Soberana Graça de Deus e humilha o homem, golpeando a nossa maligna natureza, ao explicitar que:
1) O Deus Eterno é sobre e além do tempo, pois para Ele tanto 1000 anos são como 1 dia, quanto 1 dia é como 1000 anos [2 Pedro 3:8];
2) Não há limite para a realização daquilo que Deus anunciou; nada O impede de fazer cumprir aquilo que Ele mesmo determinou em Sua Palavra [2 Pedro 3:9] ;
3) Somente a longanimidade de Deus pela qual Ele mesmoo decretou a Salvação de muitos homens em toda o mundo e aguarda até que este número se complete, é a causa de que a Ira dEle não recaia, de imediato, sobre a humanidade e de que toda a História seja, desde já, encerrada [2 Pedro 3:9].
Somente então, após esta exaltação da Majestade e Benignidade do Altíssimo, que São Pedro volta ao assunto que desenvolvia. Seu aviso principal chegou: O Dia do Senhor virá como um ladrão para fazer passar a terra e as suas obras. O Dia do Senhor, que profeticamente é um sinônimo de últimos dias (como vemos em Atos 2:17 onde São Pedro chama de últimos dias o que o Profeta Joel, na passagem citada do Velho Testamento, chamou de Dia do SENHOR [Joel 2:1]). Neste tempo de Juízo e Restauração, neste evento onde a Glória de Cristo seria trazida mais claramente ao mundo do que em todos os o tempos anteriores, o Apóstolo nos diz que, assim como ocorreu com o Dilúvio, os céus passarão [2 Pedro 3:10]. Os rudimentos do mundo (em algumas traduções aparece a palavra elementos – a palavra grega original é stoicheia e sua tradução comum nos outros versículos onde aparece é rudimentos), são a forma de religião externa e supersiciosa judaica [cf. Gálatas 4:3; Colossenses 2:20; Hebreus 5:12;6:1;9:14], e esta mesma forma será desfeita em brasas e derretida [2 Pedro 3:10;12], caracterizando com detalhes uma profecia a respeito de como Jerusalém, e mais especificamente o Templo, seriam destruidos no ano de 70 d.C.
Novos céus e nova terra, nos quais habita a Justiça
Santo Apóstolo, encerrando esta profecia cita, mais uma vez o Profeta Isaías, o qual anunciara o advento de um novo céu e uma nova terra [Isaías 65:17;66:22]. É muito comum ouvirmos que este termo se refere somente à eternidade ou que que se refere a um suposto milênio de paz. (A teoria do milênio é absurda demais para sequer ser refutada novamente - já o fizemos indiretamente nas Edições 16 e 17, e constantemente este assunto é tratado com detalhes nos estudos do Pequeno Catecismo Congregacional Kalleyano. Ademais, desde o século V o milenarismo foi condenado como superstição judaica. Portanto, vamos tratar diretamente do texto da profecia, sem nos determos na heresia milenarista.) Tanto a eternidade quanto o milênio dispenscionalista, são comumente situados como eventos que ocorrem após a ressurreição dos mortos. Vejamos, portanto, se as palavras de Isaías poderiam ser aplicadas ao tempo pós-ressurreição: nestes novo céu e nova terra, diz o Profeta Isaías, morrer aos cem anos será morrer ainda cedo [Isaías 65:20]; casas serão edificadas e vinhas plantadas [Isaías 65:21]; não se trabalhará debalde nem se terá filhos para a calamidade [Isaías 65:23]; o lobo e o cordeiro pastarão juntos e o leão comerá palha como o boi [Isaías 65:25]. Ora, estas coisas não são possíveis na eternidade, após a ressurreição, pois lá não haverá lobos, nem cordeiros, nem leões, nem se terá filhos na eternidade, muito menos se morrerá na eternidade. Nem podem estas coisas serem tidas como tipos da eternidade, pois nada há que as traduza no texto – o que é um perigoso pretexto para toda sorte de alegorização. Mas será que o texto nos conduz a uma compreensão mais plena? Vejamos o que mais o Profeta nos diz sobre estes novos céus e nova terra: todas as nações e línguas serão ajuntados para servir ao Senhor e pregar o Evangelho [Isaías 66:19], de Társis, Pul, Lude, Tubal e Javã até as terras do mar mais remotas [Isaías 66:20], de todas as nações serão feitos sacerdotes e levitas [Isaías 66:21]. Agora temos expressões mais claras do que as do capítulo anterior, e que, igualmente não podem estar falando do tempo da eternidade. Vemos agora, contudo, que também não é possível tratar-se de qualquer outro tempo pós-ressurreição, pois após a ressurreição não poderia haver alguém que jamais ouviu falar do Senhor [Isaías 66:19]. Veja que exatamente os versículos de 19 até 21 são a chave para compreender os novos céus e a nova terra - o que está ali anunciado é claramente uma referência ao Reino de Cristo. Reino este que desponta, como os primeiros sinais do sol ainda pela madrugada, muito fraco e discreto, no nascimento de nosso Senhor; se torna um pouco mais visível em Sua pregação e ainda mais visível na Crucificação e mais na Ressurreição; mais ainda na Ascensão e na descida do Santo Espírito e, por fim, na destruição de Jerusalém, na completude do Cânon da Escritura e na disseminação do Evangelho em todo mundo pela Igreja uma vez já firmemente fundada. Este é o novo céu e a nova terra que São Pedro e os Cristãos a quem escreve esperavam para depois do julgamento dos ímpios – uma nova Criação, a Redenção do Universo adquirida por Cristo na Eternidade e consumada em seu primeiro Advento, Redenção que pouco a pouco penetra o Tempo e restaura o Universo decaído através da manifestação de Cristo em nós [cf. 2 Coríntios 5:17; 1 Coríntios 15:45; Efésios 2:10; Romanos 8:18-25].
Quão admiráveis são os desígnios do Senhor, que nos ressuscitou pela Fé [Colossenses 2:12] e oculta nossa vida nEle, à direta de Deus Pai [Colossenses 3:1-4]. Em Cristo, Deus reconciliou consigo todas as coisas, quer sobre o céu, quer sobre a terra [Colossenses 1:17-20] pelo Sangue derramado na Cruz, para reunir nEle um povo santo e irrepreensível [Colossenses 1:22], uma nova humanidade para glória do nosso Redentor [Gênesis 12:3; Zacarias 9:9-10; Efésios 3:5-6]. Façamos, pois, morrer a nossa velha natureza, e nos apresentemos em conformidade com tão maravilhosa Graça - a de sermos feitos Nova Criação em Cristo Jesus. Estejamos firmes na Palavra da Verdade, o Evangelho da nosso Salvação, edificados e confirmados na Fé e vivamos de modo digno do Senhor e para inteiro agrado do nosso Amado.
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