Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 7

Na última edição vimos que São Pedro nos ensina que nos últimos dias, ou seja, no tempo de estabelecimento do Reino de Cristo, os céus e a terra antigos seriam substituídos por novos céus e nova terra e os rudimentos do mundo seriam derretidos – o que significava dizer que a ordem religiosa e política Judaica seria substituída pelo vero Reino de Deus e que o tempo da Velha Aliança havia chegado ao fim. A base desta afirmativa do Apóstolo está no Livro do Profeta Isaías, Capítulo 65, o qual também é citado em outras partes do Novo Testamento com igual objetivo e contexto. Interessantemente, podemos notar que assim como ocorreu com o Capítulo 28 do Livro de Isaías, a profecia dos Capítulos 65 e 66 também possui uma série de tipos e sombras em seu cumprimento: tanto ela corretamente predisse o retorno de Isreael a sua própria terra após seu cativeiro (o que é um tipo do Evangelho), quanto ela prediz especificamente as bênçãos da Igreja do Novo Testamento desde sua fundação até o dia do Juízo Final. Os céus e a terra se foram, mas o Evangelho de Cristo jamais desvanecerá, nEle as velhas coisas passaram e tudo se fez novo [2 Coríntios 5:17], novos céus e nova terra onde habita a justiça. Em Cristo Deus recriou os céus reconciliando consigo homens que haviam sido destruidos pela rebelião do pecado, por estes homens Deus reconcilia consigo a terra e diz: o mundo, a morte, a vida, as coisas presentes e as futuras, tudo é vosso e vós, de Cristo – eis que faço novas todas as coisas [1 Coríntios 3:22,23; Apocalipse 21:5]. Em Cristo, na nova Criação, o lobo e o cordeiro se alimentam juntos [Isaías 65:25], enquanto os inimigos de Israel somente podiam ser detidos pela força, os ímpios e mesmo os inimigos da Igreja convivem com os Santos fazendo-lhes oposição mas sem lhes desejar a destruição – qual é aquele que vos fará mal, se fordes zelosos do bem? [1 Pedro 3:13]; e os Santos de Deus não precisam destruí-los, antes zelam pelo bem deles - se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça [Romanos 12:20]. Na nova Criação, o leão comerá palha como boi, o homem mal será regenerado e sua natureza modificada de tal forma que é como se um leão deixasse sua natureza de predador para se tornar um animal do campo, e até mesmo o mais terrível leão, Satanás [1 Pedro 5:8], foi acorrentado, limitado em sua antiga ferocidade [Apocalipse 12:9,20:1-3; Mateus 12:29; João 12:32; Colossenses 2:15]; e entregue a sua antiga condenação – pó será a comida da serpente. Esta é a presente realidade da Igreja de Cristo, este é o novo céu e a nova terra na qual nós habitamos.

Agora, afaste-se um pouco da cena que enfocamos, ajuste a visão e contemple a poderosa mão de Deus que rege não só a História Universal, como a particular história de cada um de nós: fomos escolhidos desde a Eternidade no Pacto do Supremo Conselho do Deus Triúno; fomos justificados no tempo quando o Espírito cravou em nosso coração o amor de Cristo pelo que Ele fez por nós; somos santificados conforme o Espírito Santo opera em nós a Palavra de Cristo pelos meios que Ele escolheu para distribuir Sua Graça; e, finalmente, seremos glorificados quando nEle formos ressurretos no dia final - nosso amado Senhor Cristo Jesus é o poder e a causa desta maravilhosa Salvação que recebemos pela Graça de Deus. Ele a opera eficazmente em nós conforme Seu plano perfeito; nEle a Criação decaída em Adão é restaurada, nEle as profecias messiânicas se cumprem majestosamente. Contemplá-lO verdadeiramente somente pode redundar em adorá-lO verdadeiramente, compreender Seu poder só pode nos fazer curvarmo-nos com reverência e bendizê-lO! Glorificado seja o Misericordioso e Justo Deus que nos amou quando ainda éramos pecadores, que amou o cosmos e deu Seu único filho para redimí-lo, que contempla Seu Povo na pureza do imaculado Cordeiro! E como se admira o Santo Apóstolo Pedro ao vislumbrar a glória de Cristo em nós, o futuro da Igreja após a destruição de Jerusalém, como se admira da incomparável obra de Cristo! São Pedro então exclama: que tipo de pessoas, quão santos e piedosos, nós seremos quando todas estas coisas ocorrerem? [2 Pedro 3:11]. Que tipo de pessoas, quão santa e piedosa a Igreja de Cristo, será em sua maturidade! Após lançado o firme fundamento dos Apóstolos e Profetas, sobre a preciosa pedra de esquina que é nosso Senhor e Salvador. Oh, quando isto ocorrer, quão grandiosa e quão perfeita será a Igreja de Cristo! Contemplar esta glória futura faz São Pedro repetir no versículo 12 a profecia do Juízo de Deus para, então no versículo 13, demonstrar quão glorioso é o futuro da Igreja – ela é os novos céus e nova terra onde habita a justiça.

Ora, amados irmãos, percebamos que Jerusalém já caiu há quase dois milênios. O vislumbre que São Pedro teve dos novos céus e nova terra é, para nós, presente. Nós somos novo céu e nova terra reitero, as coisas velhas passaram [2 Coríntios 5:17; Hebreus 12:26:28]. Temos sido coerentes com isto? Podemos nós afirmar que habita a justiça em nosso meio? Somos tais que nossa piedade e santidade são coerentes com a Jerusalém Celestial, nossa vera pátria, e não somente um pouco melhor do que o mundo ao nosso redor? Ah, irmãos, oremos ao nosso Senhor para que Ele nos faça ver a manifestação desta santidade e piedade para as quais a Igreja foi comprada por Cristo, e nas quais devemos nos empenhar para sermos achados nelas [2 Pedro 3:14]. Não há descanso para cada um de nós, não há descanso para a Igreja até que sejamos achados por Cristo sem mácula e irrepreensíveis [2 Pedro 3:14].


Não sobrou nada para o futuro?

Se nós somos o novo céu e a nova terra, o que restou para o futuro? A resposta, de certa forma, já foi dada: resta a glorificação, resta a total Redenção que ainda não se operou. Nós somos os primeiros frutos do novo céu e da nova terra, portanto, já não somos deste mundo, mas sim do vindouro. O Profeta Isaías, no capíulo 66, nos versículos finais, mostra o crescimento da amplitude dos novos céus e nova terra até a eternidade. No penúltimo versículo deste Capítulo, toda a Criação aparece Redimida e no último versículo os ímpios estão eternamente condenados ao Inferno. Da mesma forma, na Segunda Epístola de São Pedro e no Capítulo 28 de Isaías, o uso de termos que poderiam significar um julgamento de maiores proporções prefigura o que ocorrerá no fim dos tempos. Assim, é lícito compreender que, da mesma forma como, com a proximidade do Juízo sobre Jerusalém, os Cristãos foram exortados a apressarem a vinda do Juízo (ao se santificarem e trabalharem para que aqueles que ainda haviam de se arrepender chegassem verdadeiramente à Fé), com a proximidade do Juízo Final, os Cristãos estão exortados a apressarem a volta de Cristo (santificando-se e trabalhando para que aqueles que ainda hão de se arrepender cheguem a verdadeira Fé). No Capítulo 66 do Livro do profeta Isaías, assim como na Segunda Epístola de São Pedro, isto é representado pela longanimidade de Deus, pela transtemporalidade de Deus e pelo desejo que Ele expressa de que todos os eleitos sejam Salvos. Em Isaías vemos todas as nações dos gentios vindo ao Senhor e vemos os gentios se empenhando em levar o Evangelho aos outros povos [Isaías 66:19] e também aos Judeus [Isaías 66:20], para que em todas as nações e línguas haja uma Igreja Santa e Pura, dando testemunho da Glória do nosso Senhor. Este caráter parcial da Redenção, que primeiro se manifesta na conversão dos homens e depois nos atos destes e, conseqüentemente, na Igreja que eles edificam, explica o porquê das profecias do Velho Testamento misturarem a promessa de bençãos terreais com a promessa de bençãos eternas – a Igreja não está fisicamente fora do mundo, mas espiritualmente está. Fisicamente sofremos as aflições da terra decaída, mas espiritualmente nos assentamos com Cristo em lugares Celestiais. Esta realidade espiritual, como comentamos na última edição, invade o tempo pouco a pouco, conforme cada novo Juízo de Deus destrói as manifestações corruptas do mundo e faz a Glória de Cristo ser vista mais claramente. Pouco a pouco, Deus opera grandes Providências para Seu povo; pouco a pouco, o cetro com que Cristo rege todas as nações se torna mais visível; pouco a pouco, toda a Terra é modificada pelo Evangelho e a batalha final se aproxima. Enquanto todas as nações não se renderem ao Evangelho, há firme razão para esperança de que o cetro de Cristo despedaçará os atuais apóstatas revelerando Sua glória com mais poder ao mundo e conquistando mais e mais povos para serví-lO. Tanto mais se aproxima este Dia, maior é o dever da Igreja Fiel em ser achada em paz e sem contaminações. Como nosso Senhor prescreveu o dever e, na boca dos Profetas, disse que isto assim se sucederia, podemos considerar que tanto mais se aproxima este Dia, mais a Igreja Fiel será, pela Graça de nosso Senhor e pela ação do Seu Espírito na habitação da Palavra, achada pura e obediente em todas as coisas. Ah, quão grande a esperança que temos então, na Glória futura da Igreja, no progresso futuro do Evangelho e quão grande emergência e anseio temos em nos empenharmos nesta tarefa de reformarmos a Igreja e direcionarmos nossa alma para toda sorte de deveres piedosos e santos que sejam conforme a Vontade de nosso Senhor para o Seu povo e o poder dAquele que opera em nós.

Para finalizar esta edição, evoco três testemunhos da História da Igreja. Vejamos o que o grande reformador João Calvino afirmou sobre a presente realidade e crescimento do reino previsto pelo profeta Isaías:

“ A Jerusalém que é de cima é livre e é a mãe de todos nós. Nas graças e confortos os quais os crentes tem em e de Cristo, nós devemos esperar estes novo céu e nova terra. É no Evangelho que as coisas velhas passaram e tudo se fez novo .. as novas coisas as quais Deus cria em e por Seu Evangelho são e serão matéria da alegria perene de todos os crentes. A igreja será a matéria de sua alegria, tão prazeirosa, tão [espiritualmente] próspera será sua condição ... Deus não só se alegrará no bem-estar da igreja, mas irá ele mesmo se alegrar em fazer-lhe o bem e em descansar no amor que tem por ela [Zacarias 3:17] ... Todos os inimigos da igreja de Deus, que são sutis e venenosos como serpentes, serão conquistados e subjugados, e lhes será feito lamber ao pó, Cristo reinará como Rei na Sua Sião, que é a Sua Igreja, até que todos os inimigos de seu reino sejam postos por escabelo de seus pés, e também uns dos outros.”

Um dos maiores teólogos de todos os tempos, o Puritano Jonathan Edwards, em perfeita sintonia com Calvino, disse:

“Os céus e a terra começaram a tremer, caminhando para sua dissolução [na Igreja Neotestamentária], de acordo com a profecia de Ageu, pouco antes de Cristo vir ao mundo, de tal modo que somente aquelas coisas que não podem ser abaladas permaneçam, ou seja, que aquelas coisas que tem fim cheguem ao fim, e que apenas permaneçam aquelas coisas que durarão toda a eternidade. Então, em primeiro lugar, as ordenanças carnais da adoração Judaica chegaram a um fim, para brir caminho para o estabelecimento da adoração espiritual,a adoração de coração, a qual perdurará toda a eternidade. Este é um exemplo do mundo temporal chegando ao fim e do início do mundo eterno. Então, depois disto, o templo externo e a cidade externa de Jerusalém, chegaram ao fim, para dar lugar para o templo espiritual e a cidade espiritual, que durarão pela eternidade”

Por fim, o Puritano John Owen, um dos maiores exegetas da Igreja, traz sua voz na Declaração de Savoy (que é a principal Confissão de Fé Congregacional):


“Como o Senhor, em Seu cuidado e amor em relação a Sua Igreja, tem, em Sua infinitamente sábia Providência, exercido este amor e cuidado de diferentes maneiras em todos os séculos, para o bem daqueles que O amam, e para Sua própria glória; enão, de acordo com Sua promessa, esperamos que nos últimos dias, a medida que for se realizando a derrota do AntiCristo, a conversão dos eleitos dentre os Judeus, e a quebra dos adversários do reino de Seu amado Filho; com as igrejas fiéis a Cristo ampliando seu alcance, e sendo edificadas através de uma livre e abundante comunicação da Luz e da Graça, então, as igrejas gozarão neste mundo de uma condição mais quieta, pacífica e gloriosa do que dantes experimentaram”

Seja, portanto, exaltado e louvado nosso Senhor, que tem em Sua Igreja o Seu Santo Monte, onde habita em Glória inefável, Sua nova Criação a qual permanece geração após geração e jamais será abalada [Isaías 65:25]. Temamos o Nome do Grande e Santo Deus que tem chamado, por Sua Graça sobrexcelente, a Igreja Kalleyana para ser depositária da Fé Cristã Histórica de homens como Calvino e os Puritanos.Temamos e lutemos pela Reforma em nosso meio, para que vivamos conforme a Escritura em todas as coisas, sendo agradáveis a Deus em Cristo – tenhamos firme propósito e abençoada esperança de que o futuro da Igreja, conforme a promessa e a eficácia de nosso Senhor, é a Sua Glória; não precisamos fugir do confronto com o mundo e nos refugiarmos na estranha expectativa da saída de emergência chamada Arrebatamento, antes podemos confiar que a batalha não é nossa, mas de Deus mesmo, e que em lugar de retirar o Seu povo da terra para que ele não sucumba, nosso Senhor nos guiará até o Dia Final em inabalável certeza de Fé para cumprir em nós seus desígnios de que haja uma igreja santa e uma para pregar o Evangelho em todo o mundo e fazer discípulos em todas as nações, antes que Ele volte para julgar os vivos e os mortos e encerrar a História da Redenção.

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