Já há algumas edições o Jardim Clonal tem tratado da Esperança; a Escritura nos diz que a Esperança é um dos pilares da Verdade em Cristo, como aspecto da Fé – confiança nas promessas do Senhor e certeza do porvir, baseadas ambas na fidelidade dAquele em quem a Eterna Aliança da Graça está firmada [1 Coríntios 13:13; Romanos 4:18; Efésios 1:18; Colossenses 1:27; Hebreus 10:23]. O ímpio, portanto, não possui verdadeira esperança; antes, com entenebrecido temor ou ilusória calma, aguarda apenas o fim de sua inútil existência, sem aperceber-se realmente a cerca do terrível sofrimento que sobrevirá à sua alma após a morte – o ímpio mente para seu próprio coração e obscurece sua própria mente, negando até a revelação contida na lei natural que testemunha da Ira de Deus sobre toda impiedade. O Cristão, porém, tem um duplo dever: não só deve ter e viver a Esperança, mas deve conhecê-la, viver segundo ela e ser capaz de transmití-la a outros conforme a promessa da Palavra [1 Pedro 1:3; Hebreus 10:36; Tito 2:11-14] para firmar-se no “novo céu e nova terra”, o qual recebemos, pela Graça, como herança em Cristo Jesus. Mas, há realmente um firme fundamento para a Esperança da Glória? Sim, temos razão em nutrí-la, pois há algo que já foi feito, algo irreversível, irrevogável, que afetou céus e terra, renovou-os e alterou o Universo para sempre: Cristo Jesus veio ao mundo e inaugurou a obra de redenção da Criação. A certeza de que tal obra foi iniciada e tem providencialmente progredido é edificada sobre os eventos bíblicos do século I – eventos estes que começaremos a observar nesta edição, a partir de textos paralelos dos Evangelhos, especialmente do Discurso Escatológico de Cristo.
Mais reflexões sobre Escatologia
A estrutura escatológica da Escritura nos fala de duas eras ou mundos: “este mundo ou a presente era” e o “mundo vindouro ou era porvir”. Temos visto que há uma direta relação entre o que a Escritura chama “últimos dias” e “fim desta era ou deste mundo” e o que a Escritura chama “mundo vindouro ou era porvir” - ambos relacionam-se à “era messiânica”, ou seja, ao período a partir do advento de Jesus, o Messias anunciado pelos profetas do Velho Testamento e aguardado pelos Israelitas. Porém, ao contrário daquilo que os Judeus pensavam e expressavam em sua escatologia, a “era porvir” não foi imediatamente ou instantaneamente realizada pelo advento do Messias: a revelação do Novo Testamento nos trouxe a clareza de que o reino messiânico de Jesus é pouco a pouco revelado nesta realidade, como um fermento que leveda a massa ou um pequeno arvoredo que alcançará ainda muitos metros de altura (apesar de a cada ano cresce somente alguns centímetros). Portanto, há uma necessária tensão entre a porção já realizada do Reino de Cristo e a porção ainda virtual do mesmo (a qual reside nas promessas de Deus e no mundo espiritual). E exatamente nesta tensão que o Cristão encontra forças e a firme base para sua Esperança, como nos ensina o Santo Apóstolo Paulo, em sua Epístola a Tito:“Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória de nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” [Tito 2:11-14]. Notemos que nesta passagem, o fato de o Cristão ainda viver no presente século ou na presente era é contrastado com o que nos aguarda quando plenamente chegar a chamada era porvir. Assim, a era messiânica que os Judeus aguardavam é justaposta a este mundo conduzindo os eleitos de Deus, pela Graça, em peregrinação do Império de Satanás (manifesto no presente século mau) para o Reino Eterno de Cristo (que é o bendito mundo porvir), peregrinação esta realizada através de uma especial estrada sob a jurisdição e poder do Eterno Rei Jesus. Frustrando as expectativas judaicas de um reino terreal e de libertação política, o primeiro advento de Cristo Jesus, e, portanto, a aurora da verdadeira era messiânica, revelou ante toda a humanidade a Graça de Deus (que outrora estava oculta nas sombras da igreja judaica), e o fez, não na figura de um libertador regendo suas milícias e coortes, mas na pessoa do servo sofredor que foi moído pelas nossas iniqüidades para nos libertar do domínio do pecado e sobre quem o castigo que nos traz a paz foi lançado. Esta revelação é a base da nossa Fé e, portanto, a matéria com a qual o Espírito opera nosso novo nascimento, o que nos conduz, pela Graça, segundo a Palavra do Evangelho e a obra do Espírito, às boas obras de gratidão ao nosso amado Salvador, as quais são uma prévia e uma comprovação de nossa sublime chamada e viagem rumo ao mundo porvir. Mundo que se revelará plenamente quando nosso Senhor vier em seu segundo advento, aperfeiçoando a ainda imperfeita visão daquilo que, no entanto, já perfeitamente possuímos, um mundo no qual já fomos plenamente inseridos, e no qual já habitamos em glória, a direita de Deus, em Cristo [Colossenses 2:19; 3:1-4]. Em Seu estado de humilhação, no primeiro advento, Cristo veio trazendo o anúncio da salvação aos pecadores; em Seu estado de glória, no segundo advento, Cristo virá completando a salvação dos eleitos e a redenção da Criação, ressuscitando os mortos e transformando-nos segundo a glória de Seu ser. No primeiro advento, a fundação da Igreja Neotestamentária foi lançada tendo Cristo como a pedra basilar; no segundo advento, o edifício da Igreja de todos os séculos se completará e Cristo, a pedra angular, será posto sobre ele por coroa e sustentáculo [Atos 4:11]. Nesta tensão – repito – o Cristão encontra firme base para sua Esperança, fazendo a progressiva passagem da certeza da obra realizada por Cristo para a certeza e apropriação da promessa e herança eterna, aguardada – de tal modo que o conflito com o pecado e a corrupção atual presta solene testemunho da nossa maior ambição e desejo, a saber, a perfeição da glória prometida. Se nos falta o anseio desta glória, nos falta o alvo da caminhada; igualmente assim vagaremos perdidos e desorganizados, como indivíduos comprometidos somente com suas próprias experiências; se nos falta o anseio desta glória, nos falta o sentido de Igreja, de corpo unido e predestinado ao mesmo fim. Se, por outro lado, nos falta a certa compreensão do primeiro advento, comprometemos a apreensão da segurança de nossa salvação e poder que, pelo Espírito, provém daí para entregar-se por Cristo e cumprir a Vontade dAquele que nos envia como mensageiros de Seu Reino ao presente e condenado mundo. Tanto o premilenismo (em toda as suas vertentes, mas especialmente na vertente dispensacionalista), quanto as escatologias modernistas, liberais ou excessivamente alegóricas, roubam do Cristão o equilíbrio que a Fé Histórica e Bíblica nos dá, equilíbrio que permite contemplar tanto a presente vitória de Cristo, quanto o crescimento do Reino de Deus, de glória em glória, até a plenitude da glória no segundo advento. Esta Esperança e compreensão impulsionou os grandes missionários da História a sacrificarem tudo o que possuíam por amor e intenso desejo de que logo a vitória de Cristo fosse manifesta ao mundo e que Ele retornasse para estabelecer com Sua Igreja o Seu Reino eterno e fazer visível toda a maravilhosa graça que habita os novos céus e nova terra (os quais Cristo fez nascer na consumação da Sua humilhação). Relembrando a preciosa herança dos puritanos escoceses (a qual também nos foi legada por Robert Kalley), ouçamos a um de seus gigantes, Samuel Rutherford, o qual expressa com grande iluminação do Espírito o anseio pela glória que a sã escatologia bíblica faz brotar na alma do crente:
“Ó, quando iremos nos encontrar? Quão longe está ainda a aurora do dia de nosso casamento? Ó doce Jesus, dê passos largos! Meu Senhor, venha sobre as montanhas com um amplo caminhar! Ó, meu Bem-Aventurado, fuja como um gamo ou um jovem cervo sobre os montes da separação. Ó, se Ele desejasse dobrar os céus conjuntamente como uma velha capa, e tirar com uma pá o tempo e os dias removendo-os do caminho, e fazer disposta a se apressar a esposa do Cordeiro para seu marido! Céus, mais rápido! Tempo, corra, corra e traga logo o dia do casamento; pois o amor se atormenta com as esperas! Veja o leste: o céu da manhã está surgindo. Não pense que Cristo perdeu a hora, ou se arrasta inadequadamente. A noiva do Senhor estará de pé ou deitada, sobre as águas, a nadar ou mesmo sob as águas, afundando, até que seu soberano e poderoso Redentor e Marido faça-se ver através dos céus, e venha com sua límpida coorte para desembaraçar todos estes argumentos, e dar a eles a longamente aguardada herança.”
Note que o amado puritano Samuel Rutherford, poeticamente, expressa a mesma doutrina que temos aqui exposto, o que se pode notar por:
1) Há uma considerável distância entre o agora e o segundo advento, a qual podemos perceber pela maneira como ele roga para que Cristo se apresse e transponha grandes distâncias e remova dias e tempos de seu caminho, bem como pela maneira como afirma que não devemos pensar que Cristo demora, mas devemos compreender Sua longanimidade;
2) Há um dever implícito, toda vez que se fala da volta de Cristo, e este dever é que a noiva, (ou seja a Igreja de Cristo), se apresse e diligentemente se ponha a serviço de Seu mestre;
3) A Igreja passará por muitos percalços, em algumas épocas em grande e visível vitória e outras em dificuldades; porém, quando Cristo vier, a História será encerrada, a epopéia da Igreja chegará ao fim e os crentes receberão, de imediato, sua incorruptível herança.
Destarte, tendo conosco John Owen, João Calvino, Jonathan Edwards e Samuel Rutherford, dentre alguns dos Santos que Deus proveu como professores para a Igreja - sem contar com todos aqueles que elaboraram conjuntamente as Confissões de Westminster e Savoy - reafirmamos o que a Escritura diz: a volta de Cristo é impendente, porém não imediata; ela não foi esperada pelos Apóstolos para o primeiro século (exceto, talvez, antes da descida do Espírito Santo, quando seus olhos ainda permaneciam semicerrados para muitas das Verdades do Novo Testamento) e constantemente, ainda que com mais clareza no Novo Testamento, foi anunciada como sendo precedida por certos eventos, o que poderemos observar ainda nos vários textos da Escritura que examinaremos nesta e nas futuras edições do Jardim Clonal, com a Graça de Deus.
A Escatologia no Discurso de Cristo Jesus no Monte das Oliveiras
Quando nos voltamos ao estudo desta porção das Escrituras, se mantivermos em mente aquelas regras da correta interpretação da Bíblia que foram honradas por muitos séculos na antiga Escola Teológica de Antioquia (localizada na Síria e fundada no início do século IV), revividas na Reforma Protestante e exaltadas pelos Puritanos (regras estas conforme delineamos nas edições passadas do Jardim Clonal), então nos ateremos ao sentido histórico e gramatical do texto e respeitaremos o que a própria Escritura nos indica sobre o significado do mesmo. Seguindo esta piedosa regra de interpretação evitamos o erro que recaiu sobre a escatologia rabínica dos Judeus da época de Cristo - o erro de achatar a perspectiva profética da Escritura e imaginar uma total separação entre a presente era e a era porvir, como se o advento do Messias levasse imediatamente ao estabelecimento de um glorioso reino o qual, para os Judeus, era uma sublimação da presente era. A Escritura, no entanto, apresenta-nos uma era porvir e um reino messiânico que se desdobram em uma corrente perspectiva profética desde o Éden, em sucessivas e maiores revelações de Deus em Cristo, assim como uma sucessiva e crescente maturidade da Igreja. Na Escritura, o esquema escatológico que relaciona a presente era e a era porvir não é um esquema de extremos opostos ou de um cataclísmico fim do mundo; na Escritura, a economia de Deus se desdobra sobre si mesma como um telescópio que se abre, conjunto de lentes por conjunto de lentes, até que a visão através dele seja nítida o suficiente para permitir a chegada ao desejado porto seguro. Aqueles de nossos dias que se apresentam sob o nome de Igreja, não atentam para a promessa da glória em Cristo, para a constante edificação que Ele tem feito de Sua Igreja verdadeira desde a fundação do mundo. Isto tudo poderemos observar no texto paralelo do Discurso Escatológico em Mateus 24, Lucas 21 e Marcos 13.
Introdução ao Discurso do Monte das Oliveiras
Um dos principais eixos que dá sentido e faz a ligação entre o Discurso do Monte das Oliveira nos Evangelhos é o versículo que diz a respeito do suntuoso Templo: “Não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada” [Marcos 13:2; Mateus 24:2; Lucas 21:6]. A importância desta passagem no contexto deste Discurso de nosso Senhor é a de que aqui está o primeiro indício da temporalidade do que se seguirá, indício tão importante que, como um indicador da doutrina a ser tratada é lançado logo na introdução de seu sermão. Ora, sabemos da história que esta é uma clara referência ao ano de 70 d.C., quando os Romanos, com seus exércitos idólatras e cruéis, marcharam sobre Jerusalém e destruíram a cidade e o Templo com tanta violência que os homens daqueles dias afirmaram que era como se jamais tivesse existido uma civilização ali. Veja, prezado leitor, que isto é algo notável – quantas grandes obras, muito menores, entretanto, que aquele Templo, ainda hoje permanecem de pé ou, ao menos, permanecem como ruínas? O Parthenon, as Pirâmides do Egito e os Templos Maias viram tantas mais guerras que o Templo de Jerusalém e em nada se comparam à sua poderosa estrutura, entretanto estes permanecem de pé enquanto nem o alicerce pode ser encontrado. O Templo de Jerusalém foi construído no ápice da riqueza e influência de Herodes, como prova do poder e prosperidade romanos, e fora construído de tal forma que era, ao mesmo tempo, em conjunto com os seus arredores, uma verdadeira cidadela e fortaleza e uma obra de beleza arquitetônica ímpar – fora edificado com grandes pedras do melhor mármore verde e branco (diz-se que algumas pedras tinham até 20 metros de comprimento), trazido da capital do Império especialmente para sua construção, tendo muros esculpidos como imitações das ondas do mar – uma visão impressionante [Marcos 13:1; Lucas 21:5]. Ademais, a forma de construção do Templo, se relaciona com a forma do Tabernáculo mosaico e, intenta reproduzir em si, por seus múltiplos compartimentos e diversas estruturas, enfeites e utensílios, representando em si a Criação, como se o Templo mesmo fosse um sinal e uma miniatura do Universo – uma parte denotando os mares, a qual representa também os prosélitos e servos gentios; outra, mais interna, representando a terra, e nisto a Aliança de Deus com os israelitas; e outra, ainda mais interna (chamada Santo dos Santos), na qual o Sumo-Sacerdote penetrava uma vez por ano para fazer expiação por todo o povo, representando a habitação de Deus em Glória nos céus. Não é, portanto, sem motivo que os discípulos incitaram Cristo Jesus a falar sobre a “glória” do Templo, conforme costumeiramente os Rabis faziam nos sermões nos quais discursavam sobre a certeza da presença de Deus com o povo judeu fazendo longas analogias sobre a organização, os serviços e a construção do Templo – para os Judeus o Templo era o sustentáculo da Criação e o centro do Universo. Entretanto, ouviram do Senhor que o Templo seria totalmente devastado e destruído – um anúncio de tão grande Ira Divina que se assemelha aos julgamentos lançados sobre as nações pagãs do Velho Testamento. Logo, a partir desta introdução o Senhor mesmo dá Seu sermão e já podemos vislumbrar que o assunto do mesmo é a quebra dos ramos infrutíferos daquela oliveira da qual o Senhor, por séculos, estava cuidando [Romanos 11:19; Mateus 3:10] – era o julgamento de Deus sobre a apóstata nação judaica do primeiro século [Lucas 21:20].
Na próxima edição prosseguiremos a exposição do Sermão Profético de Cristo, mostrando a equilibrada compreensão destas profecias, que tem poder de expurgar de nossas mentes os erros do dispensacionalismo e futurismo e nos reestabelecer naquela boa compreensão da Escritura que nos foi legada por aqueles santos homens do passado que permanecem em nossa constante lembrança e reconhecimento, como os já tão citados Jonathan Edwards, John Owen e João Calvino.
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