Continuamos nosso estudo da Escatologia Bíblica observando aqueles mesmos eventos nos quais meditávamos ao fim da última edição: a convulsão das nações, guerras e rumores de guerras tais, que levaria a Jerusalém estar “cercada de exércitos” [Lucas 21:20] com o “abominável da desolação onde não deveria estar” [Marcos 13:14]. Coisas estas as mais terríveis e duras, as mais assustadoras para a mente dos nossos irmãos da Igreja da Judéia, que temiam ter de fugir durante um inverno cujo clima é intempestivo ou ficarem presos na cidade quando, no Sabbath Judaico, os portões se fechassem [Mateus 24:20;Marcos 13:18]. Estas são algumas das previsões contidas no Discurso Escatológico de nosso Senhor; previsões que, erroneamente, muitos dirigem para um futuro distante, contudo, como veremos a seguir, falam de um momento que para nós é passado (a queda de Jerusalém e a destruição do Templo em 70 d.C.), enquanto nos dão, ao mesmo tempo, uma preciosa lição do Governo de Deus sobre a História para que, a partir daí, no desenvolver do discurso, vislumbremos o Fim da História com a segunda vinda de Cristo Jesus.
Primeira Parte do Discurso: O Reino de Cristo é Espiritual
“...dizendo alguns a respeito do templo, que estava ornado de formosas pedras e dádivas” [Lucas 21:5]... quando Jesus ia saindo do templo, aproximaram-se dele os seus discípulos para lhe mostrarem a estrutura do templo.[Mateus 24:1] ...disse-lhe um dos seus discípulos: Mestre, olha que pedras, e que edifícios! [Marcos 13:1] E, respondendo Jesus, disse-lhe: Vês estes grandes edifícios?... [Marcos 13:2] ...Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará pedra sobre pedra que não seja derrubada” [Mateus 24:2]
Assim inicia-se o já tão referido Discurso, mas não sem um elucidativo contexto antecedente – no Evangelho de São Marcos e no Evangelho de São Lucas ele é precedido pela Parábola dos Vinhateiros [Marcos 12:1-12; Lucas 20:9-19] que anuncia o fim da administração judaica e a passagem da vinha para outros administradores, que darão o devido fruto. Note que a figura da vinha, usual no Velho Testamento, fora usada para representar Israel [Salmo 80:8-16; Isaías 5:1-7; Jeremias 2:21; Ezequiel 15:1-8; 17:5-10, 19:10-14; Oséias 10:1], porém com um objetivo específico: diferenciar entre a semente fiel que o Senhor plantara e o fruto degenerado que a nação produziu. Introduz-se, portanto, também pela figura da vinha, o conceito da Graça do Senhor, que elege e sustenta um remanescente, uma porção fiel, um Israel verdadeiro, espiritual, oculto, visivelmente unido, porém espiritualmente separado da nação apóstata e dos povos pagãos – a vinha do Senhor era a manifestação da Santidade dEle na Aliança, pela Graça, em conformidade com o Espírito Santo, que escrevia a Lei no coração destes homens escolhidos e chamados pelo Altíssimo; a corrupção se distinguia e exaltava quando esta, a verdadeira vinha, esta que era o fruto da Salvação em Cristo, era quase que totalmente envolvida por uma outra vinha, de uvas bravas, donde não brotavam justiça, paz ou misericórdia. O soberbo judaísmo apóstata transformou a vinha no símbolo do nacionalismo judaico, chegando até mesmo a cunhar moedas contendo este símbolo, à época dos Macabeus; o tradicionalismo, o tribalismo, a etnicidade suplantou a misericórdia e a justiça. Entretanto, nosso Senhor, o Cristo, destrói as ilusões de superioridade do judaísmo – a vinha foi tirada daquela nação, a boa semente, outrora oculta, foi visivelmente entregue aos novos signatários de uma Nova Aliança; uma nova nação, sem fronteiras territoriais, tribais ou étnicas. Por isso nos diz nosso Senhor, segundo o Evangelho de São João: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador... Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem.” [João 15:1,5-6]. No Evangelho de São Mateus a declaração é ainda mais clara, pois são pronunciados oito ais sobre os Escribas e Fariseus, representando neles o espírito do judaísmo de Jerusalém e, assim, personificando neles a própria Jerusalém Terrena, corrupta, apóstata a qual terá sua casa tornada deserta [Mateus 23], exatamente como nos mostra a figura dos ministros da Palavra no Velho Testamento, que pronunciaram ais contra os falsos profetas e ímpios de seu tempo [Isaías 5:8-30; Jeremias 23:1-6]. É impressionante como o paralelismo entre a Parábola dos Vinheteiros e os ais do Evangelho de São Mateus (e mesmo de Isaías 5) é explícito e perfeitamente articulado, especialmente se tomamos como um dos eixos as palavras do Evangelho de São Mateus, Capítulo 23, versículos 34 até 36, onde está escrito: “Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração.”
Tendo determinado e encontrado o padrão e quadro que descreve o juízo vindouro sobre Jerusalém, podemos recuar alguns Capítulos no Evangelho de São Mateus e perceber que, já há algum tempo, aquela geração estava sendo advertida por sua falsidade e hipocrisia [Mateus 23:3,28,33; cf. 21:30], reveladas na grande pretensão de substituir o arrependimento e fé verdadeiros pelos ditames de sua falsa religião, intentando tomar somente para si a esperança celeste, [Mateus 23:23-24], e fazer de si mesmos a única porta para o céu [Mateus 23:13,14,16; cf. Mateus 15:6]. Em lugar desta pretensão, o judaísmo dos Escribas e Fariseus, na verdade era uma porta para o inferno, concebida e alimentada por Satanás [Mateus 23:17-19,24; 15:6; João 6:44;] - colocavam-se, portanto, temerariamente no lugar que é devido somente ao Senhor. Foi nesta tão maligna obra que eles encontraram razão para perseguir e matar os profetas, e foi nesta doutrina maligna que encontraram seus motivos para perseguir e matar a nosso Senhor, bem como aos Cristãos da Igreja Primitiva [Mateus 23:29-35; cf. 21:36-39; 22:6; Atos 6:12-15]; igualmente foi nesta sinagoga de Satanás que se fez transbordar o cálice da Ira de Deus, o qual já vinha sendo, pouco a pouco, preenchido pela vinha brava de uvas bravas chamada Israel. E assim a sentença fora dada: serão estes excluídos do Reino dos Céus e entregues ao fogo e às trevas da Vingança Divina [Mateus 23:35, 38; cf. 21:31, 41, 43-44; 22:7]. O que foi um breve castigo sobre a nação, mas uma prova final sobre o remanescente fiel, à época do profeta Jeremias, se torna então em um aviso que ecoa nas palavras de Cristo – ao que Jeremias outrora anunciara: “Mas se não derdes ouvidos a estas palavras, juro por mim mesmo, diz o SENHOR, que esta casa se tornará em desolação” [Jeremias 22:5]. Esta mesma sentença Cristo agora ratifica e promete a execução: “Eis que vossa casa ficará deserta” [Mateus 23:38]. Como na época descrita no Livro de Juízes, o povo que aparentemente se arrependera, veio posteriormente a se tornar pior do que a geração de seus pais. E é neste ponto então, que a Glória de Deus visita o Templo pela última vez, a Glória que nem o Templo de Salomão presenciara, a perfeita imagem do Deus invisível – Cristo Jesus [Colossenses 1:14,15]. Glória que não mais voltaria ao Templo, uma vez que o verdadeiro Templo é a verdadeira videira [João 1:14; 2:18-22], a saber, nosso Senhor, a pedra de topo e a pedra fundamental de um Templo de pedras-vivas unidas misticamente nEle [Mateus 21:42-44; Atos 4:11; 1 Pedro 2:1-9] – o Sumo-sacerdote da nossa Fé e o último e eficaz sacrifício pelos nossos pecados [Hebreus 4:14-16; Hebreus 9:26; Hebreus 10:10; João 19:30]. O Templo de Jerusalém, que havia se tornado um covil de ladrões, foi purificado de uma vez por todas ao ter, somente em Cristo, seu caráter espiritual revelado e seu propósito cumprido.
O que aos discípulos fora motivo de autoglorificação e confiança carnal em sua herança sangüínea, para Cristo era apenas a triste visão do ícone de um povo perdido em sombras, povo este que amou as trevas e rejeitou a vera luz, o vero Templo e o vero Sacrifício que se lhes apresentou em Jesus. Somente em Cristo a Glória derradeira de Deus habita entre nós e, com Ele, pela Sua Graça e benevolência, esta se faz presente em Sua Igreja; nEle o sacrifício vicário pelos pecados de Seu povo, de Sua nação, que é a Sua Igreja, derradeiramente se cumpre; nEle a comunhão e as orações de Seu povo, de Sua nação, de Sua Igreja, são recebidas por Deus Pai, revestidas na Justiça de Cristo; dEle flui o rio de águas vivas, que, no Espírito Santo, pelo Evangelho nos regenera e nos desperta para a Verdade. Assim nEle se cumpre tudo o que prefigurava o Templo e as suas cerimônias [Gálatas 4:9; Colossenses 2:14- 17; Efésios 2:15]. No Evangelho de São João, Capítulo 4, versículo 21, nosso Senhor aborda esta questão precisa quando diz: “a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.” e explica, no versículo 23, “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.”. Esta gradual revelação da espiritualidade do culto, tanto pela ausência de um centro geográfico de adoração, quanto pela ênfase na Verdade – verdade doutrinária a ser pregada, verdade litúrgica a ser obedecida, verdade de vida em arrependimento e fé – carrega consigo a notícia do fim das sombras veterotestamentárias e do crescimento do Sol da Justiça com Sua inigualável luz, a qual atinge todos os povos da Terra para libertá-los do pecado e guiá-los para além dos rudimentos do mundo (o que vemos anunciado também no Evangelho de São Mateus, Capítulo 21, versículo 13, como referência à promessa messiânica do Livro do Profeta Isaías, Capítulo 56, e ao alerta contra a carnal confiança no Templo constante no Livro do Profeta Jeremias, Capítulo 7 – e que já iniciava o tratamento do referido tema do Evangelho de São Mateus, Capítulo 23, cuja aplicação e extensão escatológica se encontram no capítulo seguinte, sobre o qual temos voltado nossa atenção e meditação).
Concluímos, portanto, que a primeira parte do Discurso Escatológico de Cristo é o prenúncio da concretização da realidade espiritual constante dos desígnios de Deus em todo o Velho Testamento, mas oculta em sombras até o dia da Revelação de Cristo Jesus e do firme estabelecimento visível de Seu Reino e de Seu Povo, como Seu Templo-vivo de pedras-vivas, com Seu sacrifício vicário final e perfeito, com Seu sacerdócio Santo e Eterno. O Templo seria destruído, e com grande Ira, é o anúncio de Cristo - porque já não há mais lugar para ele – tendo a vera Luz vindo ao mundo, não há mais necessidade das velhas sombras. Não ficará pedra sobre pedra daquele velho mundo e daquela antiga era, daquilo que era inferior e obscuro, e que se tornara, pela economia Divina, obsoleto [Hebreus 9:8-15; 10:1-3; 8:4-13]. Tudo isto nos mostra o quanto era vã a confiança no sistema mosaico como se, per si, o exercício externo da religião pudesse levar ao conhecimento de Deus, bem como hoje é vã a expectativa de parte dos atuais Judeus (e mesmo de parte do cristianismo judaizado e sionista dos dispensacionalistas e de alguns dominionistas) de que haja, no futuro, a reconstrução do Templo de Jerusalém. Reitero: o único Templo que agrada ao Senhor já foi erguido, e não por mãos humanas [Atos 7:48; 17:24] – a reconstrução do tabernáculo caído de David e do Templo de Zorobabel se realizaram, pelas Divinas mãos, na ressurreição de Cristo e na Sua Glorificação, as quais tomamos parte como Igreja, como Corpo de Cristo [Atos 15:18; Amós 9:11,12; I Coríntios 12:27; Efésios 2:21; 4:12,16; 5:23; 1 Pedro 2:5-9].
Segunda Parte do Discurso: Os Sinais e os Tempos
“E, assentando-se ele no Monte das Oliveiras, defronte do templo, Pedro, e Tiago, e João e André lhe perguntaram em particular: Dize-nos quando serão estas coisas, e que sinal haverá quando todas elas estiverem para se cumprir - a sua vinda e o fim do mundo?”[Marcos 13:3,4;Mateus 24:3]
Sentado sobre o Monte das Oliveiras, observando toda a cidade, sob o sol poente, destacava-se mais ainda a beleza e a grandiosidade do Templo – beleza e grandiosidade tais que eram opostas ao que aquele edifício havia se tornado, um lugar vazio da verdadeira religião. Contemplando esta pequena distopia, os discípulos dirigem-se ao Senhor e formulam uma dupla questão: (1) quando estas coisas preditas ocorrerão; e (2) como tal coisa chegará a ocorrer. Ao mesmo tempo, eles classificam o objeto de suas indagações como: a sua vinda e o fim do mundo. Atentemos que há um sentido em que esta sobreposição – a vinda de Cristo e o fim do mundo – é verdadeira; a concepção dos discípulos, naquele momento, ainda é imatura e ingênua, mas a sua apreensão daquilo que já estava sendo descrito por Cristo há algum tempo, ou seja, o fim da velha ordem e o estabelecimento da Nova Aliança, é o que sustenta esta múltipla pergunta. Relembremos o que foi descrito nas últimas edições:
1) Na escatologia veterotestamentária a distinção entre “a era porvir ou o mundo vindouro” e o advento do Messias é muito tênue. Portanto, a extensão temporal da introdução da era messiânica sobre a presente era se dissolvia na perspectiva profética; o que leva os discípulos (em menor escala) e os judeus a espera de uma introdução cataclísmica da era porvir com o advento do Messias e a suposição de que a era porvir não seria mais do que um mundo presente superabundante e dominado pelo Estado Teocrático de Israel.
2) O termo “fim do mundo” no Evangelho de São Mateus, Capítulo 24, versículo 3, pode ser mais precisamente traduzido como “fim da era” ou “fim dos tempos”, do grego aion, o que não se refere ao fim do mundo físico, da Criação, mas de um determinado estágio da administração de Deus sobre a História; em 70 d.C., quando a destruição do Templo ocorreu, a era judaica, o tempo da nação de Israel, ou seja, a administração da História na qual os oráculos de Deus foram entregues e guardados por um povo em especial, chegou ao fim. O termo “fim da era” refere-se, portanto, à aurora da “era messiânica”, ou seja, da revelação da Igreja neotestamentária e da introdução, pouco a pouco, da redenção da Criação pela qual Cristo deu Seu Sangue precioso na Cruz – Ele morreu pelos nossos pecados, para que aqueles que foram Eleitos na Eternidade passada sejam Salvos e, no futuro sem fim, vivam com o Senhor na Jerusalém Celestial [Filipenses 3:20,21]. O “fim da era”, conforme descreve o Apóstolo Paulo, chegou sobre a geração de Cristãos do século I [cf. 1 Coríntios 10:11], assim como chegou sobre eles (e sobre nós já é), o “mundo vindouro”, no qual já estamos inseridos pela nossa união com Cristo [cf. Efésios 1:3,20;2:6;10:3; Apocalipse 5; Gálatas 2:20; Colossenses 1:13; Hebreus 12:18-24; Romanos 8:9-11]. Já é chegado o Reino de Deus: pois Cristo, na plenitude, no cumprimento, ou seja, no fim dos tempos, fez o último e perfeito sacrifício pelos pecados [cf. Hebreus 9:26]!
Portanto, a resposta distribuída, recapitulada e explanada cuidadosamente na extensão dos Capítulos 24 e 25 do Evangelho de São Mateus (e nos textos sinópticos), assim como em pequenos trechos até culminar no fechamento, profético e escatológico do Capítulo 28, visa explicitar o caráter espiritual do Reino de Cristo, tanto em sua expansão e vitória futuras, quanto em relação às batalhas e dificuldades constantes em todo o tempo desta expansão e vitória, até o dia final, quando em Glória voltar o Senhor para encerrar a História.
É com este entendimento a respeito do contexto histórico e teológico em que os discípulos discutiam e entendiam - e posteriormente explicaram - a Escatologia Bíblica, que continuaremos, na próxima edição, o estudo do Discurso Profético de nosso Senhor no Monte das Oliveiras.
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