Cristão: Um novo nascimento e um novo amor

Jesus respondeu e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.
Evangelho de João Capítulo 3 Versículo 3

Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido.
Primeira Epístola Universal de João Cap. 5 Versículo 1


Cristo nos ensina que é necessário nascermos de novo para vermos a Deus. Como pode um homem, tendo já idade, nascer de novo?
Voltará ao ventre? De maneira nenhuma, Cristo explica em sua conversa com o judeu Nicodemos - aquele que não nascer da água e do Espírito não pode ver o Reino de Deus¹. Sobre o que Cristo fala aqui? Sobre regeneração, ou seja, o fim de uma vida longe do Senhor e o início de um viver que olha unicamente para Ele buscando a salvação; sobre a fé que sela ao homem, habilitando sua alma a dizer, com o apóstolo Paulo, "O Filho de Deus me amou, e se entregou a si mesmo por mim”.²

Consideremos ainda o que o apóstolo João nos diz: “todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus”.³
Portanto,
Quem pertence ao Reino dos Céus e viverá com Cristo eternamente?
Quem terá a alegria permanente da presença do Todo-Poderoso, para todo sempre?
Todo aquele que ama, pois todo o que ama nasceu do Espírito de Deus, foi lavado de seus pecados no sangue de Cristo, e tem nEle, acesso ao Pai.4

Ora, todo que se diz Cristão professa crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus, morto pelos nossos pecados, ressurreto para a glória do Pai. Todos que se dizem Cristãos alegam amor a Deus e ao próximo.
Mas o que distingue um verdadeiro Cristão de um crente meramente religioso?
Exatamente o ser nascido de Deus, nos diz o Senhor Cristo Jesus.5 Se não for regenerado, ou seja, se não nascer de novo, nascer de Deus, a própria vontade do homem permanece corrompida. E é de Cristo que vem essa vida nova aos homens que estão espiritualmente mortos em seus pecados: basta crerem nEle, e viverão. Só de Cristo vem o nascer de novo; não importa quão religioso seja, nem quanto se dedique à oração e à caridade, ninguém pode, de si mesmo, se fazer nascer de novo – ainda que dedique sua vida aos pobres, e se entregue ao martírio, ainda que sua fé ressuscite mortos e evoque fogo do céu, e que sua palavra manifeste o conhecimento mais profundo e sua proclamação anuncie coisas ocultas e até o futuro distante, e tudo isso o faça em nome de Cristo 6 – enquanto seus pensamentos e suas intenções, ainda que as mais ocultas, estiverem escravizados pelo pecado, tudo lhe será em vão. Assim, homens, como foram Judas Iscariotes e Balaão, podem ser religiosos e até chamados mestres e profetas, podem realizar grandes feitos e até maravilhas, podem, inclusive, proclamar Cristo, mas não serem nascidos de novo. Tais não tem amor ao Senhor e são tão filhos do inferno quanto um genocida ateu.
Mas o que é gerado de Deus, se manifesta em amor, nos diz o discípulo amado, o santo João, e ouvimos a voz do mesmo Espírito no apóstolo Paulo: “sem amor eu nada seria”.6

E, como é este amor do qual estamos falando?
Não é o amor banal e tolo de tantos filmes, livros e novelas. Não é uma utopia romântica, não é emocionalismo, nem êxtase, não é um sentimento que arrebata corações e sobrepuja a mente. O amor que torna o homem que Cristo vivificou diferente do homem que ainda permanece morto nos seus pecados é o amor que nasce da vontade e gera frutos. “Amai ao SENHOR”, “Amarás o Senhor, o teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” e “Amai os vossos inimigos”7 são Palavras imperativas que Ele nos diz. O Senhor nos comanda a amar – logo, o amor do qual se fala aqui é o amor que nasce da vontade de amar, que engloba todos os sentimentos, sensações e intelecto, alimentando-se deles e, de maneira nenhuma, anulando-os. Este amor, daquele que é nascido de Deus, é espontâneo por compreensão da verdade8 – o Cristão ama ao Senhor porque Deus é o que é, e ama ao próximo porque Deus é o que é9 - e, de maneira nenhuma, tal amor pode ser espontâneo por brotar de si mesmo, pois não brotou de si, mas vem de Deus, no operar do Santo Espírito pela formação da mente de Cristo no crente – assim, o amor não é um fim em si, nem tem poder em si mesmo, mas deriva seu poder e se compraz no amor de Cristo. O real amor Cristão, como um arvoredo que busca o sol, cresce em resposta ao incessante amor de Deus que nos “deu o seu Filho unigênito”10 , e recebe por seiva a infinita gratidão a Jesus “porque Ele nos amou primeiro”11 e, quando estávamos mortos nos pecados e na incircuncisão da nossa carne, nos deu vida e perdão.
O verdadeiro Cristão tem como sua Rocha o amor de Cristo, e francamente responde a esse amor, entregando todas suas afeições aos pés do Mestre. Ele brada com o Salmista “A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não quem eu deseje além de ti”, ele confessa com alegria “O SENHOR é a porção da minha herança”12. Onde existe este amor não há lugar para outros anseios, não há escalas a serem atingidas através de Deus, não há desejo de que o Senhor o eleve acima de outros homens, ou lhe atenda a pretensos direitos e exigências que não são mais do que mimos infantis13. O amor sobre todos os amores não barganha com Deus, mas se satisfaz com a graça de Cristo e busca, sedento, que seu Senhor esteja mais e mais próximo de si.14

Constantemente na história florescem épocas, ápices heróicos da fé que vem pela graça, nos quais a flor do Cristianismo desabrocha de entre as penhas do mundanismo e da hipocrisia religiosa que tentam sufocá-la; há também, em todos tempos, regiões tenebrosas onde o príncipe do mal comanda implacável perseguição contra os filhos de Deus. Nestas situações, mais ainda se destaca a marca do amor Cristão. O amor de Deus que possui o Cristão, e o amor que o Cristão possui em resposta ao amor de Deus, são então vistos claramente em todos que professam Cristo; lá estão homens que conhecem seu Salvador, e descansam nEle como quem se assenta em uma pedra da costeira, a qual já testou e verificou ser bem firme, e não teme ante o mar bravio.

Agora, você amado leitor, tema se não testou e não conhece a pedra que é a fé que alega ter e o amor que diz viver pelo Cordeiro Santo. Tema se a boa semente que a Palavra de Deus lança, brota e cresce em seu coração, mas o arvoredo que daí surgiu não produz frutos e inclina-se para a seca. O amor por Cristo não pode ser uma emoção silenciosa escondida nas câmaras secretas de sua alma, do qual você fala apenas em suas reuniões privadas nas quais se encontra com costumeiros amigos um dia da semana, durante a qual cantam hinos e lêem versículos em honra de Cristo Jesus crucificado, sem na verdade honrá-lO em seus corações. Os que assim fazem, atraem para si destruição, rejeitam a Cruz que cantam e da qual ouvem, Cruz a qual deviam não só cantar e ouvir falar, mas também carregar. “E quem não toma a sua cruz e não segue após mim não é digno de mim.”15 Amar a Cristo não é um compromisso social para os domingos, nem é uma maneira de não sofrer mais nenhuma intempérie comum humana, antes, “por muitas tribulações importa entrar no Reino de Deus”16 . Amar a Cristo é negar-se a si mesmo, é uma paixão integral em seu ser, de tal veemente e consumidora energia, que tem de ser visível em todas as ações do crente; tem de ser falada em todas as suas palavras - com realidade e não com um jargão inútil de “gírias cristãs”; e tem de ser vista através dos seus olhos até nos olhares mais comuns. O Amor por Jesus é uma chama sólida que queima e arde, sem se consumir e se constitui no próprio núcleo que une e alimenta todas as outras paixões e motivos daquele que nEle crê; tudo, no Cristão verdadeiro, remete a Cristo, ao amor dEle que o resgatou e ao seu amor pelo seu Redentor. O Amor por Jesus tem de ser o centro magnético que mantêm a unidade e a coesão entre a doutrina bíblica e a constante prática da piedade de todo Cristão, e, assim, com força e explosão cavar seu caminho da alma ao mundo exterior, e emergir com fulgor lá.

O Zelo pela glória do Rei Jesus é o selo e a marca de todo Cristão genuíno.

E porque vivem pelo amor que Cristo tem por sua igreja, a Luz do Senhor refulge neles. Os verdadeiros Cristãos desafiam o mundo, denunciam a carne, anunciam o juízo aos poderosos e aos que tomam o nome de Deus em vão, e o Evangelho aos pecadores, e, assim “são odiados de todos por causa do nome de Cristo”.17 Por causa do amor deles por Cristo, os heróis do Cristianismo passado desafiaram poderes e Estados e, contra o mundo, e contra as gentes, insistiram na pureza da mensagem da Verdade e na pureza da vida Cristã em Santidade; foram, por isso, perseguidos; Jonh Wickliffe, tradutor da Bíblia para o inglês e escritor que denunciava os abusos da Igreja de Roma, foi duramente perseguido, John Huss, lingüista e pregador na Boêmia, o foi pelos mesmos motivos. Foram perseguidos os Cristãos da França e dos territórios próximos, tanto que tiveram de se refugiar nos vales. São, hoje, perseguidos os Cristãos da Índia, os da China, os dos países muçulmanos. Por causa da Verdade, muitos ainda são mortos; assim o profeta Isaías foi serrado ao meio; Estevão foi apedrejado; Tiago, filho de Zebedeu, foi decapitado; Policarpo, discípulo de João, atado a uma estaca, perfurado por espada e queimado. Por Cristo, muitos desistiram da própria vida e dedicaram-se ao Reino de Deus. E, com o sangue desses mártires e heróis, a Igreja foi, e é edificada; assim em todas as épocas, assim ainda hoje.18 Nosso amor por Cristo e pelo Reino de Deus não deve ser menor do que o de cada um desses homens; não deve ser menor nossa operosidade, não deve ser menor nosso esforço em oração e o ódio ao pecado e a falsa doutrina.

Os filhos de Deus são regidos em suas forças mais íntimas pelo Amor – o amor de Cristo os constrange; Ele deu a si mesmo por eles, e eles se regozijam no amor divino que lhes atingiu. Eles conhecem esse amor que verte, abundante como um rio de águas-vivas em seu coração, pelo Santo Espírito de Deus, que é dado a eles, a todos quanto verdadeiramente crêem, a todos que são nascidos de Deus, ainda no primeiro momento da fé que lhes nasce. Não é possível ser Cristão e não ser movido pelo Amor de Deus, não é possível ser Cristão e não ter o Espírito de Deus. Todo aquele que ama é nascido de Deus, todo que é nascido de Deus crê em Cristo e ama os Seus mandamentos, todo que crê em Cristo tem o Espírito de Deus, e isto é dom de Deus à Sua Igreja, para que ninguém se glorie, pois não é para justiça própria do homem, nem para que um crente seja maior que outro, mas para glória de Deus na vida daqueles que Ele justifica em Cristo.19
O amor de Cristo constrange o genuíno Cristão, vida abundante Ele lhe concedeu, Seu Espírito Ele lhe cedeu, e por força dessa infinita gratidão opera o amor a Deus e ao próximo, nesta nova vida gerada do alto, do Pai, pelo Espírito, no sangue da Cruz do Filho; nesta nova vida o amor do Salvador ferve no coração puro do genuíno Cristão – primícia da nova Criação em Cristo.

Meu leitor, você realmente ama a Cristo?
Realmente ama as Suas ovelhas?
Então o faça com toda sua força, toda sua alma e todo seu entendimento, em dedicação e diligência, em orações, súplicas e caridade, sem contendas, inveja ou orgulho, com mansidão e em batalha pela Verdade, em zelo pela Palavra, e em pureza de vida e caminhos. Faça-o, com temor e tremor, segundo a graça do Espírito que opera em nós, pois todo galho que não produz fruto é cortado e lançado no fogo.20

“Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos.”
Primeira Epístola João Capítulo 4 Versículo 9

Algumas referências das Escrituras utilizadas, para estudo:
1 - Evangelho de João Capítulo 3; 2 - Epístola de Paulo aos Gálatas Capítulo 2 Versículo 20; 3 - Primeira Epístola Universal de João Capítulo 4 Versículo 7; 4 - Primeira Epístola Universal de João Capítulo 4 Versículo 7, Epístola aos Hebreus Capítulo 9 Versículo 14, Epístola de Paulo aos Efésios Capítulo 2 Versículo 18; 5 - Evangelho de João Capítulo 3 Versículos 6 e 7, Primeira Epístola Universal de João Capítulo 5 Versículo 1, Evangelho de Mateus Cap. 7 Versículo 21 e Capítulo 12 Versículo 50; 6 - Deuteronômio Capítulo 13, Evangelho de Mateus Capítulo 7 Versículo 21, Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios 13 Versículo 7; 7 - Salmo 31 Versículo 23, Evangelho de Mateus Cap. 22 Versículo 37, Evangelho de Mateus Capítulo 5 Versículo 44; 8 - Epístola de Paulo a Filemon Capítulo 1 Versículos 8 e 9; 9 - Isaías Capítulo 48 Versículo 17, Jeremias Cap. 24 Versículo 7, Primeiro Livro de Reis Capítulo 8 Versículos 60 e 61, Deuteronômio Capítulo 6 Versículos 4 e 5, Levítico Capítulo 19 Versículo 18, Primeira Epístola Universal de João Capítulo 4 Versículo 20; 10 - Evangelho de João Capítulo 3 Versículo 16; 11 - Primeira Epístola Universal de João Capítulo 4 Versículo 19; 12 - Salmo 73 Versículo 25, Salmo 16 Versículo 5; 13 - Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios Cap. 12 Ver. 19, Evangelho de Lucas Capítulo 22 Versículo 26, Epístola Universal de Tiago Capítulo 4 Versículo 3; 14 - Salmo 130 Versículo 6, Habacuque Cap. 3 Versículos 17 e 19, Epístola de Paulo aos Romanos Capítulo 8 Versículos 35 até 39; 15 - Evangelho de Mateus Capítulo 10 Versículo 38; 16 - Atos dos Apóstolos Capítulo 14 Versículo 22; 17 - Evangelho de Mateus Cap.10 Versículo 22 e Cap. 24 Versículo 9 Evangelho de Lucas Capítulo 21 Versículo 17; 18 - Gênesis Capítulo 4 Versículo 10, Apocalipse de João Capítulo 6 Versículo 10 e Capítulo 11 Versículos 3 até 13; 19 - Epístola de Paulo aos Efésios Capítulo 1 Versículos 13 e 14, Evangelho de João Capítulo 7 Versículos 37 até 39; 20 - Evangelho de Mateus Capítulo 3 Versículo 7 e Capítulo 7 Versículo 19, Evangelho de Lucas Capítulo 13 Versículo 6 até 9, Evangelho de João Capítulo 15 Versículo 2 até 8
Autores consultados: C.H.Spurgeon, A.W.Tozer, Mathew Henry, dentre outros.