Milagres! - Parte 1

Um mundo científico e racional?

Vivemos em uma época onde agrada aos homens classificarem-se como modernos, racionais e científicos. É uma época na qual todos pedem provas de tudo, onde todos querem explicações racionais. Seguindo o espírito desta época, muitos têm se voltado contra o Cristianismo, dizendo que a Bíblia não oferece provas suficientes, nem mesmo explicações racionais do que ela diz. Infelizmente, estas pessoas não percebem que a base deste pensamento a favor da racionalidade e a condição necessária para a existência de provas estão na própria religião Bíblica a qual tentam contradizerfora da explicação bíblica que põe a causa da racionalidade humana na imagem de Deus impressa na alma do homem [Gênesis 2:7], não há sequer racionalidade verdadeira a qual se apegar. Na série A Incapacidade Científica, abordamos este assunto mais profundamente. Como pudemos aprender nesta já publicada série, é uma situação muito triste usar a base do pensamento Cristão (sem saber que se está fazendo isto), e tentar tornar esta mesma base de pensamento contra a própria Bíblia, sendo que esta é a sua origem. É triste e ridículo, porque mostra a fragilidade do indivíduo contemporâneo, mostra quão grande é a sua ignorância ao mostrar-se arrogante e certo em uma discussão sobre um assunto que mal compreende. Imagine como seria ridículo para um mecânico profissional ter de suportar os palpites de uma criança qualquer, com seus oito anos de idade, uma criança que nunca desmontou nem seus carrinhos de brinquedo mas que, por ignorância e imaturidade, teima em ter certeza sobre todos os detalhes do automóvel de seu pai (e isto, por causa de umas poucas palavras que o próprio mecânico lhe dissera). É exatamente assim que o espírito desta época leva as pessoas a se portarem em relação à religião – sem nenhum conhecimento de Teologia e Filosofia, elas ousam discordar de grandes gênios da antigüidade (e de grandes gênios do último século também) e ousam inventar suas próprias concepções religiosas, sem base alguma. O que ocorreria se todos se portassem assim em relação à Biologia? Imagine quão bizarro ver homens falando:

- Eu não acredito em células e mitocôndrias! Eu tenho estudado por minha conta, no meu tempo livre, os livros de segundo grau do meu filho e encontrei meu próprio conceito de Biologia com o qual eu tenho me sentido muito bem. Eu acredito até que exista um Sistema Nervoso, mas ninguém me convenceu que existam células. Decidi-me, inclusive, parar de tomar remédios feitos por médicos que crêem em células.

Qual a resposta que o espírito moderno inventou para este meu exemplo? Eles dizem:

- Não. A Biologia não é assim porque é uma ciência. Mas religião não é ciência; a religião não é baseada em fatos, mas somente na fé.

Cuidado! Esta é a armadilha do pensamento viciado do modernismo e do pós-modernismo – ele finge que não tem uma filosofia própria, finge que é imparcial, mas na verdade esconde a filosofia a que adere, esconde a parcialidade com que o método científico pode ser usado e com que estas idéias da modernidade foram concebidas. A Teologia e a Filosofia são ciências tão nobres e (apesar da redundância) tão científicas quanto a Biologia e a Matemática. Na verdade, sem Teologia e Filosofia não haveria Biologia nem Matemática, porque o método científico em si, assim como a forma da articulação das idéias e os pressupostos de todas as outras ciências, provém da Teologia e da Filosofia. Quando nos imaginamos no lugar daquele homem hipotético, que tem a sua própria concepção de Biologia, e quando repensamos o espírito moderno por este ângulo, percebemos que esta ideologia não é tão racional e científica assim. Claro, os defensores deste espírito repetem aquela mesma resposta que deram acima, eles a repetem levemente modificada:

- Uma célula é objetiva, pode ser observada pelo microscópio, ninguém pode duvidar que ela exista!

Ao que, repondo:

- Ela é objetiva para um observador informado, com o instrumento adequado. E, ainda assim, ela só é uma célula porque alguém a denominou assim. Para alguém que não tenha ou não esteja usando sua visão, ou para quem não tem ou não use um microscópio, ou para quem possui uma outra fonte de informações, a célula não é tão óbvia ou objetiva assim. Ademais, mesmo a observação da célula não prova nada exceto que a observação ocorreu.

Como foi explicado na série A Incapacidade Científica, o método científico empírico tem, em si, uma grande falha lógica. Por isso, muito me alegro que você, amado leitor, destacou-se da multidão que caiu na armadilha do pensamento modernista e começou uma jornada que pode levá-lo aonde você jamais imaginou: se você não desfalecer, nem desanimar, mas investigar tudo o que for apresentado aqui, com insistência e cuidado, você estará caminhando para conhecer ao Deus Criador do Universo, conforme Ele mesmo estará trazendo você à Verdade. Como diz a Escritura Sagrada: quem de si mesmo ousaria aproximar-se de mim? [Jeremias 30:21].


Surge o Conflito

Este mundo que se diz racional e científico (mas que em verdade não o é), encontra seus primeiros conflitos com a religião Bíblica quando, ao passar pelos textos da Escritura, se depara com o que chamamos de Milagre. A moral da Escritura é razoavelmente tolerada pelo mundo moderno, a sabedoria da Escritura é bem-vinda pelo mundo moderno, mas os Milagres da Escritura e a Soberania do Deus da Escritura são completamente rejeitados pelo mesmo mundo moderno. Do faça-se a Luz em Gênesis, passando pelo nascimento virginal de Cristo e estendendo-se até ao Apocalipse, o mundo não aceita quando a Escritura diz que Deus opera com a realidade da maneira como Ele quer. Por isso, o desejo comum deste mundo é cortar a Bíblia em partes, jogar fora as referências à Majestade de Deus fora, e usar a sabedoria e a moral bíblicas em proveito próprio. Porém a própria Escritura Sagrada não permite isto: se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro [Apocalipse 22:19]. E, pelo contrário, a Escritura diz: Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra [2 Timóteo 3:16.17]. É, portanto, por causa daquela mesma ignorância, da qual já falamos, que um homem pensa que há algum sentido em aceitar as partes da Escritura que não apresentam Milagres (ou onde a Soberania de Deus não se mostra tão óbvia), enquanto rejeita as outras. Esta, contudo, não é uma ignorância desculpável e sem malícia, pois estas duas doutrinas que causam temor e rejeição são duas doutrinas poderosas – juntas, elas asfixiam até a morte o espírito moderno em todas as suas atuações; apagam, explicam e respondem todas as suas alegações. Perceba, por exemplo, que a Soberania de Deus (que é a justificação dos Milagres na Escritura) corta a raiz de todas as religiões centradas no homem e de todas as formas de pensamento centradas no homem. Como o espírito moderno é totalmente centrado no homem, o entendimento da Soberania de Deus desfere-lhe um golpe mortal. Mas o que é a Soberania de Deus? É o ensino de que Deus é governante absoluto do Universo – Ele é a causa primária de tudo o que ocorre no Cosmos e o sustentador de todas as coisas. Nada acontece fora da Vontade de Deus e tudo o que Deus deseja, Ele faz. Esta afirmação – de que Deus é o governante absoluto de todas as coisas – causa dois conflitos específicos quanto ao espírito moderno, no deslocar do eixo da existência dos homens para Deus:

1) O espírito moderno, como já citei, em lugar de ser imparcial e oposto à religião como alega, na verdade é comprometido com noções Teológicas e Filosóficas contrárias às do Cristianismo, noções ligadas ao Paganismo, dentre as quais se destaca o chamado Naturalismo. Assim, para o espírito moderno, a questão não é ser científico ou não, mas ser pagão ou não! Como a Bíblia definitivamente não é pagã, então ela é constantemente atacada. Esta forma oculta de paganismo no modernismo é centrada no homem, pois ao fabricar milhares de deuses falsos e fracos (como eram os deuses pagãos), os homens encerram por não reconhecerem e não se submeterem ao Deus Verdadeiro (e, sem reconhecer e se submeter ao Deus verdadeiro, o homem pensa poder reinar absoluto como seu próprio deus, evocando esquemas e poderes que manipularão aqueles milhares de deuses falsos e fracos). Por isso, o homem moderno pensa que pode criar sua própria religião – ele tem esperanças de ser o seu próprio deus.

2) O espírito moderno, dentro destes seus comprometimentos, está aliado também ao Empirismo. Conseqüentemente, a questão contra a Bíblia, mais uma vez, não é se ela é científica ou não, mas se ela apóia o Empirismo ou não. O Empirismo é completamente centrado no homem e é uma peça chave no arcabouço filosófico que o homem moderno usa para tornar-se a si mesmo em um deus, já que o Empirismo reza que o Universo só pode ser desvendado e compreendido através do uso das faculdades mentais humanas na análise daquilo que os homens compreendem em seus cinco sentidos.


O Problema do Naturalismo

Voltemos-nos à primeira das duas questões propostas: o problema do Naturalismo. Primeiro, vamos entender o que é este Naturalismo que o espírito moderno tenta nos vender apressadamente. Atente bem para esta questão do Naturalismo, porque o espírito moderno apresenta constantemente este produto filosófico, e sempre insiste muito que não o examinemos, desvia-nos com toda sorte de conversas e sempre repete o slogan de que seu produto já funcionou com muita gente antes e não precisaria ser testado de novo. Pois bem, este tal produto filosófico de segunda mão chamado Naturalismo é a crença de que o Universo é um grande relógio que funciona sozinho e que desenvolve suas próprias peças de reposição e ampliação. Para o Naturalista o Universo é um grande robô, cego, mecânico, determinado a seguir certos rumos previsíveis de ação. O Universo do naturalista está aprisionado por suas próprias leis e criações, é uma vítima de si mesmo em um processo infindável e cíclico de desconstrução e reconstrução. Vê-se que este é um conceito tipicamente pagão. Os deuses hindus, segundo a mitologia deste povo, viviam em um Universo exatamente como o Universo do Naturalista – um Universo que funcionava sozinho, como um relógio, como um moinho puxado por animais. Os deuses gregos, segundo a mitologia deste povo, também eram apenas atores em um palco Universal que não dependia deles. Tanto os deuses gregos quanto os deuses hindus estavam sujeitos a Natureza e obrigados a operar de acordo com determinadas leis: ao deus das tempestades, por exemplo, não era permitido comandar sobre vulcões; e sobre todos estes falsos deuses, dominava a concupiscência de suas paixões. A própria palavra natureza, em sua origem romana, traz em si o sentido de autonomia – no latim, natura significa nascido, o que remete à idéia de algo que brota por si mesmo; em grego, physis está ligado a crescimento, remete ao brotar da semente, o crescimento da planta. Em ambos os casos, a idéia pagã de natureza se expressa e tenta se referir a algo que ocorre de si mesmo, espontaneamente. Na Escritura Sagrada, no entanto, a linguagem Semítica se refere ao Universo como Criação (não como Criador ou co-Criador, não como espontâneo) fazendo uma clara distinção entre Aquele que governa o Universo e a Criação que é governada por Ele, e deixando claro que esta Criação não brota ou cresce por si mesma. Na Bíblia, nenhuma palavra semelhante a natureza nunca é usada para se referir ao Universo ou às supostas leis que o regem. Perceba que esta diferença crucial de conceitos faz com que qualquer discussão de um tema mais complexo seja inútil. Por exemplo, quando um descrente diz que a Escritura Sagrada não poderia ter sido inspirada por Deus, sua crítica real não é voltada contra o texto da Escritura mas contra a idéia de que Deus governa sobre o Universo. Se a discussão prosseguir nos termos do descrente, ele conduzirá os argumentos sempre no sentido de provar que Deus não interfere no Universo. Por causa desta concepção inicial errada a discussão inteira será inútil, até que o descrente compreenda que é absurdo discutir sobre a interferência de Deus, quando, na Verdade, Deus permanentemente governa sobre todas as coisas. Desta forma Deus é o poder que causa e sustenta todos os livros do Universo, e não só a Escritura. Na Escritura a diferença não está na quantidade de governo exercido por Deus, mas na quantidade de Verdade que Ele determinou que o autor expressasse ao escrever.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 5



Na última edição, iniciamos nosso estudo da Segunda Epístola Universal de São Pedro, pela qual vimos, dentre outras questões, que a expressão últimos dias, na Escritura, refere-se a tempos de julgamento quando Deus desfere um poderoso golpe na ordem corrupta e pecaminosa então presente, e revela a Glória de Seu Filho de forma cada vez mais clara. Quanto aos contextos examinados, os últimos dias são uma referência ao evento escatológico mais importante de toda a História, os dias da encarnação, morte e ressurreição de Cristo e do estabelecimento de Sua Igreja. De certa forma todos os julgamentos contra as nações ímpias são uma sombra deste julgamento, da mesma forma como todas as libertações que o povo de Deus recebe são uma sombra da liberdade conquistada na Cruz. Isto não significa que cada texto da Escritura tenha mais de um sentido verdadeiro (o que seria uma violação da hermenêutica, ou seja da regra de interpretação bíblica, explicada na Edição 17), mas que, muitas vezes (especialmente nas profecias) o Espírito Santo inspira o escritor a usar elementos verdadeiros da cultura e história próximas ao seu tempo para falar sobre um evento futuro que não poderia ser plenamente compreendido nem pelo próprio profeta [cf. 1 Pedro 1:12]. Esta linguagem e perspectiva profética nos ensina que Deus age de maneira ordenada sobre Sua Criação, regendo a História de uma forma regular e compreensível – e nisto há grande consolo para todos os Filhos Seus, pois é através desta filosofia da história bíblica que compreendemos que não importam quão negras as trevas da impiedade pareçam, nem quão atrozes e enganadores sejam os anticristos a atacar a Igreja - o Senhor permanece para sempre sobre o trono e o dia da vingança não tarda a vir sobre os ímpios. É por este motivo que o fim da História no Segundo Advento de nosso Senhor é profeticamente próximo e, muitas vezes, até sobreposto ao Primeiro Advento nas profecias do Velho e do Novo Testamentos.

Prosseguiremos agora com a parte do estudo que outrora realizávamos.

E nos Últimos Dias virão escarnecedores...

Como foi comentado na abertura desta edição, há um paralelo notável entre as diversas profecias que falam do Primeiro e do Segundo Adventos de nosso Senhor. Encontramos este paralelo, por exemplo, dentro da seção da Segunda Epístola de São Pedro e dentro do Discurso Escatológico de nosso Senhor Cristo Jesus nos Evangelhos. Tanto a Epístola de São Pedro, quanto o Discurso Escatológico, tratam dos mesmos temas, usam as mesmas figuras e profetizam os mesmos eventos (as conseqüências da Primeira e da Segunda Vindas). Infelizmente, muita confusão foi lançada sobre a interpretação do Discurso Escatológico, e, por isto, na Edição 22 iremos analisá-lo em seus pormenores dentro de uma Harmonia dos Evangelhos que será aqui apresentada. Parte desta confusão é devida à disseminação de intérpretes futuristas e dispensacionalistas, que consideram os textos contidos no Evangelho de São Mateus, Capítulo vinte e quatro; no Evangelho de São Lucas, Capítulo vinte e um; e no Evangelho de São Marcos, Capítulo treze como referindo-se apenas a eventos futuros. No entanto, quando olhamos para a História da Igreja, desde São Policarpo no século I até João Calvino e John Owen nos séculos XVI e XVII, vemos que a posição destes homens era outra. Estes textos escatológicos eram vistos como, em parte falando especificamente da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., (o que para nós é passado), e, em parte, falando especificamente da volta de Cristo (um evento futuro). Há, no entanto, certa controvérsia quanto a quais partes dizem respeito especificamente a quais eventos, ainda que haja concordância quanto ao fato de que mesmo as partes passadas são valorosas para nós quanto ao conhecimento da Providência de Deus e de Seu cuidado, e como instrução para Cristãos que enfrentem situações semelhates. É importante, contudo, ter-se cuidado ao extrair os ideais e aplicações destes textos - relembrem-se sempre daquelas pequenas regras da Edição 17 para evitar ler no texto algo que seu autor original jamais intencionou.

Prosseguindo a exposição destes textos, notemos as palavras, simples e diretas, de nosso Mestre no Evangelho de São Mateus: e esta geração não passará até que se cumpram todas estas coisas [cf. Mateus 24:34]. Aquela presente geração, os homens vivos daquela época, presenciariam “todas estas coisas” - o fim dos tempos da Velha Aliança, a destruição terrível que caiu sobre Jerusalém, o nascimento da Igreja e a ascensão de Cristo. É para seus discípulos que Cristo faz o discurso no Monte das Oliveiras e é também para eles que nosso Senhor adverte:

Acautelai-vos, que ninguém vos engane; Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos... Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.... Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que estiverem no meio da cidade, saiam; e os que estão nos campos não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. Mas ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias! Porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem... Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.” [Mateus 24:4-5,24; Lucas 21:20-24]

Portanto, como se pode claramente notar, tanto o cerco de Jerusalém, quanto a fuga para os montes, bem como os falsos cristos e falsos profetas, são sinais para aquela geração. Conquanto não possamos agora examiná-los aqui (espero fazê-lo, como disse, ao terminar a exposição da Epístola de São Pedro) isto já é o bastante para compreendermos a referência e o modo de interpretar o que o Apóstolo Pedro escreveu pois, igualmente, o foco principal de seu texto é o julgamento de Jerusalém e os falsos cristos e falsos profetas que serão abundantes nesta época – enganados por estes falsos mestres e enganadores com eles, frios em seu amor pela Palavra, ali estão os escarnecedores que perturbam os Cristãos Judeus da dispersão, conforme preditos por Cristo Jesus.

Os textos do Antigo Testamento

Como já citei, esta presente exposição está longe de ser uma novidade teológica, ao passo que é filha dos trabalhos dos primeiros reformadores e de grandes Puritanos como o já citado John Owen. Faremos agora como estes homens (que eram profundamente conhecedores da Escritura e possuíam uma acurada capacidade de interpretá-la e explicá-la) nos ensinaram a fazer, e uma vez mais, buscaremos que a própria Escritura fale sobre seus textos mais difíceis através dos seus textos mais claros. Como há um paralelo entre o Discurso Escatológico e o texto de São Pedro, há também uma continuidade entre as profecias messiânicas do Velho Testamento e estes textos proféticos do Novo. Invariavelmente, quando um autor neotestamentário fala de algum aspecto do Reino Messiânico ainda não plenamente apreendido pelos seus leitores, ele o faz usando um texto do Velho Testamento. Quanto a nossa busca por identificar os escarnecedores citados na Segunda Epístola de São Pedro, ele nos diz que devem ser identificados tanto no ensino de Cristo Jesus quanto nos profetas [2 Pedro 3:2]. Há uma referência no livro do Profeta Isaías que é citada no Novo Testamento duas vezes pelo Apóstolo Pedro [Atos 4:11; 1 Pedro 2:6] e que avisa sobre a existência de notáveis escanecedores no Tempo do Fim. É o Capítulo 28 do livro do referido profeta Isaías, onde podemos ler nos versículos 14 até 16 que homens escarnecedores dominariam sobre o povo que está em Jerusalém no tempo em que Deus enviaria uma pedra preciosa, angular, na qual tropeçariam e pela qual seriam derrubados. Estes escarnecedores pregariam a mentira [Isaías 28:15] e escravizariam os judeus com preceitos sobre preceitos [Isaías 28:13]. Eles seriam advertidos (conforme ocorreu do tempo do Pentecostes até a execução do Juízo na destruição de Jerusalém) por línguas estranhas [Isaías 28:11], mas mesmo assim não temeriam e se considerariam seguros, pensando que a ira de Deus anunciada por Cristo não viria sobre eles [Isaías 28:15]. A admoestação final deste trecho de Isaías é uma base clara da profecia de São Pedro: Agora, pois, não mais escarneçais, para que os vossos grilhões não se façam mair fortes; porque já do Senhor, o SENHOR dos Exércitos, ouvi falar de uma destruição, e esta já está determinada sobre toda a terra [Isaías 28:22]. No início desta edição foi explicado como os profetas usualmente falam de algo que é verdadeiro sobre seu tempo ou sobre um tempo próximo do seu quando, porém, o Espírito lhes revela algo de um tempo ainda bastante distante. Chamamos isto de tipo, uma prefiguração de um evento cósmico vindouro na História da Redenção. Esta profecia do Livro de Isaías é um excelente exemplo disto: o que é dito aqui é verdadeiro a respeito do ataque dos Assírios à Israel, que ocorreria em 740 a.C., porém, como vemos a partir do uso que os Apóstolos fazem do texto [cf. 1 Coríntios 3:11;14:21-22; Romanos 9:33;10:11; Efésios 2:20; 1 Pedro 2:4-8] o que está sendo especificamente profetizado aqui é a Vinda do Cristo Jesus, o conseqüente juízo contra a escarnecedora Israel Apóstata e a revelação da Israel Espiritual na Igreja Neotestamentária através da Nova Aliança. Exatamente o mesmo tema que o Apóstolo Pedro trata em sua Segunda Epístola. Até mesmo a linguagem é semelhante: veja que o profeta Isaías prediz a destruição que virá sobre toda a terra. O Apóstolo igualmente fala de uma destruição vinda sobre toda a terra. Em nenhum dos dois casos a referência específica é o mundo inteiro, mas sim toda a terra de Jerusalém. Isto fica óbvio se olhamos para o tipo realizado da profecia – o exército Assírio não destruiu a criação inteira, mas somente a Terra de Israel. O próprio Apóstolo dá mais uma evidência disto quando, sobre o dilúvio, diz: pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água [2 Pedro 3:6]. Sabemos que não foi a criação inteira que pereceu no dilúvio, mas somente a geração má e adúltera que recusou a pregação de Noé, pregação esta que o Apóstolo considerou ser ação do próprio Cristo, em Espírito [1 Pedro 3:19-20] .

Sejamos nisto admoestados para que ouçamos ao Senhor que nos fala e nos chama a obedecê-lO. Se grande foi a Sua Ira contra o povo da época de Noé, e grande foi a Sua Ira contra o povo de Israel, porque recusaram a ouvir quem, divinamente, os advertia – muito menos nós, sobre quem veio tão grande Graça e tão maravilhosa e clara Revelação em Cristo Jesus, devemos nos desviar dAquele que, pela Escritura, desde os céus nos adverte [cf. Hebreus 12:25]. Temamos e tremamos ante o poder de Deus e ante o Seu chamado que temos recebido, para sermos Santos e Irrepreensíveis nEle, em Amor.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 4

Na última edição, observamos que a Escritura nos dá três sinais principais que precederão a volta de Cristo, e que, portanto, este evento escatológico não é iminente. Os três sinais são:

1) A Evangelização dos Gentios;

2) A Evangelização dos Judeus;

3) A Ira de Satanás.

Foi apresentado, como prova para a não iminência, alguns versículos destacadamente da Segunda Epístola Universal de São Pedro e textos do Discurso Escatológico de Cristo, nos Evangelhos. Iremos, a partir desta edição, deixar que o texto destas porções da Escritura falem por si mesmos e sejam expostos em seus devidos contextos, conforme o Espírito de Deus, que os inspirou, igualmente determinou que fossem entregues aos seus primeiros destinatários na Igreja Primitiva. Esta, conforme o entendimento dos Puritanos e Reformados, é a forma ideal de aprendermos da Escritura e evitarmos que idéias pré-concebidas contaminem nossa leitura do texto. Iniciemos, pois, com a Segunda Epístola Universal de São Pedro.


O Contexto da Carta e o Primeiro Capítulo

Esta epístola foi escrita pelo Santo Apóstolo Pedro, provavelmente não de próprio punho, mas com o auxílio de seus discípulos, já no fim de sua vida [2 Pedro 1:14]. Como tal, a intenção de Pedro é legar à Igreja uma forte arma para exortar-la à prática da piedade e para forte condenação dos falsos mestres [2 Pedro 1:15]. O Apóstolo concentra-se aqui em um tipo especial de falso ensino: aquele que se baseia na Graça e Soberania de Deus para buscar escusa para pecar. Não é, entretanto, esta a única intenção da carta. Mas, provavelmente pela insistência destes hereges, São Pedro combate repetidamente estes libertinos, exaltando a completude do dom de Deus para Salvação – os eleitos do Senhor, quando chamados pela pregação do Evangelho, confirmam a veracidade de sua eleição Eterna através da diligente obediência a Cristo [2 Pedro 1:10]. Com isto o Apóstolo demonstra que os hipócritas, cuja profissão de fé é falsa e superficial, enfrentarão a mais terrível ira de Deus.

O Apóstolo expande a visão deste conflito entre os falsos mestres ímpios e os santos de Deus, eleitos e chamados, demonstrando a crescente intrusão das Eternas Perfeições de Deus na pecaminosa realidade temporal humana e, centralizado na Redenção em Cristo, São Pedro descreve este agir de Deus na História.

A certeza do Evangelho é confirmada, segundo o Apóstolo, por esta constante ação de Deus sobre o mundo. Primeiro, na comprovação da promessa da Velha Aliança por Cristo, através do testemunho da Glória revelada nEle no Monte da Transfiguração [2 Pedro 1:17], depois, na Palavra da Escritura que eternamente testemunha a revelação de Cristo – sendo, portanto, a mais completa, perfeita e derradeira Profecia [2 Pedro 1:19]. A Escritura, portanto, confirma o testemunho dos Apóstolos e permanece na Igreja após a morte deles [2 Pedro 1:14] como firme fundamento para a esperança que São Pedro anuncia ser a base do impulso Cristão de negação do mundo – a esperança da volta de Cristo - vividamente representada na transfiguração que o Apóstolo testemunhara e da qual a Escritura testemunhará perpetuamente. Além disto, a suficiência e perfeição da Escritura, bem como o anúncio da Eterna Glória dado no Monte da Transfiguração, apontam para a presente realidade da Igreja, onde Cristo já habita em Glória, e onde Sua futura parousia já é vivida [1 Pedro 1:3,4].

Os destinatários originais desta Epístola escrita pelo Apóstolo da Circuncisão [Gálatas 2:8] são os Cristãos Judeus na dispersão [1 Pedro 1:1]. São chamados, no prefácio da Primeira Epístola, de estrangeiros, pois verdadeiramente o são, uma vez não estão na própria terra. Com isto, o Apóstolo intenta também fazê-los recordar o estado de todos os Cristãos – estrangeiros nesta vida, peregrinando rumo à Jerusalém Celestial. O fato da presente ordem ser temporária é usado como ponto de partida para incentivar o dever de meditar-se e desejar-se aquilo que é Eterno e de desapegar-se daquilo que é temporal e corrupto [1 Pedro 1:14;2:5;3:7-17]. É nisto que os Cristãos Judeus deviam se apoiar para suportar as perseguições e tentações às quais eles estavam constante e excesivamente expostos. É importante compreender a situação destes Cristãos Judeus, que enfrentavam, em crescente grau:

1) a perseguição por parte do Império Romano, por serem Cristãos;

2) a perseguição por parte dos seus próprios parentes e dos poderes políticos judaicos por terem “desertado” da nacionalismo religioso dos Judeus;

3) as tentações das seitas judaizantes que, fingindo-se discípulos do Apóstolo Pedro, diziam oferecer a reconciliação entre os Judeus e o Cristianismo (quanto a doutrina que pregavam, era a heresia de que os sacramentos do Velho Testamento e as superstições judaicas eram parte do Evangelho);

4) as tentações das seitas libertinas que, fingindo-se discípulos do Apóstolos Paulo, diziam oferecer a reconciliação entre os costumes gentios e o Cristianismo (pregando a heresia de que, como a Salvação é pela Soberana Graça de Deus, o homem salvo poderia ser indulgente e cometer diversos pecados sem, com isto, ofender ao Senhor).

Assim, este era um tempo trabalhoso para estes Cristãos, de tão maior tribulação quanto a que podemos imaginar.


O Capítulo Três

A completude do dom de Deus em Cristo, na perfeição da Escritura e na Santificação do Crente (conforme anunciado no Capítulo Um) é aplicado, no Capítulo Dois, para explicar que os falsos mestres nunca foram verdadeiramente Cristãos e, como a natureza deles jamais foi mudada, seus pecados os escravizavam ainda agora [2 Pedro 2:22]. A habitação do pecado nos falsos mestres, trará sobre eles o salário do pecado, que é a morte [Romanos 6:23], com repentina destruição, da mesma maneira como Deus já fizera com os falsos profetas e os anjos caídos. Então, a carta atinge o clímax ao tocar a realidade escatológica no Capítulo Três. Nos primeiros versículos deste capítulo, o Santo Apóstolo Pedro novamente exalta a necessidade de se ter uma impressão mental vívida das palavras da Escritura. Ele novamente evoca os Profetas e os Apóstolos e faz referência aos Evangelhos [2 Pedro 3:2] evidenciando, claramente, o conjunto do Cânon da Escritura que, então, Deus estava providencialmente completando para a fundação de Sua Igreja.

Admiremos e imitemos a alta estima que o Espírito inspira São Pedro a expressar acerca da Palavra de Deus! Ela é exaltada sobre o extinto ofício de profeta [cf. 2 Pedro 1:1,19;3:2]; ela é honrada como fiel ensino dos Apóstolos; ela é a portadora das Palavras de Cristo Jesus; ela é o único guia a se recorrer para que a fidelidade da promessa do Senhor seja preservada quando o falso ensino ataca a congregação. Enquanto o bom servo de Cristo recorre às Escrituras, os malditos e escarnecedores recorrem aos seus próprios desejos [cf. 2 Pedro 3:3]. Esta evocação à toda a Escritura feita no Versículo Dois do presente capítulo, evocação do Velho e Novo Testamentos em conjunto, mostra também o cuidado de Pedro ao se aproximar de um tema complexo. É como se ele estivesse dizendo: Perseverai nestas coisas com vigilância e oração, pois são coisas difíceis de entender, para as quais devemos ter o conhecimento da Escritura e a sabedoria que o Espírito de Deus pode nos conceder. Tirai a sandalha de vossos pés, humilhai-vos em vosso espírito e não torçais o que Palavra nos diz. Ao assim procederem, podereis resistir ante as mentiras dos falsos mestres que perturbam a paz em vosso meio.

Temos, antes de prosseguir, de ter cuidadosa atenção (conforme recomendada pelo amado Apóstolo) e de compreender duas questões que nos darão a chave para a última porção deste Capítulo, onde somos instruídos quanto aos temas que temos abordado neste periódico:

1) O que são os últimos dias, referidos no Versículo Três?

2) A quem se refere a citação feita de escarnecedores com o seus escárnios?


Passemos, então, a analisar estas duas questões:


Os Últimos Dias

Na Primeira Epístola Universal de São Pedro, Capítulo Um, Versículo Vinte, podemos ler a seguinte afirmação: “[o sangue de Cristo], conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”. Podemos entender, portanto, que Cristo foi manifestado ao mundo no fim dos tempos. O Santo Apóstolo Pedro nos confirma que é exatamente este o seu pensamento, quando, na ocasião do Pentecostes, cita a profecia do Livro de Joel, aplicando-a ao Pentecostes, profecia esta que diz: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne” [Atos 2:17]. Portanto, para São Pedro, a manifestação de Cristo define o que são os últimos dias e o fim dos tempos. Como pode a manifestação de Cristo ser um sinal dos últimos dias? Exatamente porque o que se tem em vista nesta expressão, usualmente, é que os últimos dias são um julgamento que Deus perpetra. Podemos perceber isto no contexto do Capítulo Dois do Livro do Profeta Joel, onde o derramar do Espírito é seguido por sangue, fogo e colunas de fumaça e pelo sol se convertendo em trevas, e a lua, em sangue ao que se seguirá o grande e terrível Dia do SENHOR [Joel 2:30,31]. Por isto, em outras partes, o período dos últimos dias também é chamado o fim ou a consumação dos séculos [1 Coríntios 10:11, Hebreus 9:26] e é usado em oposição aos dias da Velha Aliança, como exortação para que os Cristãos percebam que aquela época em que eles viviam eram os últimos dias [1 João 2:18; Judas 18; 1 Coríntios 10:11]. Por isso nos é dito no Evangelho:E, por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito a meu filho” [Mateus 21:37]. Deus enviou por último, nos últimos dias, Seu próprio Filho, como última chance de redenção aos maus lavradores de Sua vinha [Mateus 21:33]. Porém, eles O mataram. “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Dizem-lhe eles: Dará afrontosa morte aos maus, e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo Lhe dêem os frutos” [Mateus 21:40,41]. Assim Deus executou um julgamento sobre Jerusalém, pondo fim aos dias da Velha Aliança e entregando a vinha a lavradores que Lhe dêem os frutos. Portanto, o julgamento sobre Jerusalém é também o fim dos dias do paganismo, pois todas as nações da terra são agora a vinha do Senhor, todas as nações são chamadas no Evangelho para serem lavradores da vinha [Isaías 2:2]. É este mesmo o fim do tempo em que Satanás era livre para enganar todo o mundo [Apocalipse 20:1,2]. É este mesmo o fim dos rudimentos do mundo – conforme a Escritura chama tanto o judaísmo quanto o paganismo [Gálatas 4:9, Colossences 2:20]. Os últimos dias, portanto, podem ser compreendidos como especificamente os dias da fundação da Igreja, o fim do estado religioso Judeu, o fim do domínio dos pagãos [Gênesis 49:1; Números 24:14; Miquéias 4:1; Isaías 2:1]; dias tais que vieram acompanhadas de grandes perseguições, dores e tribulações, de grandes sinais nos céus e na terra. Naqueles últimos dias, a realidade espiritual do novo céu e da nova terra onde habita a justiça, ou seja, da nova criação que é a Igreja de Cristo, irrompe no mundo e abala todas as fundações e estruturas existentes [Hebreus 12:26-27]. Por isso o Velho Testamento, quando fala do julgamento sobre Jerusalém e do surgimento da Igreja, usa uma linguagem altamente simbólica e impressionante, para que a grandeza do que ocorreu naqueles últimos dias seja apercebida por nós que vivemos ainda o “assentar da poeira” daqueles eventos cósmicos e a sombra dos últimos dias. Tantos são os versículos e textos que reafirmam esta definição que se poderia expor de Gênesis a Apocalipse sobre a realidade desta escatologia bíblica. E mais, afirmo que simplesmente você não encontrará na Escritura nada que diga que os últimos dias se referem exclusivamente ao tempo do fim do mundo, mas sim, específicamente ao tempo da fundação da Igreja e às conseqüências desta fundação. E isto é muito importante para compreendermos a presente e a futura vitória da Igreja de Cristo e para nos maravilharmos e glorificarmos ao Senhor pela inenarrável grandeza da presente realidade espiritual da Igreja.


Desdobramentos desta compreensão

Ao olharmos para o aspecto realizado da escatologia, conforme começamos a evidenciar no contexto da Segunda Epístola de São Pedro, então o propósito de Deus na História se torna mais claro para nós, assim como a verdadeira natureza da Igreja. Nosso Senhor e Salvador Cristo Jesus deixou a Glória inefável dos ceús e suportou a humilhação na terra, Ele sofreu as dores que eram nossas e morreu na Cruz pelos nossos pecados [Filipenses 1:5-8; Isaías 53:5-7]; e o SENHOR se agradou de moê-lO pois a vontade do SENHOR prosperará nas Suas mãos [Isaías 53:10] – este Sacrifício único e inigualável, o sangue Santo do Filho de Deus, como só Ele é digno, venceu o poder do reino das trevas. A hora do julgamento deste mundo e da expulsão do seu príncipe [cf. João 12:31] se fez presente no advento de Cristo e agora, pela Cruz, Ele atrairá todos os povos para Si [cf. João 12:32; Gênesis 49:10]. Nosso Senhor completou o penoso trabalho de Sua alma, para justificar a muitos com o Seu conhecimento [Isaías 53:11] e, de então até o final da História, todas as coisas cooperarão para a Glória dEle, para provê-lO daquilo que Ele comprou com Seu Sangue, a saber: a Sua Igreja [cf. Atos 20:28; 1 Coríntios 6:20]. A cada novo ato da justiça Divina, mais e mais glória é dada ao Senhor: tanto mais glória Ele recebeu quando Jerusalém foi julgada pelo sangue dos profetas; tanto mais glória Ele recebeu quando o Império Romano foi julgado pelo sangue dos mártires; tanto mais glória Ele recebeu quando a Igreja Romana foi abalada pela Reforma Protestante, e quanto mais glória Ele receberá quando Sua Igreja, segundo o Espírito deseja e opera, conquistar-Lhe homens de toda raça, tribo, povo e nação! Povo de Deus, atentai para o que somos, atentai para o que Cristo comprou para Si, atentai para o infinitamente alto preço que pagou! Vivamos conforme a veracidade de nosso chamado, conforme a eleição de que fomos alvo, glorificando ao Senhor diligentemente com o testemunho de nosso amor pelo Evangelho, para que todos os povos da terra conheçam que a mão do SENHOR é forte [Josué 4:24] e que a Cristo Jesus, nosso Senhor, já foi dado todo o poder e autoridade no céu e na terra, para fazer discípulos de todas as nações! [cf. Mateus 28:18].

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 3

O que é apostasia?

Há duas edições tenho falado de falta de esperança, de uma crença que tomou de assalto a Igreja, uma crença de que o amanhã é incerto e tenebroso. Isto é comum em todas épocas de apostasia – e é isto que estamos vivendo hoje. Uma época de afastamento, uma época onde a verdadeira religião está mais associada, visivelmente e na mente do povo, às falsificações deploráveis do que à verdadeira igreja, uma época onde os falsos mestres exploram o povo, devoram os pobres como se fossem pão, mentem, trapaceiam, pregam falsas doutrinas, causam escândalos, restabelecem costumes do Velho Testamento abolidos em Cristo, e, no entanto, aparentemente nenhum mal lhes sobrevêm. Isto é uma época de apostasia. Também é comum, quando a Igreja se afasta da sã doutrina de Cristo, que o amor se esfrie, que os ânimos se apaguem, que menos homens entreguem suas vidas pela fé, que menos dedicação, menos santidade e menos glória sejam vistos no meio do povo que se chama pelo nome do Altíssimo. O mundo também padece por causa da apostasia, pois, se a Igreja é a luz do mundo, quando esta luz está fraca, todo o mundo habita em trevas. As luxúrias então substituem o prazer divino da Palavra de Deus, e o orgulho substitui a constrição e o arrependimento. Isto é uma época de apostasia e é visível a todos olhos que vivemos numa destas épocas. Teria a Verdade mudado, ou a Escritura perdido Seu poder? Obviamente não. A Igreja sofre por causa daqueles que são seus aparentes membros, é a apostasia individual que abastece a miséria do abandono geral da Verdade. São os homens que introduzem cerimônias que nunca foram ordenadas no culto ao Senhor, são os homens que toleram e elogiam os lobos em pele de cordeiro e não repreendem o mal com o vigor que deveriam, são os homens que não vivem conforme a justa representação que deveriam fazer da Verdade e da Santidade de Cristo Jesus. Em suma, o problema somos nós. O problema sou eu, meu pecado, meu fraco combate, minha falta de fé. O problema é você. Não basta olhar para a igreja ao lado nem para o irmão do banco da frente; em primeiro lugar, nós mesmos somos a apostasia. O Senhor nos adverte: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão” [Lucas 6:42]. Devemos temer que Ele olhe para nós e declare "insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos " [Tito 3:3]. Ah, povo de Deus! Nação eleita desde a eternidade: Teria Cristo sangrado em vão, para comprar homens e mulheres que consideram Seu sangue um artigo barato? Teria Cristo sangrado e sofrido na Cruz para nos comprar uma reuniãozinha social aos domingos e nos livrar das coisas que fazem mal para nós mesmos como fumo, bebida e farra? Ou teria Ele trabalhado arduamente em Sua alma para comprar para Si homens e mulheres cujos passos sejam os mesmos de Estevão e de Filipe, passos de fé conforme o Evangelho - humildade, temperança, benignidade, zêlo, cruz? Não diminuamos a exigência que nos é feita! A Escritura é clara: todo aquele que foi Salvo pela Fé anda conforme as obras da luz e dá sua vida pelo Reino de Cristo, nega-se a si mesmo e segue seu Salvador, perdendo a própria vida para ganhar a que já lhe foi dada. [cf. 1 João 1:6, Mateus 10:32-39] Porém, andar em uma rua larga, com uma vida regalada, junto a multidão sem número, todos justos aos seus próprios olhos, é andar na estrada da apostasia rumo ao tormento do inferno e as câmaras da morte. Para olharmos a Esperança bendita que a Escritura anuncia para a Igreja, devemos ter a segurança da bendita Esperança de Cristo em nós. Devemos ter a clara certeza e o claro testemunho de que as obras da carne não são manifestas em nós, de que as obras da carne não prosperam em nossa vida, de que não vivemos em "adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas" [Gálatas 5:19-21]. Porque estas são as abominações derramadas como pragas sobre toda multidão de apóstatas e “os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” [Gálatas 5:19-21]. Ou vive em nós o poder do Evangelho segundo a piedade, em uma vida plena em Cristo, ou teremos sérios motivos para listar nossos próprios nomes entre aqueles que renunciaram a Graça e a Sabedoria do único Senhor e Cabeça da Igreja. Isto é apostasia – o fruto podre da hipocrisia, da presunção de salvação através de um exercício externo de religiosidade. É no coração pecaminoso de cada um de nós que ela começa e é lá que ela deve ser combatida primeiro.

A Razão da Esperança
Agora, se somos a verdadeira Igreja de Cristo, se temos combatido arduamente nossos pecados, com todos os meios espirituais que o Senhor nos provê, se temos tido vitórias e mortificado cada vez mais nosso Velho Homem, então há razão para Esperança, há razão para regozijo, para aguardar no Senhor que Ele nos visite e habite a Sua Igreja com a Glória que só Ele possui. Graças ao Senhor por que a nossa esperança em Cristo não se limita apenas à esta vida [cf. 1 Coríntios 15:19], mas conhecemos o poder dAquele que ressuscitou dentre os mortos e reina hoje, para ressuscitar conSigo sua Igreja quando ela, aparentemente, está derrotada [Apocalipse 11:11]. Soberanamente, Deus opera a vivificação de nosso espírito, conforme Seu Santo querer, e a vivificação de Sua Igreja, conforme Lhe apraz em Sua vontade. Cabe a nós nos humilharmos diante dEle, com corações quebrantados, arrependidos; cabe a nós orarmos, jejuarmos, clamarmos e nos dedicarmos à Deus com todas as forças e todo entendimento da Escritura, e esperarmos nEle. A Soberania de Deus é a razão da nossa esperança – o Seu poder que não foi vencido nem pela morte, nem pelo inferno; a Sua mão que não pode ser impedida, esta é a nossa esperança; esperança anunciada pela ressurreição de Cristo Jesus, da qual tomamos parte pela fé, e a qual prenuncia a vivificação da Igreja, a redenção que ela operará no mundo e a redenção final e cósmica na Nova Jerusalém.
Contudo, muitos perguntam: Como pode ser lícito orar por vivificação e restauração, e esperar tal coisa se as profecias anunciam que tudo se tornará cada vez pior e que estamos vivendo a Grande Apostasia antes do fim? Respondo: primeiro, que a Escritura não é precisa em suas datas proféticas (nem tem o intuito de nos fazer conhecer o futuro através de datas) e segundo, de que há profecias a respeito da vitória da Igreja e do Evangelho (e que tais profecias não manifestaram ainda seu maior grau de cumprimento). Ademais, ao relembrarmos nossas últimas edições percebemos que a hermenêutica experiencial e a influência de teorias como o arminianismo e o futurismo são os maiores responsáveis pela idéia corrente de que o futuro da Igreja é tenebroso. Não há, portanto, razões bíblicas para nos acuarmos e aguardarmos o retorno iminente de nosso Senhor - nosso Salvador não voltará sem que antes certos eventos, eventos de um rica bem-aventurança na Igreja, ocorram. Não é em nossas forças e métodos, nem em nossas riquezas terrenas, nem em uma igreja visivelmente próspera que devemos confiar, mas devemos manter nossos olhos fitos nos céus, junto ao trono de nosso Senhor que, como já citamos na outra edição, aguarda até que Seus inimigos sejam postos por escabelo de Seus pés [cf. Atos 2:33-36].

Estamos na iminência da Volta de Cristo?
Em Atos dos Apóstolos está escrito: “Esse Jesus, que dentre vós foi levado para o céu, há de vir assim como para o céu o vistes subir” [Atos 1:11]. Portanto, sabemos que nosso Mestre voltará. Este testemunho, esta esperança da glória final, é uma das mais basilares doutrinas Cristãs. Além de Atos (também em Atos 17:31), nós a ouvimos também nas Epístolas de São Pedro, São Paulo, São Tiago, São João e no Apocalipse. E podemos encontrá-la no Credo Apostólico: “de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos”. A volta de Cristo é, ainda, como consumação de toda a escatologia e como toda escatologia deve ser, uma doutrina para nos dirigir à santidade, para nos desligar da confiança naquilo que se pode ver e nos centrar em Cristo, para que tudo façamos por amor a Ele. A escatologia segundo a piedade versa que, como, quanto ao mundo, “todas as coisas hão de ser desfeitas”, devemos viver “em santo procedimento e piedade” e nos empenhar para sermos “achados por Ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis” [cf. 2 Pedro 3:11,14]. Toda nossa reflexão neste tema deve ser tão profunda de tal modo que produza mudança sensível em nosso proceder diário. O santo Apóstolo Pedro nos diz que devemos viver de maneira que apressemos a vinda do Senhor Jesus [cf. 2 Pedro 3:12]. A tradução desta passagem é diferente em algumas versões da bíblia, porém a palavra grega aqui usada no original (speudo), segundo o contexto e seu uso mais comum, significa apressar e não ansiar ou desejar ardentemente - como alguns dispensacionalistas tentam mostrar. Outras traduções inseriram o pronome vos, criando a expressão apressando-vos. Este pronome também não está no texto original e, se a tradução for ao menos honesta com a intrusão, você notará o itálico no pronome vos impresso em sua Bíblia, indicando que este pronome não faz parte do texto original. Assim, o sentido original do texto grego é simples e direto, ainda que desafie a teologia de certas tradições dispensacionalistas ou fatalistas, pois neste texto, o Deus Eterno mais uma vez nos ensina que Seus decretos imutáveis incluem os meios comuns. O Santo Espírito de Deus ordenou tais palavras nesta passagem e Ele nos comunica aqui que uma espera diligente, ativa, por parte da Verdadeira Igreja, é um sinal da vinda de Cristo. Uma espera passiva, acuada, é um sinal de esfriamento espiritual e de que Cristo não está às portas. Isto nos mostra que o conselho eterno de Deus, no qual Deus Pai determinou o dia da volta de Cristo Jesus foi, como toda a História, decretado em conjunto com outros elementos, com todo um cenário histórico montado por Deus. Foi assim na primeira vinda, que só se concretizou depois que o tempo profético – a plenitude dos tempos – chegou. O santo Apóstolo Pedro nos mostra aqui que a vinda de Cristo demora porque Ele é longânimo para conosco [2 Pedro 3:9] e aguarda com que todos os seus eleitos sejam chamados pelo anúncio do Evangelho [Marcos 13:10]. Uma Igreja que ora pelo cumprimento da Grande Comissão [Lucas 11:2], obedece ao Senhor com uma vida santificada em Cristo [2 Pedro 3:11], e evangeliza toda raça, povo, tribo e nação [Apocalipse 5:9;7:9] apressa a volta de nosso Amado. A esperança da Nova Jerusalém que desce dos céus, a esperança dos novos céus e da nova terra, onde habita a justiça, é a esperança desta Igreja, destes crentes, que já vivem de maneira condizente com esta esperança e já almejam e trabalham pela redenção do mundo, pela justiça e santidade que os aguarda em plenitude no estado futuro perfeito. Concluímos, portanto, que:
1) Eventos importantes deverão ocorrer antes que o Senhor Cristo Jesus retorne;
2) Nós somos parte ativa da realização destes eventos;
3) A volta de Jesus não é iminente.
Mas a Epístola aos Hebreus capítulo 10, versículo 37 e o livro de Apocalipse capítulo 22, versículo 7, dentre outras passagens, ensinam que Cristo virá “logo e sem demora”. Não se surpreendam com o que vou dizer, mas Cristo virá logo e sem demora! Sim, quando olhamos o mundo da perspectiva do Eterno para quem “mil anos são como um dia” [2 Pedro 3:8], então Ele virá logo. Todavia, quando olhamos pela perspectiva temporal, então há uma mudança, há uma cronologia, há uma demora. No capítulo 24 do Evangelho de São Mateus, os discípulos perguntam para nosso Senhor: “Quando será o dia de Sua vinda?”. Este capítulo deve ser examinado minuciosamente porque, embora Cristo soubesse exatamente o que o panorama futuro Lhe reservava, os discípulos estavam confusos e ainda não haviam aprendido a distinguir o futuro do Israel segundo a carne, e o futuro do Israel segundo o Espírito; eles confundiam a bem-aventurança do povo da Jerusalém Celestial com a bem-aventurança do povo da Jerusalém Terrena. Nosso Senhor lhes responde traçando um corte no tempo, sobrepondo e contrastando com o futuro da Igreja e o futuro de Israel. Voltarei a este capítulo em outra edição, mas por hora é suficiente notarmos algumas coisas na resposta que nosso Senhor forneceu aos Seus discípulos:

1) Sua vinda será precedida pela evangelização dos gentios: “E este evangelho do reino será pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim”. Todas as nações terão testemunho do Evangelho, haverá discípulos de Cristo, conhecedores de Deus e da Verdade das Escrituras e haverá verdadeiras Igrejas, fiéis na Palavra e nos Sacramentos testemunhando a todo povo, raça, língua e nação [Mateus 8:11;13:31,32;28:18-20, Marcos 13:10,Lucas 2:32; Atos 15:14; Romanos 9:24-26; Efésios 2:11-20].

2) Sua vinda será precedida pela evangelização dos judeus: “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério: ... que veio o endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo...” [Romanos 11:25,26]. É verdade que quanto ao poder e alcance do Evangelho não há diferença entre judeu e gentio [Gálatas 3:28], e que a Aliança de Deus não está mais confinada ao âmbito nacional ou étnico, mas, agora claramente, é universal e espiritual [João 4:21;Romanos 9 e 10]. Ainda existe, no entanto, um grupo de pessoas que estão arraigados no Velho Testamento, chamando-se pelo nome de judeus e praticando a religião da extinta nação de Israel. Este povo, que ainda guarda as leis abolidas em Cristo e permanece com um véu sobre seu coração de pedra, verá ser chamado de entre eles um remanescente, segundo a eleição da Graça, que, junto da “plenitude dos gentios”, sem qualquer privilégio especial, integrará a Igreja de Cristo, a chamada Israel de Deus [Gálatas 6:16] referido no versículo acima como “todo o Israel”. Junto aos gentios eles participarão desta espiritualmente próspera e notável Igreja que a promessa de Deus fará visível no futuro [Zacarias 12.10; 13.1; 2 Coríntios 3.15, 16; Isaías 27:9,59:20-21; Jeremias 31:33,34].


3) Sua vinda será precedida pela ira de Satanás: “Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar contra os restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” [Apocalipse 12:17]. Quanto mais Satanás vê seu tempo se esgotando, tanto mais se encoleriza. Por isso, imediatamente antes da vinda de Cristo, após a bem-aventurança da Igreja, a falsa Igreja com seus falsos profetas e o mundo, se unirão de tal maneira nunca vista e terão o firme propósito de destruir a Igreja de Cristo, com todo o poder de Satanás e seus prodígios de mentira. Será um tempo de perseguição como nunca antes visto e a batalha se tornará tão terrível nestes últimos tempos de existência do mundo, que estes dias serão abreviados. Graças ao Senhor que Sua Igreja será cheia de santidade, fé, perseverança e amor como nunca antes fora.

Vemos, nestes sinais que a Escritura nos dá, que a vinda de nosso Senhor não é iminente. Que há um futuro de triunfos na perspectiva profética da Igreja. Que por mais que as forças do mal se levantem, o propósito de Deus é a vitória do Evangelho em todo o mundo. A partir da próxima edição, cada um destes pontos será detidamente exposto com seus devidos textos da Escritura para que conheçamos mais da nossa esperança futura e nos empenhemos em trabalhar para realizar o propósito dAquele que nos tem chamado, o firme propósito de nosso Senhor a quem foi dada toda a autoridade no céu e na terra [Mateus 28:18]. O firme propósito de que Sua Igreja seja Santificada no Espírito, cheia da Palavra, com um só coração e uma só mente, para revelar ao mundo o caráter e a glória de Cristo Jesus.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 2

Na edição passada, analisamos alguns dos erros do construto pseudoteológico chamado dispensacionalismo. Agora, antes de prosseguirmos para um pouco mais de estudo sobre a história da Igreja e para as exposições dos textos da Escritura, peço mais uma vez que constantemente orem por nossa denominação, pelos estudos do Jardim Clonal e por todos os planos e ações que o Senhor nos tem dado. Orem e vigiem, pois devemos estar alertas às sutis ciladas do Diabo, ciladas como estes farrapos de falta de esperança que o dispensacionalismo nos legou, e como os problemas de hermenêutica que tão despercebidamente somos tentados a absorver do pentecostismo e do liberalismo teológico.Ressalto, para termos mais exata noção desta questão, que até aexistência do dispensacionalismo está diretamente relacionada ao problema de uma má hermenêutica – isto é, a adoção de uma maneira inadequada de interpretar os textos da Escritura. Sei que não é raro ouvir alguém fazer pouco caso desta questão, alegando que não é necessário um princípio hermenêutico para interpretar corretamente a Escritura, mas somente a “ação do Espírito”. Ora, temos dois erros nesta afirmação: primeiro porque a Escritura nos ensina que os meios e o conhecimento comuns são indistintamente ordenados pelo Espírito de Deus para fins extraordinários [cf. João 5:39; 1 Coríntios 14:26; Atos 17:28; 2 Timóteo 4:13] – o que nos leva a entender que as imprescindíveis horas de oração sincera cooperam para com o estudo, mas não o substituem; e, segundo, porque a idéia de que não é necessário um princípio hermenêutico para a interpretação bíblica é, em si, um princípio de uma hermenêutica relativista. Concluímos, portanto, que toda vez que alguém se aproxima do texto da Escritura está (conscientemente ou não) comprometido com determinado sistema de interpretação. Como não há uma forma neutra de se aproximar da Bíblia, cabe conhecermos os sistemas de interpretação existentes e optarmos pelo sistema que possua a maior consistência interna e que não nos leve a interpretar textos da Escritura como se a Palavra de Deus estivesse em contradição à ela mesma ou ao nosso sistema de interpretação. Alerto, principalmente, contra os perigos dos seguintes tipos de interpretação:

Alegórica –é a interpretação dos textos da Escritura de maneira subjetiva, buscando um “sentido espiritual mais profundo” do que aquile que poderia ser naturalmente compreendido do texto, ou de seu contexto imediato. É puramente arbitrário, como por exemplo: um teológo medieval dizia que os 7 filhos de Jó representavam os 12 apóstolos porque 7 é 4 somado com 3, e 4 multiplicado por 3 é igual a 12; outro dizia que as duas varas mencionadas em Zacarias 11:7 são a Ordem Franciscana e a Ordem Dominicana; o movimento espiritualista diz que “o outro consolador” [João 14:16] é o espiritualismo; já alguns maometanos dizem que foi este Maomé. Nenhuma destas interpretações considera o texto em si segundo o seu próprio contexto e o seu significado mais natural. A interpretação Alegórica, por ser tão subjetiva, admite também a possibilidade de que a mesma passagem possa ter vários sentidos e significados, inclusive conflitantes;

Histórico-crítica ou liberal – ao interpretar o texto bíblico, o adepto deste tipo de interpretação recusa partes claras e evidentes do texto (como a parte da narrativa de quando Jonas é engolido por um grande peixe, de quando Isaías profetiza sobre Ciro, ou de quando Cristo ressuscita), porque estas partes desafiam a visão de mundo cientificista e racionalista que se popularizou a partir do fim do século XIX;

Experiencial – é a interpretação da Escritura com o objetivo de encontrar nela as bases que justifiquem uma determinada experiência subjetiva ou uma determinada crença. É o caso dos pentecostistas que costumam balizar suas crenças nos pretensos dons, visões e outras manifestações estranhas à Escritura usando frases como “aconteceu comigo” ou “eu já vi acontecer” e, a partir daí, buscar textos isolados que sirvam de comparação às suas experiências. Quando a Escritura claramente desabona algo, ou quando ela não possui uma norma direta e clara sobre determinado assunto, não importa o que eu vi ou eu experimentei, porque eu sou passível de erro e de toda sorte de engano, enquanto a Palavra de Deus não – se a Escritura estabelece algo, então tenho bases firmes para crer nisso; se ela nega, silencia ou não provê suficientes detalhes sobre certo assunto, então simplesmente não há rocha firme sobre a qual construir um ensino;

Hiperliteralista, é a interpretação literal de quase todos os textos da Escritura, até aqueles evidentemente simbólicos ou metafóricos. Considera, por exemplo, que o Templo descrito nas profecias de Ezequiel seria um Templo literal a ser construído no futuro, apesar do relato sobre o rio no capítulo 47 contradizer esta idéia.

Tendo enumerado os erros mais comuns, agora nos é proveitoso avaliar o método mais adequado para o estudo da Escritura (aquele mesmo que foi utilizado pelos Apóstolos no século I, pela escola teológica da Igreja de Antioquia nos séculos II e III, por inúmeros santos homens do passado, pelos Reformadores do século XVI e pelos Puritanos nos séculos seguintes): o princípio hoje chamado histórico-gramatical. Podemos resumí-lo em 4 princípios básicos:

A Escritura é a única medida e meio de informação infalível e inerrante, capaz de ensinar-nos acerca da Salvação de nossa alma, do conhecimento de Deus, da confiança nEle e da forma perfeita da obediência que é devida ao Senhor [Romanos 1:19-21,2:14-15; 2 Timóteo 3:15-17; Isaías 8:20; Lucas 16:29; Efésios 2:20]. Nem homem algum, nem instituição alguma, tem autoridade superior àquela contida na Bíblia, que é a Palavra de Deus [2 Pedro 1:19-21; 2 Tessalonicenses 2:13; 1 João 5:9]; portanto, a Bíblia é o único intérprete infalível da própria Bíblia, trazendo, em suas partes mais claras, luz suficiente àquelas de mais difícil entendimento;

Há somente um único sentido pleno e verdadeiro para cada passagem da Escritura, que é o sentido originalmente desejado pelo autor humano para com os seus leitores. Este sentido deve ser buscado com afinco e defendido com fé e diligência, pois proveio da vontade do Espírito de Deus que inspirou o autor imediato do texto à expressão exata do que o Senhor intentou legar à Sua Igreja [2 Pedro 1:20,21; Atos 15:15-16];

Tal sentido único é obtido pela interpretação mais natural e imediata do texto, segundo a gramática comum e o bom uso da lógica. Quando, no entanto, houver controvérsias quanto à esta interpretação, tais dúvidas devem ser dirimidas por homens piedosos e capacitados pelo Espírito de Deus, com bom conhecimento das línguas originais da Escritura (especialmente pelos teólogos e mestres da Igreja) ou pela consulta à excelentes traduções (no caso de leigos). Mais luz será lançada sobre o texto, pela necessária consideração de seu tipo literário e da cultura, época e ocasião em que foi escrito. Por último, recomenda-se buscar o auxílio de bons livros que Santos homens do passado escreveram sobre o assunto investigado;

A Revelação de Cristo é a substância do início, do decorrer e da consumação de tudo o que é informado na Escritura [Lucas 24:27; Apocalipse 1:8; Colossenses 1:16]. Sendo, portanto, um livro de tal teor espiritual e divino, a Escritura só é plenamente compreendida em seu caráter como Revelação de Cristo, mediante a iluminação do Santo Espírito [João 6:45; 1 Coríntios 2:9-12]. Isto não dá subsídios para uma interpretação alegórica, porque a maneira como cada texto da Escritura nos leva a Cristo é determinada pelo contexto, intenção do autor, tipo literário e interpretação das passagens relacionadas da própria Bíblia.

Confesso que esta introdução à exposição dos textos referidos na última edição fez-se um tanto extensa; porém, é necessária pois, sem a correta base hermenêutica, não só a compreensão das profecias que estudaremos ficaria comprometida, como todo o modo de enxergamos a Escritura pereceria. Por isso, insisto ainda que todos nossos leitores orem por nossos presbíteros e pregadores para que estes cresçam a cada dia no Conhecimento do Amor de Cristo e na habilidade para nos conduzir, pela Graça do Senhor, à pureza, verdade e santidade que a Igreja de Cristo deve ter. E este é, sobretudo, o objetivo de todo o nosso estudo: que a meditação no ensino da Escritura sobre as últimas coisas floresça na forma de uma viva esperança cotidiana e, portanto, na forma de um apelo crescentemente sensível, do Espírito de Deus, para que nos consagremos ao Senhor com inteireza, rejeitando toda falsa doutrina, e, assim, onde quer que estivermos e seja qual for a vocação que o Senhor nos tem dado junto ao mundo, sejamos reconhecidos pela diligência e prontidão na luta pela expansão e progresso do Reino de Deus na terra. Retomo então nosso tema nestes estudo que é a Esperança em Tempos de Apostasia, a esperança em Cristo e em Sua Palavra, esperança sobre a qual a Escritura nos diz: “Todo aquele que nEle tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro” [1 João 3:3].


Futurismo, uma arma de pessimismo e desânimo

Como dissemos no início, a correta interpretação da Escritura é necessária para a saúde dos crentes, pois foi de uma má hermenêutica que surgiram heresias como o dispensacionalismo. E é no coração do dispensacionalismo que encontramos outro fruto vindo de homens que distorcem as Escrituras. Sim, lá encontramos um velho romanista, da pior espécie, um servo da obra-prima do Diabo chamada Igreja Católica Romana. Este romanista atende pelo nome de: futurismo. O futurismo a que me refiro é uma escola de interpretação das profecias da Escritura, que surgiu por volta do século XVII, pelas mãos calculistas de um Jesuíta. Esta escola defende que todas as profecias que não se cumpriram literalmente terão um cumprimento futuro. Esta idéia está baseada em uma divisão arbitrária do Apocalipse em partes, onde o capítulo 2 e o 3 são um resumo da história da Igreja em todos os séculos e o capítulo 4 em diante demonstra, cronologicamente, as coisas que “ainda hão de acontecer”. Esta armadilha escatológica foi uma daquelas armas forjadas nos porões sujos dos mais ímpios servos de Roma, assim como o fora o Arminianismo (a ligação entre certos romanistas semi-pelagianos com Jacobus Arminius é bem documentada na História) e o Misticismo Cristão (segundo um antigo cardeal da Igreja Romana, esta instituição não é o resultado da revelação de Cristo vivificando a herança judaica, mas a sincretização dos conceitos neotestamentários com as religiões pagãs – não é sem porquê que o Misticismo Cristão é considerado o pai dos movimentos pentecostais e, sobretudo, dos neo-pentecostais). O futurismo foi criado com um intuito certeiro: fazer-nos esquecer que o trono do Papa é o trono do Anticristo. Coisa que esta escatologia faz ao mover o advento do Anticristo para um futuro distante, quase inatingível e ao condicionar a interpretação do Apocalipse às crises geopolíticas e desastres da época do intérprete (o que, além de todo o mal já citado, ainda incitou muitos ao pecado da prognosticação – basta consultar a história dos Adventistas do Sétimo Dia ou das Testemunhas de Jeová para entender quão destruidor é o futurismo). É válido notar que, desde antes da Reforma, muitos homens haviam aprendido e ensinado que o Apocalipse é um livro para hoje (e não para o futuro distante) e que a manifestação do homem da iniqüidade - que se assenta no meio do povo de Deus dizendo ser ele mesmo o deus [2 Tessalonicenses 2:4; Apocalipse 13:1-8] - já havia se iniciado. Sabia-se também que Roma seria sua cidade [Apocalipse 17:9] e que ele derramaria o sangue dos Santos de Deus [Apocalipse 13:7,18:24]. No século XIV, quando centenas de milhares já haviam sido mortos pela Igreja Romana, por discordar de seus dogmas antibíblicos, o Papa Bonifácio declarou: “Eu tenho a autoridade de Rei dos reis, eu sou tudo em todos e sobre todos, assim que Deus, Ele mesmo e eu, o Vigário (substituto) de Deus, temos uma só autoridade, e eu sou capaz de fazer quase tudo que Deus pode fazer. O que podem me considerar senão Deus?”. Então a antiga suspeita se fez mais do que confirmada. Quando a Luz da Palavra de Deus iluminou o mundo através da Reforma Protestante, a denúncia da real identidade espiritual do Papa se alastrou e foi conhecida em toda parte. No magistral documento confessional do Congregacionalismo mundial (a Declaração de Savoy), John Owen toma como suas as palavras dos puritanos de Westminster e diz:

Não há outro cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo. [Colossenses 1:18; Efésios 1.22] Nem pode, portanto, o papa de Roma, em nenhum sentido ser o cabeça; Mas ele é aquele Anticristo, aquele homem do pecado, o filho da perdição, que se exalta a si mesmo, na Igreja, contra Cristo e a tudo que se chama Deus, a quem o Senhor destruirá com o resplendor de Sua vinda. [Mateus 23:8-10; 2 Tessalonicenses 2:3,4,8,9; Apocalipse 13:6]

E esta era a crença generalizada de todos as Igrejas Reformadas até o século XVIII quando o futurismo conseguiu infiltrar-se no aprisco Cristão pelas ações dos emissários de Roma. Com o fermento do futurismo, no século seguinte cresceu o pré-milenismo – soma da concepção hiperliteralista de que o milênio de Apocalipse 20 trata de 1000 anos literais que terão um cumprimento futuro e da idéia cronológica de que os eventos do capítulo 20 ocorrem imediatamente após os eventos do capítulo 19. Com a junção das doutrinas do arminianismo, futurismo e misticismo (incorporado pelos movimentos pietistas radicais) o cenário para a Apostasia na igreja completou-se e os eixos do pensamento cristão moderno, já abalado por outros ataques ideológicos, moveu-se para longe da verdade da Escritura. Este processo transformou o discurso cristão. A pregação histórica do Evangelho centrado em Cristo mudou-se em uma pregação de um outro evangelho cujo objetivo é satisfazer a carne. A determinação ousada dos antigos Cristãos que conheciam, pela Escritura, a história da Redenção do mundo pelo poder da Palavra de Cristo, tornou-se no retraimento e mundanismo dos atuais cristãos que crêem que a Bíblia conta a narrativa da recorrente derrota da Igreja de Cristo até o dia da fuga em massa. Este veneno de Roma, esta visão deturpada arminiana, futurista e mística (que, desde a última década, é hegemônica no meio evangélico) está nos catapultando de volta à idade média ao ensinar que Satanás reina sobre o mundo com constante triunfo e, portanto, a única esfera de ação do Evangelho é a vida para a igreja e na igreja. Se já não bastasse nos atemorizar com a história de um invencível cerco dos exércitos das trevas, somos apresentados ainda a um sempre eminente Armagedon, a uma estranha doutrina de que fim do mundo está sempre às portas (apesar de ser claramente absurdo dizer que sempre estamos quase no fim). O resultado?! Perdemos a noção de que a obediência à Lei moral de Deus é dever de todas as nações, de todos os povos e de todos os governos, (não somente da Igreja) e de que a responsabilidade pela derrocada e falência moral do mundo e da igreja visível é nossa – a presente geração do povo de Deus. Perdemos a visão de quem são nossos inimigos e de como podemos vencê-los, perdemos a visão de que o Anticristo já está no nosso meio (há séculos!) e que deve ser combatido com a Palavra. Perdemos a compreensão de quais são os objetivos da Igreja e de como podemos estabelecê-los, em lugar de nos acuarmos amaldiçoando o mundo e lamentando que somos os últimos fiéis na Terra. Por isso, nos primeiros textos bíblicos que estudaremos aqui, com a boa hermenêutica da Reforma e a Graça do Espírito de Deus sobre nós, buscarei expor as promessas que o Senhor nos deu para nos conservarmos vigorosos e otimistas em cada dura batalha as quais, se amarmos ao Reino de Deus, nos disporemos a enfrentar daqui por diante. Como dissemos na última edição, sabemos que a Escritura promete tribulações e perseguições para a Igreja até o retorno de Cristo e que não há notícia na Bíblia de que um dia, antes do fim, o mundo e/ou a Igreja, se tornarão completamente puros. Porém, há na Escritura uma poderosa escatologia de vitória para a Igreja de Cristo, escatologia esta que já perdemos muito ao ignorá-la.