Esperança em Tempos de Apostasia - Parte 11

Os versículos seguintes dos textos sinóticos dos Evangelhos, examinados em nosso presente estudo, continuam falando dos sinais e dos tempos proféticos. Mais uma vez ressalto que os Judeus em geral esperavam que com o advento do Messias, acompanhado de algum cataclismo, seria estabelecido o Reino Teocrático em Israel e a nação governaria sobre todos os povos do mundo; eles esperavam que esta era de ouro, este mundo porvir, fosse imediatamente e plenamente introduzido com o advento do messias, que destruiria toda a presente ordem dos séculos. Entretanto, biblicamente, iluminados pelo Espírito com a mais clara luz do Novo Testamento, aprendemos nestes nossos estudos que o mundo porvir, sendo de natureza espiritual, é um Reino supranacional e invisível, uma nação santa espalhada por toda a Terra (e além dela, nos domínios celestiais onde habitam os Cristãos já falecidos), composta de todos os homens chamados pelo Evangelho e unidos, pela Fé, a Cristo Jesus, o Rei e Sumo-sacerdote de nossa confissão; e que, portanto, o Reino de Cristo e o mundo vindouro são uma realidade presente, não introduzidos pela destruição da primeira Criação, mas pela Nova Criação (fruto da obra Redentora de Cristo Jesus), aplicada pelo Espírito de Deus nas almas dos homens que Ele chama eficazmente ao arrependimento e à fé. É muito triste quando, à semelhança da cegueira daqueles Judeus, os homens que professam ser Cristãos em nossos dias, têm seus olhos voltados para os poderes políticos, as riquezas e o fluxo das nações, quando têm seus olhos fixos na beleza das construções dos seus luxuosos templos, na pompa e ritualismo das suas cerimônias e nos números das multidões que atraem com seus artifícios criados para entreter e exaltar os homens. É triste porque a Escritura nos deixa claro que o vero templo está em Cristo Jesus, que os Cristãos devem habitar, viver e reunir-se humildemente; que a presença de Deus está na Palavra retamente pregada do púlpito, ministrada nos sacramentos e vivida pelo povo. Devemos ter nossos olhos no Reino de Cristo, e não naquilo que é passageiro e temporal; devemos desejar e buscar a substância da vida Cristã e não nos contentarmos com as sombras e os restos que agradam aos pagãos. Veja que o mundo porvir sobrepõe-se à presente era, eles coexistem para que, tendo sido chamados por Cristo enquanto habitando a presente era, morramos para o mundo e vivamos segundo a natureza do nosso celestial e eterno chamado. Tendo ainda em vista que estas realidades coexistem somente enquanto o Reino, como a rocha que cai sobre a estátua vislumbrada em sonhos por Nabucodonozor, despedaça primeiro os pés de ferro (coexistindo com a o resto da estátua) e cresce, pouco a pouco, até esmiuçar todos os reinos ali representados até finalmente estender-se por todo a Terra [Daniel 2:34,35]. Hoje, tendo já destruído a força e a expressão dos antigos rudimentos – a religião, o Estado e o templo judaicos, assim como a religião e o Estado romanos - o mundo porvir cresce, em Cristo, destruindo os outros rudimentos, os reinos e estados e templos antiCristãos, em uma série de duras e longas tribulações e batalhas. Tudo o que é falso, tudo o que é meramente humano, toda a riqueza, todas as multidões que buscam seus interesses mesquinhos em lugar de buscar a glória de Deus, todos estes artifícios, invenções, imaginações, sombras e restos, tudo isto perecerá com o passar dos séculos e seus ímpios autores sofrerão a mais horrível condenação no Dia da Ira de Deus. Seja nosso coração aplicado à certeza da realização das promessas do Evangelho - mesmo aquelas que sequer vislumbramos - e seja nossa alma afastada de toda cobiça, avareza e mundanismo, de toda glória exterior e assim prossigamos a examinar o Discurso Escatológico de nosso Senhor:

"Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino. Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não vos assusteis; pois é necessário que primeiro aconteçam estas coisas. Haverá pestes, terremotos em vários lugares e também fomes. Mas o fim não será logo, todas estas coisas são o princípio das dores." [Mateus 24:7,8; Marcos 13:8; Lucas 21:9]

Quando o Senhor deu estas palavras a Seus discípulos, o ano provável era 29 ou 30 d.C. Passou-se ainda mais de duas décadas antes que todo o mundo houvesse sido tomado de revoluções e guerras, precisamente como o Senhor houvera predito. Quanto mais se aproximava o fim da era judaica e a plena revelação da Igreja de Cristo, mais a ordem política e social se desintegravam no Império Romano. A presente era mais e mais era abalada pela aproximação da Revelação da Igreja; conforme o Altíssimo mesmo disse que faria quando prometeu abalar as fundações e as montanhas da Terra com Sua ira, para exaltar a Cristo e a Seu Povo [Salmo 18:7]. O reinado de Tiberius, ainda na terceira década do século I, foi perturbado por suas crises paranóicas, pelas quais plantara as sementes de futuras conspirações e desavenças; morrera no ano 37 d.C., sendo sucedido por Gaius (mais conhecido como Calígula), que logo tornara-se patentemente insano e terrivelmente cruel, terminando seus dias assassinado no ano 41 d.C. O caos crescente encontra no reinado de Nero ainda mais instabilidade, opressão e loucura, que culminam no seu suicídio no ano 68 d.C. Durante este reinado, na Judéia, sob o governo de Festo, a anarquia predominava; sacerdotes rivais competiam pela autoridade religiosa entre os Judeus e seus seguidores batalhavam na ruas e cidades. Albino, o sucessor de Festo, seguia de perto a crueldade e tirania de Nero, porém, substituído por Floro, foi ainda superado em violência e imoralidade por este último. Em tal cenário, com o suicídio de Nero, a Revolta Judaica, incitada por tantos daqueles falsos cristos e falsos profetas dos quais falamos na última edição, conflagrou-se uma guerra civil; os batavos, povo guerreiro de uma província na região aproximada da atual Holanda, também se rebelaram e diversas batalhas internas irromperam por toda a extensão do Império, mesmo na Capital. Acompanhando as sangrentas guerras civis, veio a fome, causada tanto pelos ataques contra as fontes de suprimento, como pelo desvio dos recursos para alimentar as tropas. Porém, com o julgamento Divino, uma grande fome antecedeu o reinado de Nero [Atos 11:28], tornando escassos os suprimentos desde antes das guerras; vindo então as revoluções e revoltas, a escassez, ainda que não tenha se tornado tão intensa como aquela prevista por Agabus (e que já houvera passado) tornou-se vasta e generalizada em todo o Império. Contudo, o mais terrível episódio destas fomes foi, sem dúvida, durante o cerco à Jerusalém: o ápice da Ira de Deus derramada sobre o judaísmo hipócrita, quando as coisas mais degradantes voltaram a ocorrer dentre os Judeus, como aquelas citadas pelo profeta Jeremias [Lamentações 4:3-5;9-10]. E, destas acumulativas violências e fomes, não é estranho que brotaram pestilências; como parte dos julgamentos vindos do Altíssimo, as pestilências ceifam mesmo aos que se abstêm das lutas ou os que são mais robustos e resistentes à inanição. Não bastasse isto, à todas estas coisas somou-se a devastação causada pelos terremotos, que tornavam as casas dos homens em suas sepulturas e cidades inteiras em cemitérios. Não foram poucos os tremores naqueles dias próximos ao nascimento da Igreja, quando, mediante a voz do Senhor, abalaram-se os céus e a terra [Hebreus 12:25], tanto naturais quanto espirituais, para sacudir dos Seus domínios os ímpios [Jó 38:13], e fazer vir o longamente desejado Messias e Libertador às nações com grande glória em Seu vero Templo - a Igreja [Ageu 2:6-7]. Vemos estes abalos no Capítulo 4 de Atos dos Apóstolos e, posteriormente, no Capítulo 16; além destes registrados no Novo Testamento, houve terremotos em Roma (51 d.C.), Phlegon (60 d.C.), Campânia e Crete (63 d.C.), e ainda outros mais em Smyrna, Miletus, Chios, Samos, Laodicéia, Hierápolis, Colosso e Judéia - alguns destes causando a destruição de cidades inteiras. Mas o fim não viria logo. Estes sinais foram somente o início das dores - "odin" é o que diz o grego original e significa " dores de parto" - porque a Ira de Deus que começou a ser derramada sobre aqueles que recusaram o Evangelho, não mais se recolherá até que todos os inimigos de Cristo sejam postos por escabelo de Seus pés [Salmo 110:1; Hebreus 10:13]; com dores de parto cada vez mais freqüentes e fortes até o dia do seu julgamento, Jerusalém foi destruída e a Igreja fortalecida (como já temos feito notar nestes estudos); com dores de parto cada vez mais freqüentes e fortes, cada nação e cada homem rebelde serão julgados, e os eleitos chamados e convertidos, assim será até o dia do Julgamento Final [Isaías 66:7-9; Romanos 8:22; Gálatas 4:19; Apocalipse 12:2-6]. Dores de parto, súbitas em seu aparecimento, porém freqüentes e cada vez mais violentas depois disto, anunciando um nascimento que pode tardar, mas certamente virá; dores de parto que são um sinal da Queda [Gênesis 3:16] e, ao mesmo tempo, são o sinal da esperança da Redenção [Gênesis 3:15].

Cabe a cada um de nós atentarmos para estes sinais, tendo em mente esta dicotomia - Queda e Redenção - e nos apropriarmos dela entendendo-a tanto em relação à nossa união com Cristo (e, portanto, na nossa incorporação nos atos de Redenção que Deus opera através da Igreja), quanto em relação à nossa pessoal Aliança com o Senhor. Cabe a cada um de nós, ao nos depararmos com as guerras, terremotos, pestes e fomes, clamarmos ao nosso Senhor para que "Seu Reino venha a nós" e "Sua vontade seja feita", para que Ele vivifique Sua Igreja e nos capacite, individualmente e como organismo, a levar fielmente a Palavra que é capaz de trazer a vera paz e afastar a Ira de Deus de sobre as nações. Cabe a cada um de nós, ao sermos acometidos pelas guerras, terremotos, pestes e fomes, clamarmos ao nosso Senhor por misericórdia, porque nossa individual maldade, a maldade no meu coração e no seu, é o motivo de todos estes julgamentos [Gênesis 6:5-7]; cada um de nós merece (eu mereço, você merece), tanto mais sofrimento quanto o causado por cada ato da Divina vingança contra nossos pecados; nós somos a vera causa dos males do mundo. Cabe a cada um de nós, ainda tendo enxergado por estes sinais a marca da nossa própria miséria, olhar para Cristo, o Senhor, que deu Sua vida para tomar para Si algumas destas miseráveis criaturas - que somos nós - e constituir nelas, com o poder de Seu precioso Sangue, uma Nova Criação, uma natureza redimida, liberta da escravidão dos pecados, chamada para a Santidade. Cabe a cada um de nós olharmos ainda para as guerras, tragédias, doenças e privações pessoais e enxergar nelas, novamente, a nossa miséria e, a partir desta denúncia, buscarmos o arrependimento e a humilhação diante do Salvador, estendendo para Ele as mãos trêmulas e necessitadas, de quem, além do pecado, não tem nada em si que possa apresentar com sinceridade ao Senhor e aguardar na misericórdia e graça dEle, para que nos perdoe, acolha e vivifique, na Sua obra de Redenção; que nos faça, ainda que com muitas dores, ainda que com dores sofridas e compartilhadas com aqueles que pela Igreja e por aqueles que por nós oram e trabalham [Gálatas 4:19; Romanos 8:18; Colossenses 1:24], nos faça nascer de novo, convertendo-nos verdadeiramente do mal caminho de nossa alma, firmando-nos os pés na estreita, porém reta, estrada que leva à Vida Eterna.

Esperança em Tempos de Apostasia - Parte 12


"Haverá também coisas espantosas, e grandes sinais do céu. Mas antes de todas estas coisas lançarão mão de vós, e vos perseguirão, entregando-vos aos concílios, às sinagogas e às prisões para serdes atormentados e açoitados; conduzindo-vos à presença de reis e presidentes para lhes servir de testemunho - sereis odiados de todas as nações por amor do meu nome. Nesse tempo, muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se aborrecerão."


[Mateus 24:9-10; Marcos 13:9-10; Lucas 21:11-13]



Há certa controvérsia quanto às "coisas espantosas, e grandes sinais do céu". Não porque o registro da profecia seja impreciso ou porque faltem dados históricos, mas porque o racionalismo assaltou a Igreja de Cristo, especialmente desde o surgimento da Teologia Liberal. Digo isto porque os antigos homens de Deus, até por volta do século XVIII, não temiam afirmar que o inexplicável e o insólito existiam também fora das páginas da Escritura; não temiam dizer que, apesar de os dons e ofícios extraordinários (como o Apostolado, ou a Profecia) haverem cessado há muito (desde os tempos da fundação da Igreja neotestamentária), os milagres, ou seja, as ações de Deus que manifestam Seu controle sobre a Criação e Seu poder de operar sobre e através de quaisquer "leis naturais" teorizadas pelo homem (elaboradas usualmente com base na regularidade dos comuns acontecimentos e, portanto, alheias a qualquer firme fundamento senão o desta regularidade) não cessaram e jamais cessarão – são parte da prerrogativa da Soberania e Majestade do Altíssimo. O Reformador João Calvino, ao comentar sobre estes presentes versículos do Evangelho de São Mateus, encaminha o leitor para a obra chamada "As Guerras Judaicas" do historiador judaico-romano Flávio Josefo; advertindo que, embora não haja registro inspirado do cumprimento desta parte do Discurso Profético de nosso Senhor, há um registro histórico, tão confiável quanto pode ser qualquer escrito humano. Os Puritanos John Lightfoot e Matthew Henry fazem menção à esta mesma obra de Flávio Josefo. E o que há nesta obra que relaciona-se com a presente profecia, afinal? O referido livro - "As Guerras Judaicas" - narra sinais nos céus, estrelas ou cometas, dentre outros acontecimentos estranhos, que ocorreram em Jerusalém antes da destruição em 70 d.C. Ora o racionalismo, e mais específicamente a idéia de que não só a razão, mas a ciência deve explicar determinado fenômeno para que seja crido, impediu que tais relatos fantásticos de Flávio Josefo fossem tomados como relatos aceitáveis e consideráveis quanto ao cumprimento desta profecia. Esta elevação da ciência a um lugar que não lhe pertence, ou seja, o lugar de juíza da verdade e mãe de todo o conhecimento, causou ainda uma reação extrema em certo seguimento da Igreja; muitos, para negarem o racionalismo, se tornaram místicos e deificaram a ignorância, recusando qualquer evidência e informação, mesmo qualquer conhecimento, que esteja fora da Escritura e da sua revelação particular a respeito da mesma - o que, na prática, quanto ao presente caso, teve o mesmo efeito. Note que os Reformadores e Puritanos, não nos legaram nenhum dos extremos, como, em verdade, o consenso dos antigos mestres dos primeiros séculos da Igreja também não nos legaram. Antes, estes preciosos homens nos mostram, pela Escritura, que o conhecimento obtido pela experiência própria e pela experiência alheia deve ser testado pela Palavra e não por qualquer método naturalista, cartesiano ou seja lá o que for. Assim, muitas coisas espantosas e sinais dos céus, segundo o testemunho da História, e em acordo com a Profecia bíblica, ocorreram naqueles anos próximos a 70 d.C. para anunciar a grande obra que o Senhor realizou naqueles dias, a fundação da Igreja Neotestamentária e a revelação da Nova Aliança em Cristo Jesus: sim, a notícia do Evangelho e o poder para Salvação dos pecadores irromperam ao mundo, pela misericórdia, graça e ação de nosso Senhor, marcando para sempre aqueles dias como um tempo absolutamente único na História humana, verdadeiramente um tempo onde os poderes foram abalados e um novo céu e uma nova terra trazidos ao universo temporal.



Mas antes da Igreja estar plenamente fundada e antes mesmo do Evangelho correr o mundo anunciando nosso Salvador amado e o poder de Sua ressurreição, os discípulos e Apóstolos haveriam de padecer muito sofrimento. Veja que quando o Estado e a Religião interceptam os negócios um do outro, quando tal é feito na forma de instituições e hierarquias anti-bíblicas, quando tal é feito para domínio de um sobre o outro, então a Igreja sofre e o mundo triunfa. E esta era a situação da Igreja Judaica naquele momento, esta era a situação da Religião bíblica naquele momento - o Estado e a Religião Judaica se confundiam, se interceptavam; polêmicas teológicas logo se tornavam polêmicas políticas e partidos políticos logo se tornavam seitas do Judaísmo. Com o Evangelho sendo pregado e, portanto, desafiando as seitas predomimantes da religião Judaica a comprovarem se verdadeiramente seguiam a Escritura e obedeciam ao Senhor, logo esta questão teológica e religiosa atravessou as fronteiras da organização eclesiástica (os concílios e sinagogas), para os domínios estatais (prisões, reis e presidentes).

Quanto a isto, há duas lições para nós:


1) Que importa que com muitas tribulações se entre no Reino de Deus [Atos 14:22].


2) Que mais uma vez a natureza espiritual do Reino, que constrasta com as expectativas judaicas (conforme já vimos nas edições passadas), é tão destacada que aquilo que parece uma derrota, como as perseguições e as prisões, em verdade, fortalece a Igreja.



Com detalhes, reflitamos sobre cada um destes dois pontos, iniciando com a necessidade de muitas aflições para entrar no Reino de Deus.


Em primeiro lugar, note que o texto [Atos 14:22] diz que importa; não é opcional, não é facultativo, não é somente para aqueles homens que ouviram imadiatamente estas palavras (embora, sem dúvida, seja especialmente para estes) - antes, importa, é necessário, é uma condição. Igualmente, na profecia, a perseguição é certa e, como ordenada por Deus, necessária e boa. Todos os Filhos de Deus, todos os que entram no Reino de Deus, todos os Cristãos, devem esperar tribulações e perseguições neste caminho. Há uma aliança entre os reis mundanos, entre os líderes que propagandeiam o pecado, entre os povos e massas de não-convertidos; há uma união e um acordo deles no pecado, na vã imaginação, na revolta contra o verdadeiro Rei - Cristo Jesus [Salmo 2:1-3; Romanos 1:18-32] e, portanto, contra Seu povo. Há uma natural inimizade entre o Cristão e o ímpio, "O ímpio maquina contra o justo, e contra ele range os dentes. O ímpio espreita ao justo, e procura matá-lo." [Salmos 37:12,32]. Portanto, quando o Cristão se submete ao Reinado de Cristo, presente e espiritual (como já temos aprendido), quando o Cristão luta para que seja visível este reinado, para que venha a nós o Reino e seja feita a vontade de Deus na terra; quando o Cristão vive e traz consigo a Palavra, quando diz ao ímpio "Tu certamente morrerás" [Ezequiel 33:8a]; quando condena os prazeres dos ímpios, odeia os seus entretenimentos e se separa deles visivelmente; quando difere deles no vestir, no falar e no uso do tempo e do dinheiro; quando o Cristão, com força e poder, pela Graça de nosso Senhor, faz visível e audível a sua Fé, então o ímpio o considera abominável e o odeia [Provérbios 28:4; 29:27]. Portanto, importa sofrer tribulações, importa ser perseguido, importa ser odiado. Se o seu cristianismo é tão frágil e insignificante que não desperta o ódio do mundo e não te traz nenhuma limitação quanto a sua vida em sociedade, quanto às companhias que você desfruta, quanto à forma como você passa o Domingo, quanto às coisas às quais você expõe seus olhos, quanto aos objetivos que você nutre e para os quais se dirige; enfim, se o seu cristianismo não te traz nenhuma tribulação, tema! Porque um homem morto no meio de homens mortos conhece paz, mas um homem vivo não repousa entre cadáveres! Tema e veja se acaso os abutres não estão a devorar suas mãos ou a banquetear-se de seus órgãos, enquanto você engana a si próprio considerando-se um bom Cristão, porque a alma daquele cuja religião é somente um hábito, está corrompida em pecados! Importa sofrer tribulações e, se você não as tem sofrido, tema e busque arrependimento junto ao Senhor e fé e determinação, na Graça e no poder do Sangue do Senhor, para que Ele, no Seu Espírito, misericordiosamente sopre sobre você e te torne vivo. E assim, quanto àqueles que lançaram as bases de nossa Igreja, os Apóstolos e Profetas no primeiro século, tanto mais importou que neles se completassem as aflições de Cristo, pela Igreja [Colossenses 1:24]. O sofrer aflições por causa da retidão é precioso, e comprova que como ovelhas, somos entregues à morte todos os dias, porque reputamos nosso próprio bem por menos do que o bem ao próximo e, sobretudo, toda nossa vida na Terra por menos do que o valor de nossa alma e da alma daqueles a quem anunciamos à Cristo, e este Crucificado, como Aquele desejado das nações, o único que abre-nos caminho ao céu.


Ora importa sofrer por Cristo, importa sofrer pelos irmãos, importa sofrer pela Verdade, mas não é de se ter alegria se um Cristão sofre justamente, ou seja, se sofre porque seus pecados, erros e maldades exigem reparo diante dos homens e diante do Altíssimo Juiz. Ser atribulado porque você falhou na criação dos seus filhos e, fora da Aliança, eles gastam suas vidas em bebederias, casamentos desfeitos e brigas; ser atribulado porque você se entremeteu ambiciosamente em negócios ilegais ou imorais, em espertezas que te proporcionam uma rápida ascensão social ou satisfazem seus desejos de deleitar-se nos prazeres do mundo; ser atribulado porque não consegue controlar suas paixões e perde seu tempo, equilíbrio e dinheiro com loterias, diversões baixas, ou na aquisição de carros e motos que mal cabem em seu orçamento; ser atribulado por causa de seus pecados, isto não é o que está aqui sendo destacado, nem é uma característica distinta do Cristão; antes, é uma característica de quem tem a ira de Deus sobre si e, eventualmente, uma característica de um Cristão ainda displicente e negligente em suas batalhas; entretanto, é, propriamente característica de um ímpio. Assim, importa sofrer aflições, por causa da justiça e retidão, por causa do Evangelho e de Cristo em nós, por causa da Igreja, do amor pela comunhão dos Santos; mas não pela injustiça e pela maldade que praticamos.


Importava, portanto, que antes que os novos céus e nova terra onde habita a justiça se revelessam, os Apóstolos e discípulos fossem confirmados em suas almas e engajados a continuarem na fé, por meio de muitas tribulações. Tal é a Igreja Cristã, e tal é o Reino de Cristo, tão contrário aos Impérios da Terra, que não encontra seu crescimento pelo domínio, nem pela força, nem pelo número de seus exércitos; mas pela submissão às autoridades civis (mesmo àquelas que proporcionam o mal) [

1 Timóteo 2:1-2; Romanos 13:1-7; 1 Pedro 2:17], por fazer o bem aos inimigos e orar por eles (e não por perseguí-los física ou politicamente)[Mateus 5.44-48], pela fraqueza (que nos leva ao martírio e não às armas) [Atos 4;35;5:40-42; 2 Coríntios 12:9], pela pobreza (porque o que temos, entregamos para os pobres e empregamos em tudo o que traz benefício espiritual e, ainda quando ricos, nos fazemos todos pobres, tendo, não prata ou ouro, mas o poder da Palavra) [Atos 3:6; Deuteronômio 15:7; Tiago 2:6; Efésios 4:28], e pela loucura (porque Deus escolheu a loucura da pregação para converter ao mundo) [1 Atos 26:24; Coríntios 1:18-25; 2:14]. Ora, a tribulação confirma os Santos, em lugar de os desanimar e afastar, porque a natureza da Igreja não é natureza do mundo; eis um Reino Espiritual, que tem glória naquilo que o mundo rejeita e, quando sofre o que para o mundo seria uma derrota, na verdade triunfa. Tal natureza da Igreja é tão fixa que, ainda quando, em determinado tempo ou lugar, temos um grande número em nossas fileiras e abundância em nossas mesas, é nosso dever contar com as mesmas armas espirituais de antes, não confiando nas temporais providências, mas mantendo os olhos no Senhor e, em amor, compartilhando nossos bens e número com aquelas partes da Igreja que não se encontram sob a mesma bonança. A Igreja está sempre em tribulações, porque tudo está encerrado sob pecado, para manifestação da Graça, e sofrimentos determinados, para manifestação de Cristo em nós; sim, mais uma vez destaco - eis que temos um Reino Espiritual; mas não em luta contra um reino material, antes, sobre e além de todas as riquezas e recusos temporais. Assim, aqueles que com Cristo, nosso Rei, se assentam, aqueles a quem foi destinado o reino, há de ser aquele que serve e que, antes da glória, suporta a Cruz [Lucas 9:23; 22:23-30]. Como já constatamos, nada poderia constrastar mais com as expectativas Judaicas de um Reino Teocrático estabelecido pelo Messias, do que esta realidade constantemente frisada pelo Senhor em Seu Discurso Escatológico.


Logo após serem enunciadas estas preciosas palavras, vieram as perseguições por parte dos Judeus; posteriormente, vieram as perseguições por parte dos pagãos; e logo, como suas sinagogas e assembléias maldosamente usavam suas influências para manobrar os poderes políticos do mundo e uniam as mãos com aqueles que perversamente ocupavam o poder, maldosamente se colocando ao mau serviço dos líderes corruptos, servindo e obedecendo primeiro aos homens e depois ao Criador (se, no todo, chegassem a obedecer algo da Palavra), andando junto com aqueles que deveriam beijar o Filho e servir como instrumentos de Deus [Salmo 2:9-12]; por tanto logo vieram as perseguições por parte do Estado, inicialmente sob Nero César. Boatos e propagandas espalharam o ódio contra os Cristãos e era dito que "os Cristãos odeiam a humanidade", "crêem em uma superstição levada a limites extravagantes", "uma superstição mortífera"; que eram "ateus" e "canibais", "incestuosos e imorais". Chamavam ao Cristianismo de superstição porque suas filosofias e suas religiões tradicionais não explicavam a Verdade Cristã; diziam odiarmos a humanidade porque conhecemos a miséria do homem natural, morto em delitos e pecados, e anunciamos a Ira de Deus sobre a humanidade; éramos extravagantes e mortíferos porque o Cristão dirigia toda sua vida à estrita obediência a Escritura e estava disposto a desgastar-se pela Fé; ateus porque não criam no que a sociedade comumente acreditava e, por fim, canibais porque a carne e o sangue de Cristo, tomados no Sacramento, eram tidos com tão grande estima e temor, que, pela Fé, ao falarem sobre a ordenança, o faziam de tal forma que verdadeiramente convenciam os ouvintes a respeito da sacralidade do que ali performavam; e incestuosos porque a fraternidade que havia entre os Cristãos era tão notável, e o amor que os unia era tão genuíno que muitos criam que as comunidades Cristãs eram formadas por irmãos cosangüíneos, filhos de um mesmo pai terreal, e não por irmãos espirituais, filhos de um mesmo Pai Celestial . Assim, eram odiados e perseguidos, contrariavam o mundo e exaltavam a nosso Senhor. Como nos falta esta Fé hoje, como estamos distantes de tais acusações por termos negociado e abrandado nosso testemunho e esfriado em nossa piedade.

É verdade que há muitos que dizem que as perseguições e tribulações encontram fim quando uma nação se cristianiza; porém, se a comunhão nacional da Igreja se nacionaliza, em lugar da nação se tornar Cristã, então, isolada em seu território nacional e dividindo o coração entre a Fé e o nacionalismo, tal comunhão nacional encontra a paz ilusória de um sepulcro caiado. Agora, quando o Senhor concede prosperidade a Sua Igreja em determinada região, de tal modo que ela influencia e abriga a nação sob a sombra de suas folhas e tal comunhão nacional se entrega à defesa e auxílio das congregações que, em outras partes do mundo, sofrem e lutam para pregar o Evangelho e levar luz às trevas, então não lhes faltará aflições. Veja que a Ilha da Madeira, no século XIX, era um lugar pacífico; pessoas do mundo inteiro viajavam para aquelas terras para descansar e recuperar sua saúde, o clima era agradável e o relevo belíssimo; homens cultuavam ao Senhor em suas casas, estrangeiros reunidos pacificamente enquanto não pregassem para o povo da ilha, que permanecia sob as garras da Igreja Romana. Quando o Rev. Robert Kalley e, porteriormente, o Rev. Hewitson, chegaram aquele lugar e a Palavra foi manifesta ao povo, então, a paz daqueles que têm nome de Igreja mas não o são, se dissipou e podia-se ouvir novamente o clamor de que "Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui" [Atos 17.6]. Que nossas orações sejam para que o Senhor, em Sua Graça, nos conceda tal espírito, de transtornar a Terra e sofrer aflições por causa da Justiça e de nosso Amor a Cristo Jesus e ao Evangelho.