Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 5



Na última edição, iniciamos nosso estudo da Segunda Epístola Universal de São Pedro, pela qual vimos, dentre outras questões, que a expressão últimos dias, na Escritura, refere-se a tempos de julgamento quando Deus desfere um poderoso golpe na ordem corrupta e pecaminosa então presente, e revela a Glória de Seu Filho de forma cada vez mais clara. Quanto aos contextos examinados, os últimos dias são uma referência ao evento escatológico mais importante de toda a História, os dias da encarnação, morte e ressurreição de Cristo e do estabelecimento de Sua Igreja. De certa forma todos os julgamentos contra as nações ímpias são uma sombra deste julgamento, da mesma forma como todas as libertações que o povo de Deus recebe são uma sombra da liberdade conquistada na Cruz. Isto não significa que cada texto da Escritura tenha mais de um sentido verdadeiro (o que seria uma violação da hermenêutica, ou seja da regra de interpretação bíblica, explicada na Edição 17), mas que, muitas vezes (especialmente nas profecias) o Espírito Santo inspira o escritor a usar elementos verdadeiros da cultura e história próximas ao seu tempo para falar sobre um evento futuro que não poderia ser plenamente compreendido nem pelo próprio profeta [cf. 1 Pedro 1:12]. Esta linguagem e perspectiva profética nos ensina que Deus age de maneira ordenada sobre Sua Criação, regendo a História de uma forma regular e compreensível – e nisto há grande consolo para todos os Filhos Seus, pois é através desta filosofia da história bíblica que compreendemos que não importam quão negras as trevas da impiedade pareçam, nem quão atrozes e enganadores sejam os anticristos a atacar a Igreja - o Senhor permanece para sempre sobre o trono e o dia da vingança não tarda a vir sobre os ímpios. É por este motivo que o fim da História no Segundo Advento de nosso Senhor é profeticamente próximo e, muitas vezes, até sobreposto ao Primeiro Advento nas profecias do Velho e do Novo Testamentos.

Prosseguiremos agora com a parte do estudo que outrora realizávamos.

E nos Últimos Dias virão escarnecedores...

Como foi comentado na abertura desta edição, há um paralelo notável entre as diversas profecias que falam do Primeiro e do Segundo Adventos de nosso Senhor. Encontramos este paralelo, por exemplo, dentro da seção da Segunda Epístola de São Pedro e dentro do Discurso Escatológico de nosso Senhor Cristo Jesus nos Evangelhos. Tanto a Epístola de São Pedro, quanto o Discurso Escatológico, tratam dos mesmos temas, usam as mesmas figuras e profetizam os mesmos eventos (as conseqüências da Primeira e da Segunda Vindas). Infelizmente, muita confusão foi lançada sobre a interpretação do Discurso Escatológico, e, por isto, na Edição 22 iremos analisá-lo em seus pormenores dentro de uma Harmonia dos Evangelhos que será aqui apresentada. Parte desta confusão é devida à disseminação de intérpretes futuristas e dispensacionalistas, que consideram os textos contidos no Evangelho de São Mateus, Capítulo vinte e quatro; no Evangelho de São Lucas, Capítulo vinte e um; e no Evangelho de São Marcos, Capítulo treze como referindo-se apenas a eventos futuros. No entanto, quando olhamos para a História da Igreja, desde São Policarpo no século I até João Calvino e John Owen nos séculos XVI e XVII, vemos que a posição destes homens era outra. Estes textos escatológicos eram vistos como, em parte falando especificamente da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., (o que para nós é passado), e, em parte, falando especificamente da volta de Cristo (um evento futuro). Há, no entanto, certa controvérsia quanto a quais partes dizem respeito especificamente a quais eventos, ainda que haja concordância quanto ao fato de que mesmo as partes passadas são valorosas para nós quanto ao conhecimento da Providência de Deus e de Seu cuidado, e como instrução para Cristãos que enfrentem situações semelhates. É importante, contudo, ter-se cuidado ao extrair os ideais e aplicações destes textos - relembrem-se sempre daquelas pequenas regras da Edição 17 para evitar ler no texto algo que seu autor original jamais intencionou.

Prosseguindo a exposição destes textos, notemos as palavras, simples e diretas, de nosso Mestre no Evangelho de São Mateus: e esta geração não passará até que se cumpram todas estas coisas [cf. Mateus 24:34]. Aquela presente geração, os homens vivos daquela época, presenciariam “todas estas coisas” - o fim dos tempos da Velha Aliança, a destruição terrível que caiu sobre Jerusalém, o nascimento da Igreja e a ascensão de Cristo. É para seus discípulos que Cristo faz o discurso no Monte das Oliveiras e é também para eles que nosso Senhor adverte:

Acautelai-vos, que ninguém vos engane; Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos... Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.... Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que estiverem no meio da cidade, saiam; e os que estão nos campos não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. Mas ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias! Porque haverá grande aperto na terra, e ira sobre este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem... Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.” [Mateus 24:4-5,24; Lucas 21:20-24]

Portanto, como se pode claramente notar, tanto o cerco de Jerusalém, quanto a fuga para os montes, bem como os falsos cristos e falsos profetas, são sinais para aquela geração. Conquanto não possamos agora examiná-los aqui (espero fazê-lo, como disse, ao terminar a exposição da Epístola de São Pedro) isto já é o bastante para compreendermos a referência e o modo de interpretar o que o Apóstolo Pedro escreveu pois, igualmente, o foco principal de seu texto é o julgamento de Jerusalém e os falsos cristos e falsos profetas que serão abundantes nesta época – enganados por estes falsos mestres e enganadores com eles, frios em seu amor pela Palavra, ali estão os escarnecedores que perturbam os Cristãos Judeus da dispersão, conforme preditos por Cristo Jesus.

Os textos do Antigo Testamento

Como já citei, esta presente exposição está longe de ser uma novidade teológica, ao passo que é filha dos trabalhos dos primeiros reformadores e de grandes Puritanos como o já citado John Owen. Faremos agora como estes homens (que eram profundamente conhecedores da Escritura e possuíam uma acurada capacidade de interpretá-la e explicá-la) nos ensinaram a fazer, e uma vez mais, buscaremos que a própria Escritura fale sobre seus textos mais difíceis através dos seus textos mais claros. Como há um paralelo entre o Discurso Escatológico e o texto de São Pedro, há também uma continuidade entre as profecias messiânicas do Velho Testamento e estes textos proféticos do Novo. Invariavelmente, quando um autor neotestamentário fala de algum aspecto do Reino Messiânico ainda não plenamente apreendido pelos seus leitores, ele o faz usando um texto do Velho Testamento. Quanto a nossa busca por identificar os escarnecedores citados na Segunda Epístola de São Pedro, ele nos diz que devem ser identificados tanto no ensino de Cristo Jesus quanto nos profetas [2 Pedro 3:2]. Há uma referência no livro do Profeta Isaías que é citada no Novo Testamento duas vezes pelo Apóstolo Pedro [Atos 4:11; 1 Pedro 2:6] e que avisa sobre a existência de notáveis escanecedores no Tempo do Fim. É o Capítulo 28 do livro do referido profeta Isaías, onde podemos ler nos versículos 14 até 16 que homens escarnecedores dominariam sobre o povo que está em Jerusalém no tempo em que Deus enviaria uma pedra preciosa, angular, na qual tropeçariam e pela qual seriam derrubados. Estes escarnecedores pregariam a mentira [Isaías 28:15] e escravizariam os judeus com preceitos sobre preceitos [Isaías 28:13]. Eles seriam advertidos (conforme ocorreu do tempo do Pentecostes até a execução do Juízo na destruição de Jerusalém) por línguas estranhas [Isaías 28:11], mas mesmo assim não temeriam e se considerariam seguros, pensando que a ira de Deus anunciada por Cristo não viria sobre eles [Isaías 28:15]. A admoestação final deste trecho de Isaías é uma base clara da profecia de São Pedro: Agora, pois, não mais escarneçais, para que os vossos grilhões não se façam mair fortes; porque já do Senhor, o SENHOR dos Exércitos, ouvi falar de uma destruição, e esta já está determinada sobre toda a terra [Isaías 28:22]. No início desta edição foi explicado como os profetas usualmente falam de algo que é verdadeiro sobre seu tempo ou sobre um tempo próximo do seu quando, porém, o Espírito lhes revela algo de um tempo ainda bastante distante. Chamamos isto de tipo, uma prefiguração de um evento cósmico vindouro na História da Redenção. Esta profecia do Livro de Isaías é um excelente exemplo disto: o que é dito aqui é verdadeiro a respeito do ataque dos Assírios à Israel, que ocorreria em 740 a.C., porém, como vemos a partir do uso que os Apóstolos fazem do texto [cf. 1 Coríntios 3:11;14:21-22; Romanos 9:33;10:11; Efésios 2:20; 1 Pedro 2:4-8] o que está sendo especificamente profetizado aqui é a Vinda do Cristo Jesus, o conseqüente juízo contra a escarnecedora Israel Apóstata e a revelação da Israel Espiritual na Igreja Neotestamentária através da Nova Aliança. Exatamente o mesmo tema que o Apóstolo Pedro trata em sua Segunda Epístola. Até mesmo a linguagem é semelhante: veja que o profeta Isaías prediz a destruição que virá sobre toda a terra. O Apóstolo igualmente fala de uma destruição vinda sobre toda a terra. Em nenhum dos dois casos a referência específica é o mundo inteiro, mas sim toda a terra de Jerusalém. Isto fica óbvio se olhamos para o tipo realizado da profecia – o exército Assírio não destruiu a criação inteira, mas somente a Terra de Israel. O próprio Apóstolo dá mais uma evidência disto quando, sobre o dilúvio, diz: pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água [2 Pedro 3:6]. Sabemos que não foi a criação inteira que pereceu no dilúvio, mas somente a geração má e adúltera que recusou a pregação de Noé, pregação esta que o Apóstolo considerou ser ação do próprio Cristo, em Espírito [1 Pedro 3:19-20] .

Sejamos nisto admoestados para que ouçamos ao Senhor que nos fala e nos chama a obedecê-lO. Se grande foi a Sua Ira contra o povo da época de Noé, e grande foi a Sua Ira contra o povo de Israel, porque recusaram a ouvir quem, divinamente, os advertia – muito menos nós, sobre quem veio tão grande Graça e tão maravilhosa e clara Revelação em Cristo Jesus, devemos nos desviar dAquele que, pela Escritura, desde os céus nos adverte [cf. Hebreus 12:25]. Temamos e tremamos ante o poder de Deus e ante o Seu chamado que temos recebido, para sermos Santos e Irrepreensíveis nEle, em Amor.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 4

Na última edição, observamos que a Escritura nos dá três sinais principais que precederão a volta de Cristo, e que, portanto, este evento escatológico não é iminente. Os três sinais são:

1) A Evangelização dos Gentios;

2) A Evangelização dos Judeus;

3) A Ira de Satanás.

Foi apresentado, como prova para a não iminência, alguns versículos destacadamente da Segunda Epístola Universal de São Pedro e textos do Discurso Escatológico de Cristo, nos Evangelhos. Iremos, a partir desta edição, deixar que o texto destas porções da Escritura falem por si mesmos e sejam expostos em seus devidos contextos, conforme o Espírito de Deus, que os inspirou, igualmente determinou que fossem entregues aos seus primeiros destinatários na Igreja Primitiva. Esta, conforme o entendimento dos Puritanos e Reformados, é a forma ideal de aprendermos da Escritura e evitarmos que idéias pré-concebidas contaminem nossa leitura do texto. Iniciemos, pois, com a Segunda Epístola Universal de São Pedro.


O Contexto da Carta e o Primeiro Capítulo

Esta epístola foi escrita pelo Santo Apóstolo Pedro, provavelmente não de próprio punho, mas com o auxílio de seus discípulos, já no fim de sua vida [2 Pedro 1:14]. Como tal, a intenção de Pedro é legar à Igreja uma forte arma para exortar-la à prática da piedade e para forte condenação dos falsos mestres [2 Pedro 1:15]. O Apóstolo concentra-se aqui em um tipo especial de falso ensino: aquele que se baseia na Graça e Soberania de Deus para buscar escusa para pecar. Não é, entretanto, esta a única intenção da carta. Mas, provavelmente pela insistência destes hereges, São Pedro combate repetidamente estes libertinos, exaltando a completude do dom de Deus para Salvação – os eleitos do Senhor, quando chamados pela pregação do Evangelho, confirmam a veracidade de sua eleição Eterna através da diligente obediência a Cristo [2 Pedro 1:10]. Com isto o Apóstolo demonstra que os hipócritas, cuja profissão de fé é falsa e superficial, enfrentarão a mais terrível ira de Deus.

O Apóstolo expande a visão deste conflito entre os falsos mestres ímpios e os santos de Deus, eleitos e chamados, demonstrando a crescente intrusão das Eternas Perfeições de Deus na pecaminosa realidade temporal humana e, centralizado na Redenção em Cristo, São Pedro descreve este agir de Deus na História.

A certeza do Evangelho é confirmada, segundo o Apóstolo, por esta constante ação de Deus sobre o mundo. Primeiro, na comprovação da promessa da Velha Aliança por Cristo, através do testemunho da Glória revelada nEle no Monte da Transfiguração [2 Pedro 1:17], depois, na Palavra da Escritura que eternamente testemunha a revelação de Cristo – sendo, portanto, a mais completa, perfeita e derradeira Profecia [2 Pedro 1:19]. A Escritura, portanto, confirma o testemunho dos Apóstolos e permanece na Igreja após a morte deles [2 Pedro 1:14] como firme fundamento para a esperança que São Pedro anuncia ser a base do impulso Cristão de negação do mundo – a esperança da volta de Cristo - vividamente representada na transfiguração que o Apóstolo testemunhara e da qual a Escritura testemunhará perpetuamente. Além disto, a suficiência e perfeição da Escritura, bem como o anúncio da Eterna Glória dado no Monte da Transfiguração, apontam para a presente realidade da Igreja, onde Cristo já habita em Glória, e onde Sua futura parousia já é vivida [1 Pedro 1:3,4].

Os destinatários originais desta Epístola escrita pelo Apóstolo da Circuncisão [Gálatas 2:8] são os Cristãos Judeus na dispersão [1 Pedro 1:1]. São chamados, no prefácio da Primeira Epístola, de estrangeiros, pois verdadeiramente o são, uma vez não estão na própria terra. Com isto, o Apóstolo intenta também fazê-los recordar o estado de todos os Cristãos – estrangeiros nesta vida, peregrinando rumo à Jerusalém Celestial. O fato da presente ordem ser temporária é usado como ponto de partida para incentivar o dever de meditar-se e desejar-se aquilo que é Eterno e de desapegar-se daquilo que é temporal e corrupto [1 Pedro 1:14;2:5;3:7-17]. É nisto que os Cristãos Judeus deviam se apoiar para suportar as perseguições e tentações às quais eles estavam constante e excesivamente expostos. É importante compreender a situação destes Cristãos Judeus, que enfrentavam, em crescente grau:

1) a perseguição por parte do Império Romano, por serem Cristãos;

2) a perseguição por parte dos seus próprios parentes e dos poderes políticos judaicos por terem “desertado” da nacionalismo religioso dos Judeus;

3) as tentações das seitas judaizantes que, fingindo-se discípulos do Apóstolo Pedro, diziam oferecer a reconciliação entre os Judeus e o Cristianismo (quanto a doutrina que pregavam, era a heresia de que os sacramentos do Velho Testamento e as superstições judaicas eram parte do Evangelho);

4) as tentações das seitas libertinas que, fingindo-se discípulos do Apóstolos Paulo, diziam oferecer a reconciliação entre os costumes gentios e o Cristianismo (pregando a heresia de que, como a Salvação é pela Soberana Graça de Deus, o homem salvo poderia ser indulgente e cometer diversos pecados sem, com isto, ofender ao Senhor).

Assim, este era um tempo trabalhoso para estes Cristãos, de tão maior tribulação quanto a que podemos imaginar.


O Capítulo Três

A completude do dom de Deus em Cristo, na perfeição da Escritura e na Santificação do Crente (conforme anunciado no Capítulo Um) é aplicado, no Capítulo Dois, para explicar que os falsos mestres nunca foram verdadeiramente Cristãos e, como a natureza deles jamais foi mudada, seus pecados os escravizavam ainda agora [2 Pedro 2:22]. A habitação do pecado nos falsos mestres, trará sobre eles o salário do pecado, que é a morte [Romanos 6:23], com repentina destruição, da mesma maneira como Deus já fizera com os falsos profetas e os anjos caídos. Então, a carta atinge o clímax ao tocar a realidade escatológica no Capítulo Três. Nos primeiros versículos deste capítulo, o Santo Apóstolo Pedro novamente exalta a necessidade de se ter uma impressão mental vívida das palavras da Escritura. Ele novamente evoca os Profetas e os Apóstolos e faz referência aos Evangelhos [2 Pedro 3:2] evidenciando, claramente, o conjunto do Cânon da Escritura que, então, Deus estava providencialmente completando para a fundação de Sua Igreja.

Admiremos e imitemos a alta estima que o Espírito inspira São Pedro a expressar acerca da Palavra de Deus! Ela é exaltada sobre o extinto ofício de profeta [cf. 2 Pedro 1:1,19;3:2]; ela é honrada como fiel ensino dos Apóstolos; ela é a portadora das Palavras de Cristo Jesus; ela é o único guia a se recorrer para que a fidelidade da promessa do Senhor seja preservada quando o falso ensino ataca a congregação. Enquanto o bom servo de Cristo recorre às Escrituras, os malditos e escarnecedores recorrem aos seus próprios desejos [cf. 2 Pedro 3:3]. Esta evocação à toda a Escritura feita no Versículo Dois do presente capítulo, evocação do Velho e Novo Testamentos em conjunto, mostra também o cuidado de Pedro ao se aproximar de um tema complexo. É como se ele estivesse dizendo: Perseverai nestas coisas com vigilância e oração, pois são coisas difíceis de entender, para as quais devemos ter o conhecimento da Escritura e a sabedoria que o Espírito de Deus pode nos conceder. Tirai a sandalha de vossos pés, humilhai-vos em vosso espírito e não torçais o que Palavra nos diz. Ao assim procederem, podereis resistir ante as mentiras dos falsos mestres que perturbam a paz em vosso meio.

Temos, antes de prosseguir, de ter cuidadosa atenção (conforme recomendada pelo amado Apóstolo) e de compreender duas questões que nos darão a chave para a última porção deste Capítulo, onde somos instruídos quanto aos temas que temos abordado neste periódico:

1) O que são os últimos dias, referidos no Versículo Três?

2) A quem se refere a citação feita de escarnecedores com o seus escárnios?


Passemos, então, a analisar estas duas questões:


Os Últimos Dias

Na Primeira Epístola Universal de São Pedro, Capítulo Um, Versículo Vinte, podemos ler a seguinte afirmação: “[o sangue de Cristo], conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”. Podemos entender, portanto, que Cristo foi manifestado ao mundo no fim dos tempos. O Santo Apóstolo Pedro nos confirma que é exatamente este o seu pensamento, quando, na ocasião do Pentecostes, cita a profecia do Livro de Joel, aplicando-a ao Pentecostes, profecia esta que diz: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne” [Atos 2:17]. Portanto, para São Pedro, a manifestação de Cristo define o que são os últimos dias e o fim dos tempos. Como pode a manifestação de Cristo ser um sinal dos últimos dias? Exatamente porque o que se tem em vista nesta expressão, usualmente, é que os últimos dias são um julgamento que Deus perpetra. Podemos perceber isto no contexto do Capítulo Dois do Livro do Profeta Joel, onde o derramar do Espírito é seguido por sangue, fogo e colunas de fumaça e pelo sol se convertendo em trevas, e a lua, em sangue ao que se seguirá o grande e terrível Dia do SENHOR [Joel 2:30,31]. Por isto, em outras partes, o período dos últimos dias também é chamado o fim ou a consumação dos séculos [1 Coríntios 10:11, Hebreus 9:26] e é usado em oposição aos dias da Velha Aliança, como exortação para que os Cristãos percebam que aquela época em que eles viviam eram os últimos dias [1 João 2:18; Judas 18; 1 Coríntios 10:11]. Por isso nos é dito no Evangelho:E, por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito a meu filho” [Mateus 21:37]. Deus enviou por último, nos últimos dias, Seu próprio Filho, como última chance de redenção aos maus lavradores de Sua vinha [Mateus 21:33]. Porém, eles O mataram. “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Dizem-lhe eles: Dará afrontosa morte aos maus, e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo Lhe dêem os frutos” [Mateus 21:40,41]. Assim Deus executou um julgamento sobre Jerusalém, pondo fim aos dias da Velha Aliança e entregando a vinha a lavradores que Lhe dêem os frutos. Portanto, o julgamento sobre Jerusalém é também o fim dos dias do paganismo, pois todas as nações da terra são agora a vinha do Senhor, todas as nações são chamadas no Evangelho para serem lavradores da vinha [Isaías 2:2]. É este mesmo o fim do tempo em que Satanás era livre para enganar todo o mundo [Apocalipse 20:1,2]. É este mesmo o fim dos rudimentos do mundo – conforme a Escritura chama tanto o judaísmo quanto o paganismo [Gálatas 4:9, Colossences 2:20]. Os últimos dias, portanto, podem ser compreendidos como especificamente os dias da fundação da Igreja, o fim do estado religioso Judeu, o fim do domínio dos pagãos [Gênesis 49:1; Números 24:14; Miquéias 4:1; Isaías 2:1]; dias tais que vieram acompanhadas de grandes perseguições, dores e tribulações, de grandes sinais nos céus e na terra. Naqueles últimos dias, a realidade espiritual do novo céu e da nova terra onde habita a justiça, ou seja, da nova criação que é a Igreja de Cristo, irrompe no mundo e abala todas as fundações e estruturas existentes [Hebreus 12:26-27]. Por isso o Velho Testamento, quando fala do julgamento sobre Jerusalém e do surgimento da Igreja, usa uma linguagem altamente simbólica e impressionante, para que a grandeza do que ocorreu naqueles últimos dias seja apercebida por nós que vivemos ainda o “assentar da poeira” daqueles eventos cósmicos e a sombra dos últimos dias. Tantos são os versículos e textos que reafirmam esta definição que se poderia expor de Gênesis a Apocalipse sobre a realidade desta escatologia bíblica. E mais, afirmo que simplesmente você não encontrará na Escritura nada que diga que os últimos dias se referem exclusivamente ao tempo do fim do mundo, mas sim, específicamente ao tempo da fundação da Igreja e às conseqüências desta fundação. E isto é muito importante para compreendermos a presente e a futura vitória da Igreja de Cristo e para nos maravilharmos e glorificarmos ao Senhor pela inenarrável grandeza da presente realidade espiritual da Igreja.


Desdobramentos desta compreensão

Ao olharmos para o aspecto realizado da escatologia, conforme começamos a evidenciar no contexto da Segunda Epístola de São Pedro, então o propósito de Deus na História se torna mais claro para nós, assim como a verdadeira natureza da Igreja. Nosso Senhor e Salvador Cristo Jesus deixou a Glória inefável dos ceús e suportou a humilhação na terra, Ele sofreu as dores que eram nossas e morreu na Cruz pelos nossos pecados [Filipenses 1:5-8; Isaías 53:5-7]; e o SENHOR se agradou de moê-lO pois a vontade do SENHOR prosperará nas Suas mãos [Isaías 53:10] – este Sacrifício único e inigualável, o sangue Santo do Filho de Deus, como só Ele é digno, venceu o poder do reino das trevas. A hora do julgamento deste mundo e da expulsão do seu príncipe [cf. João 12:31] se fez presente no advento de Cristo e agora, pela Cruz, Ele atrairá todos os povos para Si [cf. João 12:32; Gênesis 49:10]. Nosso Senhor completou o penoso trabalho de Sua alma, para justificar a muitos com o Seu conhecimento [Isaías 53:11] e, de então até o final da História, todas as coisas cooperarão para a Glória dEle, para provê-lO daquilo que Ele comprou com Seu Sangue, a saber: a Sua Igreja [cf. Atos 20:28; 1 Coríntios 6:20]. A cada novo ato da justiça Divina, mais e mais glória é dada ao Senhor: tanto mais glória Ele recebeu quando Jerusalém foi julgada pelo sangue dos profetas; tanto mais glória Ele recebeu quando o Império Romano foi julgado pelo sangue dos mártires; tanto mais glória Ele recebeu quando a Igreja Romana foi abalada pela Reforma Protestante, e quanto mais glória Ele receberá quando Sua Igreja, segundo o Espírito deseja e opera, conquistar-Lhe homens de toda raça, tribo, povo e nação! Povo de Deus, atentai para o que somos, atentai para o que Cristo comprou para Si, atentai para o infinitamente alto preço que pagou! Vivamos conforme a veracidade de nosso chamado, conforme a eleição de que fomos alvo, glorificando ao Senhor diligentemente com o testemunho de nosso amor pelo Evangelho, para que todos os povos da terra conheçam que a mão do SENHOR é forte [Josué 4:24] e que a Cristo Jesus, nosso Senhor, já foi dado todo o poder e autoridade no céu e na terra, para fazer discípulos de todas as nações! [cf. Mateus 28:18].