Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 7

Na última edição vimos que São Pedro nos ensina que nos últimos dias, ou seja, no tempo de estabelecimento do Reino de Cristo, os céus e a terra antigos seriam substituídos por novos céus e nova terra e os rudimentos do mundo seriam derretidos – o que significava dizer que a ordem religiosa e política Judaica seria substituída pelo vero Reino de Deus e que o tempo da Velha Aliança havia chegado ao fim. A base desta afirmativa do Apóstolo está no Livro do Profeta Isaías, Capítulo 65, o qual também é citado em outras partes do Novo Testamento com igual objetivo e contexto. Interessantemente, podemos notar que assim como ocorreu com o Capítulo 28 do Livro de Isaías, a profecia dos Capítulos 65 e 66 também possui uma série de tipos e sombras em seu cumprimento: tanto ela corretamente predisse o retorno de Isreael a sua própria terra após seu cativeiro (o que é um tipo do Evangelho), quanto ela prediz especificamente as bênçãos da Igreja do Novo Testamento desde sua fundação até o dia do Juízo Final. Os céus e a terra se foram, mas o Evangelho de Cristo jamais desvanecerá, nEle as velhas coisas passaram e tudo se fez novo [2 Coríntios 5:17], novos céus e nova terra onde habita a justiça. Em Cristo Deus recriou os céus reconciliando consigo homens que haviam sido destruidos pela rebelião do pecado, por estes homens Deus reconcilia consigo a terra e diz: o mundo, a morte, a vida, as coisas presentes e as futuras, tudo é vosso e vós, de Cristo – eis que faço novas todas as coisas [1 Coríntios 3:22,23; Apocalipse 21:5]. Em Cristo, na nova Criação, o lobo e o cordeiro se alimentam juntos [Isaías 65:25], enquanto os inimigos de Israel somente podiam ser detidos pela força, os ímpios e mesmo os inimigos da Igreja convivem com os Santos fazendo-lhes oposição mas sem lhes desejar a destruição – qual é aquele que vos fará mal, se fordes zelosos do bem? [1 Pedro 3:13]; e os Santos de Deus não precisam destruí-los, antes zelam pelo bem deles - se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça [Romanos 12:20]. Na nova Criação, o leão comerá palha como boi, o homem mal será regenerado e sua natureza modificada de tal forma que é como se um leão deixasse sua natureza de predador para se tornar um animal do campo, e até mesmo o mais terrível leão, Satanás [1 Pedro 5:8], foi acorrentado, limitado em sua antiga ferocidade [Apocalipse 12:9,20:1-3; Mateus 12:29; João 12:32; Colossenses 2:15]; e entregue a sua antiga condenação – pó será a comida da serpente. Esta é a presente realidade da Igreja de Cristo, este é o novo céu e a nova terra na qual nós habitamos.

Agora, afaste-se um pouco da cena que enfocamos, ajuste a visão e contemple a poderosa mão de Deus que rege não só a História Universal, como a particular história de cada um de nós: fomos escolhidos desde a Eternidade no Pacto do Supremo Conselho do Deus Triúno; fomos justificados no tempo quando o Espírito cravou em nosso coração o amor de Cristo pelo que Ele fez por nós; somos santificados conforme o Espírito Santo opera em nós a Palavra de Cristo pelos meios que Ele escolheu para distribuir Sua Graça; e, finalmente, seremos glorificados quando nEle formos ressurretos no dia final - nosso amado Senhor Cristo Jesus é o poder e a causa desta maravilhosa Salvação que recebemos pela Graça de Deus. Ele a opera eficazmente em nós conforme Seu plano perfeito; nEle a Criação decaída em Adão é restaurada, nEle as profecias messiânicas se cumprem majestosamente. Contemplá-lO verdadeiramente somente pode redundar em adorá-lO verdadeiramente, compreender Seu poder só pode nos fazer curvarmo-nos com reverência e bendizê-lO! Glorificado seja o Misericordioso e Justo Deus que nos amou quando ainda éramos pecadores, que amou o cosmos e deu Seu único filho para redimí-lo, que contempla Seu Povo na pureza do imaculado Cordeiro! E como se admira o Santo Apóstolo Pedro ao vislumbrar a glória de Cristo em nós, o futuro da Igreja após a destruição de Jerusalém, como se admira da incomparável obra de Cristo! São Pedro então exclama: que tipo de pessoas, quão santos e piedosos, nós seremos quando todas estas coisas ocorrerem? [2 Pedro 3:11]. Que tipo de pessoas, quão santa e piedosa a Igreja de Cristo, será em sua maturidade! Após lançado o firme fundamento dos Apóstolos e Profetas, sobre a preciosa pedra de esquina que é nosso Senhor e Salvador. Oh, quando isto ocorrer, quão grandiosa e quão perfeita será a Igreja de Cristo! Contemplar esta glória futura faz São Pedro repetir no versículo 12 a profecia do Juízo de Deus para, então no versículo 13, demonstrar quão glorioso é o futuro da Igreja – ela é os novos céus e nova terra onde habita a justiça.

Ora, amados irmãos, percebamos que Jerusalém já caiu há quase dois milênios. O vislumbre que São Pedro teve dos novos céus e nova terra é, para nós, presente. Nós somos novo céu e nova terra reitero, as coisas velhas passaram [2 Coríntios 5:17; Hebreus 12:26:28]. Temos sido coerentes com isto? Podemos nós afirmar que habita a justiça em nosso meio? Somos tais que nossa piedade e santidade são coerentes com a Jerusalém Celestial, nossa vera pátria, e não somente um pouco melhor do que o mundo ao nosso redor? Ah, irmãos, oremos ao nosso Senhor para que Ele nos faça ver a manifestação desta santidade e piedade para as quais a Igreja foi comprada por Cristo, e nas quais devemos nos empenhar para sermos achados nelas [2 Pedro 3:14]. Não há descanso para cada um de nós, não há descanso para a Igreja até que sejamos achados por Cristo sem mácula e irrepreensíveis [2 Pedro 3:14].


Não sobrou nada para o futuro?

Se nós somos o novo céu e a nova terra, o que restou para o futuro? A resposta, de certa forma, já foi dada: resta a glorificação, resta a total Redenção que ainda não se operou. Nós somos os primeiros frutos do novo céu e da nova terra, portanto, já não somos deste mundo, mas sim do vindouro. O Profeta Isaías, no capíulo 66, nos versículos finais, mostra o crescimento da amplitude dos novos céus e nova terra até a eternidade. No penúltimo versículo deste Capítulo, toda a Criação aparece Redimida e no último versículo os ímpios estão eternamente condenados ao Inferno. Da mesma forma, na Segunda Epístola de São Pedro e no Capítulo 28 de Isaías, o uso de termos que poderiam significar um julgamento de maiores proporções prefigura o que ocorrerá no fim dos tempos. Assim, é lícito compreender que, da mesma forma como, com a proximidade do Juízo sobre Jerusalém, os Cristãos foram exortados a apressarem a vinda do Juízo (ao se santificarem e trabalharem para que aqueles que ainda haviam de se arrepender chegassem verdadeiramente à Fé), com a proximidade do Juízo Final, os Cristãos estão exortados a apressarem a volta de Cristo (santificando-se e trabalhando para que aqueles que ainda hão de se arrepender cheguem a verdadeira Fé). No Capítulo 66 do Livro do profeta Isaías, assim como na Segunda Epístola de São Pedro, isto é representado pela longanimidade de Deus, pela transtemporalidade de Deus e pelo desejo que Ele expressa de que todos os eleitos sejam Salvos. Em Isaías vemos todas as nações dos gentios vindo ao Senhor e vemos os gentios se empenhando em levar o Evangelho aos outros povos [Isaías 66:19] e também aos Judeus [Isaías 66:20], para que em todas as nações e línguas haja uma Igreja Santa e Pura, dando testemunho da Glória do nosso Senhor. Este caráter parcial da Redenção, que primeiro se manifesta na conversão dos homens e depois nos atos destes e, conseqüentemente, na Igreja que eles edificam, explica o porquê das profecias do Velho Testamento misturarem a promessa de bençãos terreais com a promessa de bençãos eternas – a Igreja não está fisicamente fora do mundo, mas espiritualmente está. Fisicamente sofremos as aflições da terra decaída, mas espiritualmente nos assentamos com Cristo em lugares Celestiais. Esta realidade espiritual, como comentamos na última edição, invade o tempo pouco a pouco, conforme cada novo Juízo de Deus destrói as manifestações corruptas do mundo e faz a Glória de Cristo ser vista mais claramente. Pouco a pouco, Deus opera grandes Providências para Seu povo; pouco a pouco, o cetro com que Cristo rege todas as nações se torna mais visível; pouco a pouco, toda a Terra é modificada pelo Evangelho e a batalha final se aproxima. Enquanto todas as nações não se renderem ao Evangelho, há firme razão para esperança de que o cetro de Cristo despedaçará os atuais apóstatas revelerando Sua glória com mais poder ao mundo e conquistando mais e mais povos para serví-lO. Tanto mais se aproxima este Dia, maior é o dever da Igreja Fiel em ser achada em paz e sem contaminações. Como nosso Senhor prescreveu o dever e, na boca dos Profetas, disse que isto assim se sucederia, podemos considerar que tanto mais se aproxima este Dia, mais a Igreja Fiel será, pela Graça de nosso Senhor e pela ação do Seu Espírito na habitação da Palavra, achada pura e obediente em todas as coisas. Ah, quão grande a esperança que temos então, na Glória futura da Igreja, no progresso futuro do Evangelho e quão grande emergência e anseio temos em nos empenharmos nesta tarefa de reformarmos a Igreja e direcionarmos nossa alma para toda sorte de deveres piedosos e santos que sejam conforme a Vontade de nosso Senhor para o Seu povo e o poder dAquele que opera em nós.

Para finalizar esta edição, evoco três testemunhos da História da Igreja. Vejamos o que o grande reformador João Calvino afirmou sobre a presente realidade e crescimento do reino previsto pelo profeta Isaías:

“ A Jerusalém que é de cima é livre e é a mãe de todos nós. Nas graças e confortos os quais os crentes tem em e de Cristo, nós devemos esperar estes novo céu e nova terra. É no Evangelho que as coisas velhas passaram e tudo se fez novo .. as novas coisas as quais Deus cria em e por Seu Evangelho são e serão matéria da alegria perene de todos os crentes. A igreja será a matéria de sua alegria, tão prazeirosa, tão [espiritualmente] próspera será sua condição ... Deus não só se alegrará no bem-estar da igreja, mas irá ele mesmo se alegrar em fazer-lhe o bem e em descansar no amor que tem por ela [Zacarias 3:17] ... Todos os inimigos da igreja de Deus, que são sutis e venenosos como serpentes, serão conquistados e subjugados, e lhes será feito lamber ao pó, Cristo reinará como Rei na Sua Sião, que é a Sua Igreja, até que todos os inimigos de seu reino sejam postos por escabelo de seus pés, e também uns dos outros.”

Um dos maiores teólogos de todos os tempos, o Puritano Jonathan Edwards, em perfeita sintonia com Calvino, disse:

“Os céus e a terra começaram a tremer, caminhando para sua dissolução [na Igreja Neotestamentária], de acordo com a profecia de Ageu, pouco antes de Cristo vir ao mundo, de tal modo que somente aquelas coisas que não podem ser abaladas permaneçam, ou seja, que aquelas coisas que tem fim cheguem ao fim, e que apenas permaneçam aquelas coisas que durarão toda a eternidade. Então, em primeiro lugar, as ordenanças carnais da adoração Judaica chegaram a um fim, para brir caminho para o estabelecimento da adoração espiritual,a adoração de coração, a qual perdurará toda a eternidade. Este é um exemplo do mundo temporal chegando ao fim e do início do mundo eterno. Então, depois disto, o templo externo e a cidade externa de Jerusalém, chegaram ao fim, para dar lugar para o templo espiritual e a cidade espiritual, que durarão pela eternidade”

Por fim, o Puritano John Owen, um dos maiores exegetas da Igreja, traz sua voz na Declaração de Savoy (que é a principal Confissão de Fé Congregacional):


“Como o Senhor, em Seu cuidado e amor em relação a Sua Igreja, tem, em Sua infinitamente sábia Providência, exercido este amor e cuidado de diferentes maneiras em todos os séculos, para o bem daqueles que O amam, e para Sua própria glória; enão, de acordo com Sua promessa, esperamos que nos últimos dias, a medida que for se realizando a derrota do AntiCristo, a conversão dos eleitos dentre os Judeus, e a quebra dos adversários do reino de Seu amado Filho; com as igrejas fiéis a Cristo ampliando seu alcance, e sendo edificadas através de uma livre e abundante comunicação da Luz e da Graça, então, as igrejas gozarão neste mundo de uma condição mais quieta, pacífica e gloriosa do que dantes experimentaram”

Seja, portanto, exaltado e louvado nosso Senhor, que tem em Sua Igreja o Seu Santo Monte, onde habita em Glória inefável, Sua nova Criação a qual permanece geração após geração e jamais será abalada [Isaías 65:25]. Temamos o Nome do Grande e Santo Deus que tem chamado, por Sua Graça sobrexcelente, a Igreja Kalleyana para ser depositária da Fé Cristã Histórica de homens como Calvino e os Puritanos.Temamos e lutemos pela Reforma em nosso meio, para que vivamos conforme a Escritura em todas as coisas, sendo agradáveis a Deus em Cristo – tenhamos firme propósito e abençoada esperança de que o futuro da Igreja, conforme a promessa e a eficácia de nosso Senhor, é a Sua Glória; não precisamos fugir do confronto com o mundo e nos refugiarmos na estranha expectativa da saída de emergência chamada Arrebatamento, antes podemos confiar que a batalha não é nossa, mas de Deus mesmo, e que em lugar de retirar o Seu povo da terra para que ele não sucumba, nosso Senhor nos guiará até o Dia Final em inabalável certeza de Fé para cumprir em nós seus desígnios de que haja uma igreja santa e uma para pregar o Evangelho em todo o mundo e fazer discípulos em todas as nações, antes que Ele volte para julgar os vivos e os mortos e encerrar a História da Redenção.

Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 6

Estivemos observando, nas Edições passadas, a maneira como o Dia do Senhor, anúncios de grande destruição e da chegada dos últimos dias estão conectados nas profecias do Velho Testamento e são aplicadas pelos autores inspirados do Novo Testamento em relação aos seus próprios dias [Joel 2:1; Atos 2:17; Deuteronômio 32:22; Hebreus 12:26; Isaías 65:17; Isaías 66:21,22; 2 Pedro 3:13]. Observamos também que o cumprimento especifico destas profecias se deu nos dias dos Apóstolos, mas que as conseqüências dos maravilhosos eventos daqueles dias não foram ainda totalmente manifestas. É como quando uma grande bomba explode: primeiro a luz é percebida, então o impacto da massa de ar deslocada é sentido, depois o calor e a energia em si atinge os arredores e, por último, após o assentar da poeira, pode-se perceber qual foi a conseqüência daquele ataque. Nosso Senhor ao adentrar a História (ainda sendo Eterno); ao nascer (permanecendo sem começo); ao sofrer (mesmo Todo-Poderoso); ao morrer (contudo sustentando tudo o que vive); ao ressuscitar em Glória (contudo habitando sempre em Glória inefável) e ao enviar Seu Espírito Santo (para chamar para si pecadores) - nosso Senhor, ao assim revelar-se (no seu Ser Incompreensível) causou um impacto tão poderoso na Criação que toda a história da Igreja até hoje não foi mais do que o vislumbrar da luz e o sentir dos primeiros impactos da explosão. Ainda havemos de esperar que todo o efeito da primeira Vinda de Cristo seja visível para que, no abaixar da poeira, contemplemos plenamente o que já foi feito e já nos foi dado nEle.

E é neste ponto que retomamos nossa exposição da Segunda Epístola Universal de São Pedro.

De volta ao Capítulo três da Segunda Epístola de São Pedro

No início da Edição 19, vimos que os Cristãos Judeus enfrentavam muitas e árduas dificuldades. Dois dos quatro pontos que listei tinham uma origem em comum, e os outros dois tinham um pilar em comum. Ocorre que esta origem e este pilar eram, na verdade, uma mesma causa: o Judaismo anti-Cristão (as seitas dos judaizantes e dos libertinos - dentre os quais havia tanto herodianos, quanto helenistas diversos e, até mesmo, um grupo de zelotes - além dos seus próprios parentes, fariseus, saduceus e de outras seitas judaicas, em conjunto com as forças políticas de Jerusalém pressionavam os Cristãos Judeus para que estes deixassem a Cristo e voltassem a religião tradicional da sua etnia). Sim, por mais estranho que possa parecer para nós, os libertinos e até mesmo os guerrilheiros eram bem tolerados entre a nação de Israel, enquanto os Cristãos sofriam todo tipo de sanção e vexame, principalmente por parte dos poderes farisaicos e herodianos. Na Epístola aos Hebreus vemos esta perseguição, estas sanções e todas as alegações dos Judeus: eles acusavam os Cristãos de não terem templo, de não terem sacerdócio, de não terem nação. Em face a todos estes enfrentamentos os Cristãos advertiam - conforme a própria Epístola aos Hebreus anuncia - que Cristo Jesus iria tomar vingança e dar a paga a iniquidade de Israel, assim como Ele voltaria para tornar visível a Sua Glória em todo o mundo e dar fim à História [Hebreus 6:1-12;10:25-39;9:28]. Esta é a origem da zombaria de que nos fala o Apóstolo Pedro. Os Judeus - libertinos, judaizantes, zelotes, fariseus e herodianos - que governavam a religião e o Estado na Judéia, desafiavam os Cristãos dizendo que a vingança sobre Jerusalém e a volta de Cristo eram apenas fábulas, e que Cristo, portanto, não era Salvador suficiente para suas almas; note que a insistência do Santo Apóstolo a respeito de relembrar as Palavras de Cristo e dos Profetas se justifica também nisto: que o conhecimento do Discurso Escatológico de Cristo e das Profecias veterotestamentárias nas quais ele estava baseado era necessário para desfazer esta confusão entre a expectativa de um reino visível de um messias político e o reino invisível do Messias espiritual. Os escarnecedores diziam: já passou muito tempo e estamos no ano 68; os primeiros Cristãos, os pais desta seita, já morreram e o Judaismo tem progredido, o Templo continua de pé, pedra sobre pedra, e seu Cristo não voltou para reinar! Tudo permanece como desde o início da Criação, e as nações continuam na sua impiedade! Onde está o reino do Messias, onde está o cumprimento das Profecias? [2 Pedro 3:4] O Santo Apóstolo porém, nos ensina que este escárnio é fruto do amor pelas trevas que jaz no coração dos ímpios e que os faz forçosamente ignorar o Poder e a Soberania do Deus Todo-Poderoso, que pela Palavra, que é Cristo, criou os céus e a terra, assim como os fez perecer [2 Pedro 3:5,6]. O Senhor os advertiu pela pregação de Noé, mas os ímpios de seu tempo amaram os pecados e a terra em que viviam, recusando-se a deixar tudo e adentrar, pela Fé, à arca. Esta mesma obstinação e ignorância repousava agora sobre Jerusalém, onde o pecado estava sendo abundante, mas a expectação do Dia do Juízo que estava por vir [2 Pedro 2:9], ausente. Atentemos mais uma vez para o modo como o Apóstolo emprega suas palavras: há um contraste entre o céu e a terra ... daquele tempo (o tempo de Noé) [2 Pedro 3:5,6] e os céus que agora existem [2 Pedro 2:7]. Sabemos que não houve destruição ou mudança nos elementos constitutivos do céu ou da terra por causa do Dilúvio (não algo que possa ser comparado com a mudança que imaginamos ser causada pelo fogo [2 Pedro 3:7] com a qual efetivamente é comparada por São Pedro). O motivo de tal coisa é que aqui não está em vista a destruição da matéria do céu ou da terra, mas um julgamento de Deus para destruição dos homens ímpios e para fazer calar os judeus inconversos [2 Pedro 3:7], como se fora mais um Dia do Juízo tal houve sobre Sodoma e Gomorra, e de maneira semelhante à destruição da ordem social e religiosa, corrupta, libertina, hipócrita, que zombava da pregação de Noé [2 Pedro 2:9;3:7] . Um grande e único Juízo viria sobre Jerusalém, um evento de grande importância na História da Redenção, a saber, a retribuição de Deus sobre o povo que mata os profetas e apedreja os que o Senhor lhe enviara [Mateus 23:37], Jerusalém corrupta que espiritualmente se chama Sodoma e Egito [Apocalipse 11:8].


O Senhor não retarda a Sua promessa

Há aqui uma pausa no desenvolvimento do raciocínio do Apóstolo. Uma lição sobre a maneira como Deus rege seus julgamentos deve ser dada antes que ele prossiga. O intuito desta lição é prevenir os leitores da soberba; pois a soberba, como terrível mal da alma, pode tomar ocasião da bondade de Deus para fazê-los pecar. O pecado é excessivamente maligno e constantemente nos tenta a torcer as Escrituras para glorificar os ídolos do Velho Homem. Por isso, antes de prosseguir, o Santo Apóstolo exalta a Soberana Graça de Deus e humilha o homem, golpeando a nossa maligna natureza, ao explicitar que:

1) O Deus Eterno é sobre e além do tempo, pois para Ele tanto 1000 anos são como 1 dia, quanto 1 dia é como 1000 anos [2 Pedro 3:8];

2) Não há limite para a realização daquilo que Deus anunciou; nada O impede de fazer cumprir aquilo que Ele mesmo determinou em Sua Palavra [2 Pedro 3:9] ;

3) Somente a longanimidade de Deus pela qual Ele mesmoo decretou a Salvação de muitos homens em toda o mundo e aguarda até que este número se complete, é a causa de que a Ira dEle não recaia, de imediato, sobre a humanidade e de que toda a História seja, desde já, encerrada [2 Pedro 3:9].

Somente então, após esta exaltação da Majestade e Benignidade do Altíssimo, que São Pedro volta ao assunto que desenvolvia. Seu aviso principal chegou: O Dia do Senhor virá como um ladrão para fazer passar a terra e as suas obras. O Dia do Senhor, que profeticamente é um sinônimo de últimos dias (como vemos em Atos 2:17 onde São Pedro chama de últimos dias o que o Profeta Joel, na passagem citada do Velho Testamento, chamou de Dia do SENHOR [Joel 2:1]). Neste tempo de Juízo e Restauração, neste evento onde a Glória de Cristo seria trazida mais claramente ao mundo do que em todos os o tempos anteriores, o Apóstolo nos diz que, assim como ocorreu com o Dilúvio, os céus passarão [2 Pedro 3:10]. Os rudimentos do mundo (em algumas traduções aparece a palavra elementos – a palavra grega original é stoicheia e sua tradução comum nos outros versículos onde aparece é rudimentos), são a forma de religião externa e supersiciosa judaica [cf. Gálatas 4:3; Colossenses 2:20; Hebreus 5:12;6:1;9:14], e esta mesma forma será desfeita em brasas e derretida [2 Pedro 3:10;12], caracterizando com detalhes uma profecia a respeito de como Jerusalém, e mais especificamente o Templo, seriam destruidos no ano de 70 d.C.

Novos céus e nova terra, nos quais habita a Justiça

Santo Apóstolo, encerrando esta profecia cita, mais uma vez o Profeta Isaías, o qual anunciara o advento de um novo céu e uma nova terra [Isaías 65:17;66:22]. É muito comum ouvirmos que este termo se refere somente à eternidade ou que que se refere a um suposto milênio de paz. (A teoria do milênio é absurda demais para sequer ser refutada novamente - já o fizemos indiretamente nas Edições 16 e 17, e constantemente este assunto é tratado com detalhes nos estudos do Pequeno Catecismo Congregacional Kalleyano. Ademais, desde o século V o milenarismo foi condenado como superstição judaica. Portanto, vamos tratar diretamente do texto da profecia, sem nos determos na heresia milenarista.) Tanto a eternidade quanto o milênio dispenscionalista, são comumente situados como eventos que ocorrem após a ressurreição dos mortos. Vejamos, portanto, se as palavras de Isaías poderiam ser aplicadas ao tempo pós-ressurreição: nestes novo céu e nova terra, diz o Profeta Isaías, morrer aos cem anos será morrer ainda cedo [Isaías 65:20]; casas serão edificadas e vinhas plantadas [Isaías 65:21]; não se trabalhará debalde nem se terá filhos para a calamidade [Isaías 65:23]; o lobo e o cordeiro pastarão juntos e o leão comerá palha como o boi [Isaías 65:25]. Ora, estas coisas não são possíveis na eternidade, após a ressurreição, pois lá não haverá lobos, nem cordeiros, nem leões, nem se terá filhos na eternidade, muito menos se morrerá na eternidade. Nem podem estas coisas serem tidas como tipos da eternidade, pois nada há que as traduza no texto – o que é um perigoso pretexto para toda sorte de alegorização. Mas será que o texto nos conduz a uma compreensão mais plena? Vejamos o que mais o Profeta nos diz sobre estes novos céus e nova terra: todas as nações e línguas serão ajuntados para servir ao Senhor e pregar o Evangelho [Isaías 66:19], de Társis, Pul, Lude, Tubal e Javã até as terras do mar mais remotas [Isaías 66:20], de todas as nações serão feitos sacerdotes e levitas [Isaías 66:21]. Agora temos expressões mais claras do que as do capítulo anterior, e que, igualmente não podem estar falando do tempo da eternidade. Vemos agora, contudo, que também não é possível tratar-se de qualquer outro tempo pós-ressurreição, pois após a ressurreição não poderia haver alguém que jamais ouviu falar do Senhor [Isaías 66:19]. Veja que exatamente os versículos de 19 até 21 são a chave para compreender os novos céus e a nova terra - o que está ali anunciado é claramente uma referência ao Reino de Cristo. Reino este que desponta, como os primeiros sinais do sol ainda pela madrugada, muito fraco e discreto, no nascimento de nosso Senhor; se torna um pouco mais visível em Sua pregação e ainda mais visível na Crucificação e mais na Ressurreição; mais ainda na Ascensão e na descida do Santo Espírito e, por fim, na destruição de Jerusalém, na completude do Cânon da Escritura e na disseminação do Evangelho em todo mundo pela Igreja uma vez já firmemente fundada. Este é o novo céu e a nova terra que São Pedro e os Cristãos a quem escreve esperavam para depois do julgamento dos ímpios – uma nova Criação, a Redenção do Universo adquirida por Cristo na Eternidade e consumada em seu primeiro Advento, Redenção que pouco a pouco penetra o Tempo e restaura o Universo decaído através da manifestação de Cristo em nós [cf. 2 Coríntios 5:17; 1 Coríntios 15:45; Efésios 2:10; Romanos 8:18-25].


Quão admiráveis são os desígnios do Senhor, que nos ressuscitou pela Fé [Colossenses 2:12] e oculta nossa vida nEle, à direta de Deus Pai [Colossenses 3:1-4]. Em Cristo, Deus reconciliou consigo todas as coisas, quer sobre o céu, quer sobre a terra [Colossenses 1:17-20] pelo Sangue derramado na Cruz, para reunir nEle um povo santo e irrepreensível [Colossenses 1:22], uma nova humanidade para glória do nosso Redentor [Gênesis 12:3; Zacarias 9:9-10; Efésios 3:5-6]. Façamos, pois, morrer a nossa velha natureza, e nos apresentemos em conformidade com tão maravilhosa Graça - a de sermos feitos Nova Criação em Cristo Jesus. Estejamos firmes na Palavra da Verdade, o Evangelho da nosso Salvação, edificados e confirmados na Fé e vivamos de modo digno do Senhor e para inteiro agrado do nosso Amado.