Esperança em Tempos de Apostasia – Parte 2

Na edição passada, analisamos alguns dos erros do construto pseudoteológico chamado dispensacionalismo. Agora, antes de prosseguirmos para um pouco mais de estudo sobre a história da Igreja e para as exposições dos textos da Escritura, peço mais uma vez que constantemente orem por nossa denominação, pelos estudos do Jardim Clonal e por todos os planos e ações que o Senhor nos tem dado. Orem e vigiem, pois devemos estar alertas às sutis ciladas do Diabo, ciladas como estes farrapos de falta de esperança que o dispensacionalismo nos legou, e como os problemas de hermenêutica que tão despercebidamente somos tentados a absorver do pentecostismo e do liberalismo teológico.Ressalto, para termos mais exata noção desta questão, que até aexistência do dispensacionalismo está diretamente relacionada ao problema de uma má hermenêutica – isto é, a adoção de uma maneira inadequada de interpretar os textos da Escritura. Sei que não é raro ouvir alguém fazer pouco caso desta questão, alegando que não é necessário um princípio hermenêutico para interpretar corretamente a Escritura, mas somente a “ação do Espírito”. Ora, temos dois erros nesta afirmação: primeiro porque a Escritura nos ensina que os meios e o conhecimento comuns são indistintamente ordenados pelo Espírito de Deus para fins extraordinários [cf. João 5:39; 1 Coríntios 14:26; Atos 17:28; 2 Timóteo 4:13] – o que nos leva a entender que as imprescindíveis horas de oração sincera cooperam para com o estudo, mas não o substituem; e, segundo, porque a idéia de que não é necessário um princípio hermenêutico para a interpretação bíblica é, em si, um princípio de uma hermenêutica relativista. Concluímos, portanto, que toda vez que alguém se aproxima do texto da Escritura está (conscientemente ou não) comprometido com determinado sistema de interpretação. Como não há uma forma neutra de se aproximar da Bíblia, cabe conhecermos os sistemas de interpretação existentes e optarmos pelo sistema que possua a maior consistência interna e que não nos leve a interpretar textos da Escritura como se a Palavra de Deus estivesse em contradição à ela mesma ou ao nosso sistema de interpretação. Alerto, principalmente, contra os perigos dos seguintes tipos de interpretação:

Alegórica –é a interpretação dos textos da Escritura de maneira subjetiva, buscando um “sentido espiritual mais profundo” do que aquile que poderia ser naturalmente compreendido do texto, ou de seu contexto imediato. É puramente arbitrário, como por exemplo: um teológo medieval dizia que os 7 filhos de Jó representavam os 12 apóstolos porque 7 é 4 somado com 3, e 4 multiplicado por 3 é igual a 12; outro dizia que as duas varas mencionadas em Zacarias 11:7 são a Ordem Franciscana e a Ordem Dominicana; o movimento espiritualista diz que “o outro consolador” [João 14:16] é o espiritualismo; já alguns maometanos dizem que foi este Maomé. Nenhuma destas interpretações considera o texto em si segundo o seu próprio contexto e o seu significado mais natural. A interpretação Alegórica, por ser tão subjetiva, admite também a possibilidade de que a mesma passagem possa ter vários sentidos e significados, inclusive conflitantes;

Histórico-crítica ou liberal – ao interpretar o texto bíblico, o adepto deste tipo de interpretação recusa partes claras e evidentes do texto (como a parte da narrativa de quando Jonas é engolido por um grande peixe, de quando Isaías profetiza sobre Ciro, ou de quando Cristo ressuscita), porque estas partes desafiam a visão de mundo cientificista e racionalista que se popularizou a partir do fim do século XIX;

Experiencial – é a interpretação da Escritura com o objetivo de encontrar nela as bases que justifiquem uma determinada experiência subjetiva ou uma determinada crença. É o caso dos pentecostistas que costumam balizar suas crenças nos pretensos dons, visões e outras manifestações estranhas à Escritura usando frases como “aconteceu comigo” ou “eu já vi acontecer” e, a partir daí, buscar textos isolados que sirvam de comparação às suas experiências. Quando a Escritura claramente desabona algo, ou quando ela não possui uma norma direta e clara sobre determinado assunto, não importa o que eu vi ou eu experimentei, porque eu sou passível de erro e de toda sorte de engano, enquanto a Palavra de Deus não – se a Escritura estabelece algo, então tenho bases firmes para crer nisso; se ela nega, silencia ou não provê suficientes detalhes sobre certo assunto, então simplesmente não há rocha firme sobre a qual construir um ensino;

Hiperliteralista, é a interpretação literal de quase todos os textos da Escritura, até aqueles evidentemente simbólicos ou metafóricos. Considera, por exemplo, que o Templo descrito nas profecias de Ezequiel seria um Templo literal a ser construído no futuro, apesar do relato sobre o rio no capítulo 47 contradizer esta idéia.

Tendo enumerado os erros mais comuns, agora nos é proveitoso avaliar o método mais adequado para o estudo da Escritura (aquele mesmo que foi utilizado pelos Apóstolos no século I, pela escola teológica da Igreja de Antioquia nos séculos II e III, por inúmeros santos homens do passado, pelos Reformadores do século XVI e pelos Puritanos nos séculos seguintes): o princípio hoje chamado histórico-gramatical. Podemos resumí-lo em 4 princípios básicos:

A Escritura é a única medida e meio de informação infalível e inerrante, capaz de ensinar-nos acerca da Salvação de nossa alma, do conhecimento de Deus, da confiança nEle e da forma perfeita da obediência que é devida ao Senhor [Romanos 1:19-21,2:14-15; 2 Timóteo 3:15-17; Isaías 8:20; Lucas 16:29; Efésios 2:20]. Nem homem algum, nem instituição alguma, tem autoridade superior àquela contida na Bíblia, que é a Palavra de Deus [2 Pedro 1:19-21; 2 Tessalonicenses 2:13; 1 João 5:9]; portanto, a Bíblia é o único intérprete infalível da própria Bíblia, trazendo, em suas partes mais claras, luz suficiente àquelas de mais difícil entendimento;

Há somente um único sentido pleno e verdadeiro para cada passagem da Escritura, que é o sentido originalmente desejado pelo autor humano para com os seus leitores. Este sentido deve ser buscado com afinco e defendido com fé e diligência, pois proveio da vontade do Espírito de Deus que inspirou o autor imediato do texto à expressão exata do que o Senhor intentou legar à Sua Igreja [2 Pedro 1:20,21; Atos 15:15-16];

Tal sentido único é obtido pela interpretação mais natural e imediata do texto, segundo a gramática comum e o bom uso da lógica. Quando, no entanto, houver controvérsias quanto à esta interpretação, tais dúvidas devem ser dirimidas por homens piedosos e capacitados pelo Espírito de Deus, com bom conhecimento das línguas originais da Escritura (especialmente pelos teólogos e mestres da Igreja) ou pela consulta à excelentes traduções (no caso de leigos). Mais luz será lançada sobre o texto, pela necessária consideração de seu tipo literário e da cultura, época e ocasião em que foi escrito. Por último, recomenda-se buscar o auxílio de bons livros que Santos homens do passado escreveram sobre o assunto investigado;

A Revelação de Cristo é a substância do início, do decorrer e da consumação de tudo o que é informado na Escritura [Lucas 24:27; Apocalipse 1:8; Colossenses 1:16]. Sendo, portanto, um livro de tal teor espiritual e divino, a Escritura só é plenamente compreendida em seu caráter como Revelação de Cristo, mediante a iluminação do Santo Espírito [João 6:45; 1 Coríntios 2:9-12]. Isto não dá subsídios para uma interpretação alegórica, porque a maneira como cada texto da Escritura nos leva a Cristo é determinada pelo contexto, intenção do autor, tipo literário e interpretação das passagens relacionadas da própria Bíblia.

Confesso que esta introdução à exposição dos textos referidos na última edição fez-se um tanto extensa; porém, é necessária pois, sem a correta base hermenêutica, não só a compreensão das profecias que estudaremos ficaria comprometida, como todo o modo de enxergamos a Escritura pereceria. Por isso, insisto ainda que todos nossos leitores orem por nossos presbíteros e pregadores para que estes cresçam a cada dia no Conhecimento do Amor de Cristo e na habilidade para nos conduzir, pela Graça do Senhor, à pureza, verdade e santidade que a Igreja de Cristo deve ter. E este é, sobretudo, o objetivo de todo o nosso estudo: que a meditação no ensino da Escritura sobre as últimas coisas floresça na forma de uma viva esperança cotidiana e, portanto, na forma de um apelo crescentemente sensível, do Espírito de Deus, para que nos consagremos ao Senhor com inteireza, rejeitando toda falsa doutrina, e, assim, onde quer que estivermos e seja qual for a vocação que o Senhor nos tem dado junto ao mundo, sejamos reconhecidos pela diligência e prontidão na luta pela expansão e progresso do Reino de Deus na terra. Retomo então nosso tema nestes estudo que é a Esperança em Tempos de Apostasia, a esperança em Cristo e em Sua Palavra, esperança sobre a qual a Escritura nos diz: “Todo aquele que nEle tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro” [1 João 3:3].


Futurismo, uma arma de pessimismo e desânimo

Como dissemos no início, a correta interpretação da Escritura é necessária para a saúde dos crentes, pois foi de uma má hermenêutica que surgiram heresias como o dispensacionalismo. E é no coração do dispensacionalismo que encontramos outro fruto vindo de homens que distorcem as Escrituras. Sim, lá encontramos um velho romanista, da pior espécie, um servo da obra-prima do Diabo chamada Igreja Católica Romana. Este romanista atende pelo nome de: futurismo. O futurismo a que me refiro é uma escola de interpretação das profecias da Escritura, que surgiu por volta do século XVII, pelas mãos calculistas de um Jesuíta. Esta escola defende que todas as profecias que não se cumpriram literalmente terão um cumprimento futuro. Esta idéia está baseada em uma divisão arbitrária do Apocalipse em partes, onde o capítulo 2 e o 3 são um resumo da história da Igreja em todos os séculos e o capítulo 4 em diante demonstra, cronologicamente, as coisas que “ainda hão de acontecer”. Esta armadilha escatológica foi uma daquelas armas forjadas nos porões sujos dos mais ímpios servos de Roma, assim como o fora o Arminianismo (a ligação entre certos romanistas semi-pelagianos com Jacobus Arminius é bem documentada na História) e o Misticismo Cristão (segundo um antigo cardeal da Igreja Romana, esta instituição não é o resultado da revelação de Cristo vivificando a herança judaica, mas a sincretização dos conceitos neotestamentários com as religiões pagãs – não é sem porquê que o Misticismo Cristão é considerado o pai dos movimentos pentecostais e, sobretudo, dos neo-pentecostais). O futurismo foi criado com um intuito certeiro: fazer-nos esquecer que o trono do Papa é o trono do Anticristo. Coisa que esta escatologia faz ao mover o advento do Anticristo para um futuro distante, quase inatingível e ao condicionar a interpretação do Apocalipse às crises geopolíticas e desastres da época do intérprete (o que, além de todo o mal já citado, ainda incitou muitos ao pecado da prognosticação – basta consultar a história dos Adventistas do Sétimo Dia ou das Testemunhas de Jeová para entender quão destruidor é o futurismo). É válido notar que, desde antes da Reforma, muitos homens haviam aprendido e ensinado que o Apocalipse é um livro para hoje (e não para o futuro distante) e que a manifestação do homem da iniqüidade - que se assenta no meio do povo de Deus dizendo ser ele mesmo o deus [2 Tessalonicenses 2:4; Apocalipse 13:1-8] - já havia se iniciado. Sabia-se também que Roma seria sua cidade [Apocalipse 17:9] e que ele derramaria o sangue dos Santos de Deus [Apocalipse 13:7,18:24]. No século XIV, quando centenas de milhares já haviam sido mortos pela Igreja Romana, por discordar de seus dogmas antibíblicos, o Papa Bonifácio declarou: “Eu tenho a autoridade de Rei dos reis, eu sou tudo em todos e sobre todos, assim que Deus, Ele mesmo e eu, o Vigário (substituto) de Deus, temos uma só autoridade, e eu sou capaz de fazer quase tudo que Deus pode fazer. O que podem me considerar senão Deus?”. Então a antiga suspeita se fez mais do que confirmada. Quando a Luz da Palavra de Deus iluminou o mundo através da Reforma Protestante, a denúncia da real identidade espiritual do Papa se alastrou e foi conhecida em toda parte. No magistral documento confessional do Congregacionalismo mundial (a Declaração de Savoy), John Owen toma como suas as palavras dos puritanos de Westminster e diz:

Não há outro cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo. [Colossenses 1:18; Efésios 1.22] Nem pode, portanto, o papa de Roma, em nenhum sentido ser o cabeça; Mas ele é aquele Anticristo, aquele homem do pecado, o filho da perdição, que se exalta a si mesmo, na Igreja, contra Cristo e a tudo que se chama Deus, a quem o Senhor destruirá com o resplendor de Sua vinda. [Mateus 23:8-10; 2 Tessalonicenses 2:3,4,8,9; Apocalipse 13:6]

E esta era a crença generalizada de todos as Igrejas Reformadas até o século XVIII quando o futurismo conseguiu infiltrar-se no aprisco Cristão pelas ações dos emissários de Roma. Com o fermento do futurismo, no século seguinte cresceu o pré-milenismo – soma da concepção hiperliteralista de que o milênio de Apocalipse 20 trata de 1000 anos literais que terão um cumprimento futuro e da idéia cronológica de que os eventos do capítulo 20 ocorrem imediatamente após os eventos do capítulo 19. Com a junção das doutrinas do arminianismo, futurismo e misticismo (incorporado pelos movimentos pietistas radicais) o cenário para a Apostasia na igreja completou-se e os eixos do pensamento cristão moderno, já abalado por outros ataques ideológicos, moveu-se para longe da verdade da Escritura. Este processo transformou o discurso cristão. A pregação histórica do Evangelho centrado em Cristo mudou-se em uma pregação de um outro evangelho cujo objetivo é satisfazer a carne. A determinação ousada dos antigos Cristãos que conheciam, pela Escritura, a história da Redenção do mundo pelo poder da Palavra de Cristo, tornou-se no retraimento e mundanismo dos atuais cristãos que crêem que a Bíblia conta a narrativa da recorrente derrota da Igreja de Cristo até o dia da fuga em massa. Este veneno de Roma, esta visão deturpada arminiana, futurista e mística (que, desde a última década, é hegemônica no meio evangélico) está nos catapultando de volta à idade média ao ensinar que Satanás reina sobre o mundo com constante triunfo e, portanto, a única esfera de ação do Evangelho é a vida para a igreja e na igreja. Se já não bastasse nos atemorizar com a história de um invencível cerco dos exércitos das trevas, somos apresentados ainda a um sempre eminente Armagedon, a uma estranha doutrina de que fim do mundo está sempre às portas (apesar de ser claramente absurdo dizer que sempre estamos quase no fim). O resultado?! Perdemos a noção de que a obediência à Lei moral de Deus é dever de todas as nações, de todos os povos e de todos os governos, (não somente da Igreja) e de que a responsabilidade pela derrocada e falência moral do mundo e da igreja visível é nossa – a presente geração do povo de Deus. Perdemos a visão de quem são nossos inimigos e de como podemos vencê-los, perdemos a visão de que o Anticristo já está no nosso meio (há séculos!) e que deve ser combatido com a Palavra. Perdemos a compreensão de quais são os objetivos da Igreja e de como podemos estabelecê-los, em lugar de nos acuarmos amaldiçoando o mundo e lamentando que somos os últimos fiéis na Terra. Por isso, nos primeiros textos bíblicos que estudaremos aqui, com a boa hermenêutica da Reforma e a Graça do Espírito de Deus sobre nós, buscarei expor as promessas que o Senhor nos deu para nos conservarmos vigorosos e otimistas em cada dura batalha as quais, se amarmos ao Reino de Deus, nos disporemos a enfrentar daqui por diante. Como dissemos na última edição, sabemos que a Escritura promete tribulações e perseguições para a Igreja até o retorno de Cristo e que não há notícia na Bíblia de que um dia, antes do fim, o mundo e/ou a Igreja, se tornarão completamente puros. Porém, há na Escritura uma poderosa escatologia de vitória para a Igreja de Cristo, escatologia esta que já perdemos muito ao ignorá-la.

2 comentários:

Pereira Neto disse...

Obrigado pela visita ao meu blog e pelo oportuno comentário. Se possível gostaria de saber mais sobre a Igreja Congregacional Kalleyana, sou da Igreja Congregacional Reformada, que além da minha tem mais 2, embora não esteja ligadas. Ficarei grato se me mandares alguma informação, o meu email é: pereira.neto2006@hotmail.com

Abraços. Ah gostei muito do seu blog.

Hermes C. Fernandes disse...

Que palavra escolher para expressar minha satisfação em encontrá-los no ambiente cibernético? Bálsamo! Isso mesmo! Minh'alma se regozija n'Ele por saber que há os que não se dobraram a Baal.
Christus Victor! Semper Invictus!